Origens e primeiros estudos
Nasceu no dia 5 de agosto de 1872, em São Luiz do Paraitinga, pequeno
povoado no interior do estado de São Paulo. Foi o primeiro dos seis filhos
do médico Bento Gonçalves Cruz e de Amélia Taborda Bulhões
Cruz. Em São Luiz do Paraitinga, mais precisamente na chácara
do Dizimeiro, passou os primeiros anos de sua vida.
Em 1877, quando tinha cinco anos, o pai resolveu mudar-se para o Rio de Janeiro.
Embora já lesse satisfatoriamente, tendo aprendido as primeiras letras
com a mãe, foi só nessa ocasião que Oswaldo sentou-se,
pela primeira vez, num banco escolar. Cursou o primário no Colégio
Laure. Mais tarde, transferiu-se para o Colégio São Pedro de Alcântara
e, depois, para o Externato Pedro II, onde se preparou para prestar os exames
indispensáveis à matrícula nas escolas superiores.
Em 1886, aos quatorze anos – idade em que a maioria dos estudantes iniciava
o curso secundário -, Oswaldo Cruz prestou, com sucesso, os exames para
o ingresso na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro.
O curso médico
Em 1887, Oswaldo Cruz ingressou na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro.
Durante os seis anos em que freqüentou o curso, não demonstrou grande
interesse pela clínica, mas sentiu-se completamente fascinado pelo mundo
microscópico, que começava a ser revelado pelas descobertas de
Louis Pasteur, Robert Koch e outros investigadores. A chamada revolução
pausteuriana estava promovendo uma transformação radical na medicina.
Em 1888, Oswaldo Cruz foi convidado por Martins Teixeira, catedrático
de física médica, a assumir o lugar de "ajudante de preparador"
no Laboratório de Higiene da Faculdade. Dois anos depois, com a transformação
desse laboratório no Instituto Nacional de Higiene, vinculado à
recém-criada Inspetoria Geral de Higiene, Oswaldo Cruz tornou-se assistente
de Rocha Faria. Trabalhou ali, ao lado de Barros Barreto, Francisco Fajardo
e Henrique Tanner de Abreu, até concluir o curso médico. Nesse
período, publicou dois trabalhos originais: "Um caso de bócio
exoftálmico num indivíduo do sexo masculino", em 1891, e
"Um micróbio das águas putrefatas encontrado nas águas
de abastecimento de nossa cidade", no ano seguinte.
No dia 8 de novembro de 1892, poucas horas antes do falecimento de seu pai,
Oswaldo Cruz apresentou à Faculdade de Medicina sua tese de doutoramento,
"A veiculação microbiana pela água". Logo às
primeiras páginas, revelava o jovem doutor a sua paixão pela bacteriologia
ou microbiologia, nomes pelos quais era conhecida à disciplina que se
ia formando à medida que se adensavam as aquisições pasteurianas:
"Desde o primeiro dia que nos foi facultado admirar o panorama encantador
que se divisa quando se coloca os olhos na ocular de um microscópio,
sobre cuja platina está uma preparação; desde que vimos
com o auxílio deste instrumento maravilhoso os numerosos seres vivos
que povoam uma gota de água; ... enraizou-se em nosso espírito
a idéia de que os nossos esforços intelectuais de ora em diante
convergiriam para que nos instruíssemos, nos especializássemos
numa ciência que se apoiasse na microscopia"
Ainda em 1892, o Instituto Nacional de Higiene foi desligado da Inspetoria de
Geral de Higiene, transformando-se, primeiro, no Instituto Domingos Freire e,
em seguida, no Instituto Sanitário Federal, que viria a transformar-se
na Diretoria Geral de Saúde Pública.
Primeiras atividades profissionais
Em janeiro de 1893, logo após a conclusão do curso de medicina,
Oswaldo Cruz casou-se com Emília da Fonseca, filha de um rico negociante
português, o comendador Manoel José da Fonseca. Dessa união,
nasceriam seis filhos: Elisa, Bento, Hercília, Oswaldo, Zahra e Walter.
Sua paixão pela microbiologia não passou despercebida ao sogro,
que lhe deu como presente de casamento um bem equipado laboratório, instalado
no primeiro andar da residência do jovem casal, à rua Lopes Quintas,
no Jardim Botânico.
A necessidade de prover a subsistência da família levou Oswaldo
Cruz a assumir a clínica do pai, na Gávea, e o cargo por ele ocupado
na Fábrica de Tecidos Corcovado. Numa junta de médicos à
rua Jardim Botânico, em agosto de 1894, conheceu aquele que lhe abriria
importantes portas na vida profissional e que viria a tornar-se seu mais importante
biógrafo, o dr. Salles Guerra. Este convidou Oswaldo Cruz a organizar
na Policlínica Geral do Rio de Janeiro um laboratório de análises
que municiasse os diagnósticos do serviço de moléstias
internas, que chefiava, e da clínica de Silva Araújo, que lidava
com sífilis.
Na Policlínica, Oswaldo Cruz passou a integrar, com Salles Guerra, Silva
Araujo, Werneck Machado e Alfredo Porto, o "grupo dos cinco germanistas",
assim chamado pelo empenho que tinham em aprender o alemão, o idioma
dos textos de medicina mais avançados na época. De fato, a ligação
com a Alemanha viria a desempenhar importante papel na carreira de Oswaldo Cruz.
Naquele momento, porém, sua grande ambição era fazer os
estudos de aperfeiçoamento no Instituto Pasteur de Paris, o grande templo
da microbiologia. Mais uma vez, a ajuda do sogro foi fundamental. No começo
de 1896, Oswaldo Cruz e a família embarcaram num navio rumo à
França.
A viagem a Paris
Em 1896, Oswaldo Cruz deixou o Brasil para ir aperfeiçoar-se no Instituto
Pasteur. Apesar de ter como principal objetivo estudar a microbiologia e suas
aplicações à saúde pública, sabia que o laboratório
não bastava para sustentar a família: era preciso ter uma especialidade
clínica.
Começou, então, os seus estudos no serviço de vias urinárias
de Félix Guyon. Naquela época, a urologia era uma especialidade
promissora, com clientela segura, graças, sobretudo, às doenças
venéreas, como a gonorréia e a sífilis.
Oswaldo Cruz estagiou também no Laboratório de Toxicologia de
Paris, na equipe chefiada por Ogier e Vibert, onde aprendeu tudo quanto se relacionava
à moderna prática médico-legal. Seus experimentos nessa
área e em histologia patológica foram registrados em alguns artigos
publicados no Brasil e na Europa.
Contudo, seu maior interesse era a microbiologia. Oswaldo Cruz freqüentou
o Instituto Pasteur ainda sob o boom das descobertas de microrganismos patogênicos.
Além disso, as perspectivas da soroterapia pareciam ilimitadas desde
o desenvolvimento dos soros antidiftérico e antipestoso, em 1894.
Em julho de 1898, Oswaldo Cruz escreveu para o público médico
brasileiro um relato didático e minucioso sobre a seção
de preparo de soros terapêuticos do Instituto Pasteur. Em outro artigo,
apresentou o laboratório que fazia o diagnóstico das doenças
infecto-contagiosas em Paris, criado pelo Conselho Municipal, em abril de 1895.
Durante sua estada na França, teve também o cuidado de freqüentar
uma fábrica de vidraria para laboratório, onde aprendeu a confeccionar
ampolas, provetas, pipetas e a dar aos tubos o feitio adequado aos aparelhos
usados nas experiências. A técnica era ainda desconhecida no Brasil,
e Oswaldo Cruz foi o primeiro a fabricar ampolas no país.
Em fins de 1898, quando todas atenções, na França, voltavam-se
para o Caso Dreyfus, Oswaldo Cruz concluía seu estágio no Instituto
Pasteur e ultimava os preparativos para o retorno ao Brasil. Entre estes, incluía-se
a compra de moderno arsenal de equipamentos para o Laboratório da Policlínica
Geral do Rio de Janeiro.
A criação do Instituto de Manguinhos
Em outubro de 1899, poucos meses após sua volta ao Brasil, Oswaldo Cruz
foi comissionado pela Diretoria Geral de Saúde Pública para investigar
a ocorrência de um surto de peste bubônica no porto de Santos, em
São Paulo.
No início daquele mês, Adolfo Lutz e Vital Brazil tinham sido chamados
a Santos para desvendar as causas de uma mortandade suspeita de ratos, desde
que ali atracara um vapor lotado de imigrantes procedentes da cidade portuguesa
do Porto. O micróbio que causava a peste (Pasteurella pestis), a sua
transmissão ao homem pela pulga do rato (Xenopsylla cheopis) e o soro
capaz de curar os doentes haviam sido descobertos há pouquíssimo
tempo, concomitantemente ao avanço da pandemia da Ásia para a
Europa e, em seguida, para a América. Através do exame dos ratos
e dos primeiros doentes, em Santos, os pesquisadores do Instituto Bacteriológico
de São Paulo diagnosticaram a peste bubônica.
No dia 18 de outubro, o governo do estado enquadrou a cidade em severa quarentena.
Inconformados com os prejuízos que a medida acarretava, comerciantes
e médicos locais convidaram o dr. Eduardo Chapot-Présvot, professor
da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, a opinar sobre a questão,
na esperança de que ele contradissesse o diagnóstico de Lutz e
Brazil. Contudo, Chapot-Présvot reafirmou o diagnóstico.
A investigação conduzida por Oswaldo Cruz, a pedido do governo
federal, deu o mesmo resultado. No dia 27 de outubro, cinco dias após
haver desembarcado em Santos, ele telegrafou ao ministro da Justiça,
Epitácio Pessoa: "Os critérios clínico, epidemiológico
e bacteriológico permitem afirmar categoricamente ser a peste bubônica
a moléstia reinante."
A chegada da peste ao Brasil causou enorme apreensão às autoridades
sanitárias. Só o Instituto Pasteur de Paris fabricava o soro e
a vacina contra a doença, mas ainda em quantidades insuficientes para
atender à demanda mundial. Antecipando-se ao inevitável deslocamento
da peste para outras cidades, a prefeitura do Distrito Federal e o governo de
São Paulo resolveram criar seus próprios laboratórios para
a fabricação desses imunobiológicos.
Na capital da República, numa fazenda distante da zona urbana, foi criado
o Instituto Soroterápico do Rio de Janeiro, sob a direção
do barão de Pedro Afonso, proprietário do Instituto Vacínico
Municipal, onde era produzida a vacina antivariólica. A direção
técnica do novo instituto implantado na fazenda de Manguinhos foi confiada
a Oswaldo Cruz. Antes mesmo de sua inauguração, em maio de 1900,
ele passou à alçada federal, com o nome de Instituto Soroterápico
Federal. Em outubro de 1900, a Diretoria Geral de Saúde Pública
(DGSP) recebeu os primeiros cem frascos de vacina e soro antipestosos, preparados
por Oswaldo Cruz com a colaboração de Henrique Figueiredo de Vasconcelos
e dos estudantes de medicina, Antônio Cardoso Fontes e Ezequiel Dias.
Em São Paulo, o laboratório antipestoso foi criado, originalmente,
como seção do Instituto Bacteriológico, na fazenda do Butantã,
igualmente distante da zona urbana. Dirigido por Vital Brazil, tornou-se em
pouco tempo um instituto autônomo, denominado Instituto Soroterápico
do Estado de São Paulo, depois Butantã. Em junho de 1901, entregou
os primeiros frascos do soro antipestoso ao Serviço Sanitário
de São Paulo.
A metamorfose de Manguinhos
e sua transformação no Instituto Oswaldo Cruz
Em fins de 1902, divergências sobre a política de produção
de imunoterápicos criaram irremediável incompatibilidade entre
Oswaldo Cruz e o Barão de Pedro Afonso. Este demitiu-se e Oswaldo Cruz
assumiu a direção plena do instituto, em 9 de dezembro. Em março
de 1903, o presidente Francisco de Paula Rodrigues Alves, recém-eleito,
entregou a Oswaldo Cruz a chefia do órgão ao qual o instituto
estava subordinado, a Diretoria Geral de Saúde Pública.
Fazendo uso dos poderes extraordinários e dos recursos que o governo
federal lhe concedeu para executar o saneamento do Rio de Janeiro, Oswaldo Cruz
assegurou a Manguinhos condições técnicas e materiais para
que rapidamente alargasse suas fronteiras. O Instituto expandiu sua pauta de
produtos biológicos, ampliou os horizontes das pesquisas biomédicas
e se tornou um centro de ensino da microbiologia.Concomitantemente, iniciava-se
, sob a direção do arquiteto português Luiz de Moraes Júnior,
a edificação do castelo mourisco e de outros sofisticados pavilhões,
em lugar das toscas instalações da fazenda de Manguinhos.
O Instituto que fora criado para fabricar o soro e a vacina contra a peste bubônica
começou a produzir vários outros soros e vacinas destinados ao
tratamento ou prevenção de doenças, não apenas humanas
como também animais. A veterinária tornou-se uma importante vertente
de pesquisas em Manguinhos: o estudo das epizootias permitiu-lhe diversificar
os clientes de sua atividade científica e criar bases de sustentação
junto a influentes segmentos da agropecuária brasileira. A vacina contra
a peste da manqueira, descoberta em 1907 e patenteada no ano seguinte, iria,
inclusive, tornar-se importante fonte de rendas para o Instituto, além
de constituir uma das principais motivações para que fosse criada
a primeira filial do instituto, em Belo Horizonte (1906).
Nesses anos, as pesquisas realizadas em Manguinhos guardavam estreita relação
com os problemas enfrentados pela DGPS no Rio de Janeiro: preparação
de novos produtos terapêuticos ou aperfeiçoamento dos já
existentes; estudo da origem e transmissão de doenças que se manifestavam
endêmica ou epidemicamente no meio urbano; desenvolvimento de métodos
seguros para diagnosticá-las e combatê-las. Mas outras doenças
ditas "tropicais", como o impaludismo, a filariose, o béri-béri
e a ancilostomose, presentes nas regiões interioranas do Brasil, também
eram investigadas pelos pesquisadores do Instituto Soroterápico.
À frente da DGSP, Oswaldo Cruz proporcionou-lhes todas as facilidades
para que dessem corpo a uma instituição cada vez mais parecida
com o polivalente Instituto Pasteur de Paris. Entretanto, nos terrenos político
e jurídico, a posição do Soroterápico se tornava
tanto mais frágil quanto mais ultrapassava os limites de seu formato
original.
A medalha de ouro conquistada na Exposição de Berlim, em setembro
de 1907, e a enorme repercussão desse fato no Brasil foram decisivos
para que o Congresso e o Executivo modificassem o seu estatuto, transformando-o
em Instituto de Patologia Experimental, logo rebatizado com o nome de Instituto
Oswaldo Cruz.
Manguinhos em seu novo arcabouço institucional
A transformação do Instituto Soroterápico em Instituto
Oswaldo Cruz inaugurou uma nova etapa do projeto científico capitaneado
por Oswaldo Cruz. Os anos seguintes à reforma foram de grande vitalidade
em todas as vertentes de ação do instituto. Se no período
anterior a palavra de ordem fora alargar o âmbito de suas atividades,
agora o importante era formar especialistas e amadurecer suas linhas de pesquisa.
A política de intercâmbio com instituições estrangeiras
experimentou um salto de qualidade com o envio de pesquisadores do instituto
para fazer estágios e cursos de aperfeiçoamento em laboratórios
da Europa e Estados Unidos, e com a contratação de renomados cientistas
europeus para realizar pesquisas e ministrar cursos em Manguinhos. A divulgação
dos estudos e pesquisas realizados passou a ser feita através das Memórias
do Instituto Oswaldo Cruz, inauguradas em 1909.
O quadro de pessoal recebeu importantes reforços nesse período.
Adolfo Lutz deixou a direção do Instituto Bacteriológico
de São Paulo, em 1908, para se dedicar, em Manguinhos, às pesquisas
em zoologia, botânica e micologia médicas. Em 1909, Gaspar Viana
assumiu a área de anatomia patológica, substituindo Rocha Lima
que, naquele mesmo ano, se transferia para o Instituto de Patologia de Iena.
As pesquisas em helmintologia tiveram início com os trabalhos de José
Gomes de Faria que, em 1910, publicou a descoberta do Ancylostoma braziliense.
A experiência acumulada nas campanhas sanitárias do Rio de Janeiro
passou a ser cada vez mais utilizada em proveito de obras de infra-estrutura
realizadas por empresas privadas e órgãos públicos em áreas
inóspitas que apresentavam desafios sanitários muito diferentes
daqueles enfrentados na capital. Os pesquisadores de Manguinhos travaram contato
com numerosas doenças, umas já descritas, outras inteiramente
desconhecidas, ampliando, assim, o seu patrimônio científico e
os horizontes da medicina tropical.
No início de 1908, no decurso uma campanha contra a malária, executada
a pedido da Estrada de Ferro Central do Brasil, no norte de Minas, mais exatamente
na cidade de Lassance, Carlos Chagas descobriu uma nova doença produzida
pelo Tripanossoma cruzi (nome dado em homenagem a Oswaldo Cruz). A doença
de Chagas era a segunda tripanossomíase humana pois até então
se conhecia apenas a doença do sono, transmitida pela mosca tsé-tsé.
Comunicada à Academia Nacional de Medicina, em abril de 1909, foi o destaque
do pavilhão brasileiro na Exposição Internacional de Higiene
realizada em Dresden, em 1911, consolidando a inserção do Instituto
Oswaldo Cruz na comunidade científica internacional como importante centro
de estudos sobre as doenças tropicais.
A ciência a caminho da roça
Em novembro de 1909, quando foi promulgada lei que proibiu a acumulação
de cargos públicos remunerados, Oswaldo Cruz deixou a DGSP, passando
a dedicar-se integralmente ao Instituto. Além de sua paixão pela
ciência, pesaram nessa escolha as dificuldades que vinha enfrentando para
implementar seus projetos à frente daquela diretoria. De fato, nos anos
seguintes, a política governamental na área da saúde pública
sofreria enorme revés: a estrutura da DGSP foi quase inteiramente desarticulada
e a perda das prerrogativas de que dispunha reduziu drasticamente seu poder
de intervenção.
Durante praticamente toda a década de 1910 os cientistas do Instituto
Oswaldo Cruz estiveram à margem das decisões oficiais relacionadas
à saúde pública. Em contrapartida, valendo-se de seu prestígio
pessoal, Oswaldo Cruz articulou, a partir de Manguinhos, uma série de
ações de grande envergadura, empreendidas através de contratos
privados, envolvendo a prestação de serviços profiláticos
ao próprio governo federal, a governos estaduais e a empresas privadas
que executavam obras de grande porte no interior do Brasil. Embora desde sua
criação, em 1900, o instituto já participasse de ações
dessa natureza ao lado de outros órgãos de governo - a própria
descoberta da doença de Chagas resultara de uma dessas ações
-, foi a partir de 1910 que se realizaram as mais importantes viagens científicas
do Instituto Oswaldo Cruz, algumas das quais comandadas pessoalmente por seu
diretor.
Ao contrário das missões anteriores, que visavam a resultados
profiláticos imediatos em áreas restritas, as viagens realizadas
nos anos 1910 percorreram extensas regiões - Amazônia, nordeste
e centro-oeste - e tiveram a pesquisa científica como principal objetivo,
vindo a constituir o primeiro inventário moderno sobre as condições
de vida e saúde das populações rurais do Brasil.
A trágica realidade revelada por essas viagens - documentada em relatórios
ricos em observações de caráter sociológico e em
vasta documentação fotográfica - teve enorme impacto nos
meios intelectuais e políticos. As discussões acerca da responsabilidade
dos governos no combate às endemias rurais animariam, a partir de 1916,
um vigoroso movimento em prol da modernização dos serviços
sanitários do país, sob o lema da "valorização
do homem e da terra".
O êxito do chamado movimento sanitarista, liderado pelos pesquisadores
de Manguinhos, traduziu-se pela criação, no início de 1920,
do Departamento Nacional de Saúde Pública. Carlos Chagas, sucessor
de Oswaldo Cruz na direção do instituto, foi nomeado diretor do
novo órgão federal e pôde, finalmente, como pretendera Oswaldo
Cruz, reorganizar os serviços sanitários do país, atribuindo
à União a competência pela promoção e regulação
desses serviços em todo território nacional.
As campanhas sanitárias na capital
No início do governo Rodrigues Alves (1902/1906), Oswaldo Cruz foi designado
para titular da Diretoria Geral de Saúde Pública. A indicação
de seu nome fora feita por Salles Guerra a J.J. Seabra, ministro da Justiça
e Negócios Interiores, pasta a qual a diretoria se subordinava. Empossado
em 23 de março de 1903, Oswaldo Cruz passou a acumular a nova função
com a de diretor do Instituto Soroterápico, que exercia desde dezembro
do ano anterior.
A gestão da saúde pública revestia-se, naquele momento,
de especial importância, uma vez que o novo governo comprometera-se a
sanear a capital. A reforma sanitária foi confiada a Oswaldo Cruz, à
frente da DGSP, e a execução da reforma urbana, ao engenheiro
Francisco Pereira Passos, nomeado prefeito da capital com poderes discricionários.
A reputação de cidade pestilenta do Rio de Janeiro devia-se, sobretudo,
à presença da febre amarela, da varíola e da peste bubônica.
Essas doenças estavam comprometendo a política de estímulo
à imigração estrangeira e acarretando enormes prejuízos
à economia nacional, dado que os navios que atracavam na capital eram
submetidos a freqüentes quarentenas. Foram, por essa razão, os alvos
prioritários das campanhas sanitárias implementadas nesse período.
Para assegurar o sucesso das campanhas, Oswaldo Cruz passou defender a reforma
dos serviços de saúde, sem o que não seria possível
superar a dualidade de atribuições existentes entre a prefeitura
da capital e o governo federal, bem como entre esferas da própria DGSP.
Em maio de 1903, o projeto de lei relativo ao assunto começou sua lenta
tramitação no Congresso, sendo duramente combatido pela oposição.
O novo regulamento sanitário somente seria aprovado em janeiro de 1904,
mesmo assim, bastante mutilado.
Isso não impediu que Oswaldo Cruz desencadeasse, já em abril de
1903, a campanha contra a febre amarela e, no começo de 1904, o combate
à peste bubônica. Em 1906, ao encerrar-se o mandato de Rodrigues
Alves, as estatísticas de mortalidade e morbidade dessas doenças
testemunhavam o êxito das campanhas. Sua derrota se deu no combate à
varíola, travado em 1904. A suspensão da lei que determinara a
obrigatoriedade da vacinação antivariólica após
a Revolta da Vacina, no final daquele ano, faria sentir seus efeitos em 1908,
quando violento surto da doença assolou a capital.
Em seguida, entre setembro de 1905 e fevereiro de 1906, Oswaldo Cruz realizou
uma longa viagem de inspeção aos portos marítimos e fluviais
do Brasil. Pretendia detalhar um plano para a reorganização dos
serviços de saúde desses portos, a exemplo do que estava sendo
feito na capital, de modo a protegê-los de eventuais invasões da
peste e do cólera.
A erradicação da febre amarela na capital fez com que Oswaldo
Cruz fosse mantido na chefia da DGSP no governo Afonso Pena (1906-1909). Nesse
período, entretanto, nenhum de seus projetos vingou. Tentou fazer do
combate à tuberculose o principal alvo da saúde pública,
mas seu plano esvaiu-se por falta de recursos e de apoio político. A
regulamentação da lei da vacina obrigatória continuou a
ser protelada, apesar da epidemia de varíola de 1908. O plano de defesa
sanitária dos portos foi engavetado e os próprios serviços
da DGSP que, segundo o regulamento de 1904 vigorariam por apenas três
anos, continuaram a ser prorrogados pelo Congresso, sempre em bases provisórias.
Oswaldo Cruz deixou a DGSP em novembro de 1909, quando entrou em vigor a lei
que proibiu a acumulação de cargos no serviço público
federal. Tendo que escolher, optou por permanecer na direção de
Manguinhos, já então transformado no Instituto Oswaldo Cruz.
A glória e o crepúsculo
Nos últimos anos de sua vida, Oswaldo Cruz recebeu várias homenagens
e prêmios, no Brasil e no exterior, em reconhecimento às suas contribuições
para o desenvolvimento do país e da ciência médica, em geral.
Para ele, tais homenagens eram dirigidas, na verdade, a todos os companheiros
de Manguinhos. Conforme escrevera a Salles Guerra, em 1907, por ocasião
da premiação em Berlim, era representando o papel de "medalhão"
– "colhendo os frutos sazonados e saborosos da sementeira feita por
aqueles cujos nomes foram esquecidos" – que recebia estas homenagens.
Em 1910, logo após encerrar-se a campanha contra a febre amarela na capital,
fora apresentado à Câmara dos Deputados um projeto de lei propondo
que se concedesse a Oswaldo Cruz um prêmio em dinheiro, 200 contos, em
sinal de reconhecimento pelos serviços prestados à nação.
A despeito do apoio da opinião pública e dos órgãos
de imprensa à iniciativa, o projeto se perdeu no plenário do Senado
e o prêmio nunca chegou a ser concedido. Em 1913, viria a eleição
para a Academia Brasileira de Letras e, no ano seguinte, as homenagens em Montevidéu
e em Buenos Aires , a cruz da Legião de Honra francesa e a homenagem
da Sociedade de Medicina e Cirurgia. Mas apesar do êxito e da glória
alcançados nesses anos, as coisas não iam bem para Oswaldo Cruz.
Em 15 de junho de 1914, na condição de diretor de Manguinhos,
embarcou para a Europa a fim de visitar institutos congêneres e inteirar-se
do desenvolvimento científico nos principais centros do velho continente.
Partiu rumo a Paris, primeira escala de sua viagem, levando consigo sua "tribo",
pois pretendia aproveitar a ocasião, ultimamente rara, para desfrutar
da companhia da mulher e dos filhos. Mas a viagem era, também, um esforço
para recuperar o ânimo, consumido pela morte do amigo e colaborador Gaspar
Viana e pelo agravamento de seu próprio estado de saúde. Oswaldo
Cruz estava doente havia muitos anos. Aos trinta e cinco anos, após ter
sido detectada a presença de albumina em sua urina, recebera um diagnóstico
de nefrite, problema que conhecia bem, pois seu pai havia sofrido do mesmo mal
até morrer, aos 48 anos.
Mas seus planos para essa viagem foram frustrados pela eclosão, no final
de julho, da primeira grande guerra, iniciada com a invasão da Sérvia
pela Áustria e seguida pelo inevitável envolvimento dos demais
países da região no conflito. Assim, França e Alemanha,
nações ligadas por fortes vínculos de cooperação
científica, alinharam-se em campos opostos no front.
Em janeiro de 1915, Oswaldo Cruz voltou ao Brasil, a despeito dos perigos que
rondavam a travessia do Atlântico - e que o fizeram voltar só,
deixando a família, em relativa segurança, na Inglaterra. Logo
que chegou, retomou sua rotina em Manguinhos, num ritmo que a todos surpreendia,
e nessa época começou seus estudos sobre a saúva, que não
chegaria a concluir. Contudo, sua saúde se deteriorava a olhos vistos
e a família acabou retornando às pressas, apesar dos perigos da
guerra.
Não demorou para que a família e os amigos, na tentativa de poupá-lo
de problemas, decidissem afastá-lo da faina diária à frente
do Instituto. A alternativa encontrada por seu filho mais velho, Bento, foi
a de obter sua indicação para a ainda não provida Prefeitura
de Petrópolis, município há pouco constituído. Por
interferência de Figueiredo de Vasconcelos, Oswaldo Cruz foi empossado
a 17 de agosto de 1916 na prefeitura da cidade serrana fluminense. Mas permaneceria
por menos de seis meses no cargo.
Na noite de 11 de fevereiro de 1917, aos 44 anos, Oswaldo Cruz faleceu em Petrópolis.
Oswaldo Cruz: a construção de um mito da ciência brasileira
O lugar que Oswaldo Cruz ocupa hoje no imaginário coletivo brasileiro
está ligado à obra empreendida por várias gerações
de médicos e sanitaristas que se dedicaram à tarefa de transformá-lo
em um mito da ciência nacional, por meio de uma prolífica produção
memorialística e biográfica que, ao lado de festividades organizadas
com propósito de marcar a sua presença e eternizá-la, cristalizou
imagens até hoje associadas a sua figura e que o retratam como um herói
da nacionalidade.
A mitificação de que Oswaldo Cruz foi objeto consiste num processo
iniciado com a sua morte em fevereiro de 1917 e associado em sua origem ao movimento
sanitarista, representado pela criação da Liga Pró-Saneamento
do Brasil (LPS) em 1918, difundindo-se a partir de então de forma difusa
mas não menos significativa.
A morte de Oswaldo Cruz foi o acontecimento dramático que propiciou sua
heroificação, convertendo-o num símbolo capaz de catalisar
e aglutinar o movimento sanitarista em torno do projeto do saneamento rural.
A morte redimiu todos os pecados, fazendo transcender o homem e libertando-o
das contingências humanas que em vida o tornaram uma figura polêmica.
A mitificação produziu um fenômeno surpreendente de esvaecimento
das dissensões que acompanharam toda a sua trajetória de vida.
Construía-se uma imagem idealizada pela omissão dos conflitos,
e portanto, retiravam-se as reticências e suspendiam-se os julgamentos
negativos suscitados a partir de sua atuação na vida pública.
A figura idealizada de Oswaldo Cruz serviu, no plano ideológico, a um
duplo propósito: sedimentar laços de solidariedade e identidade
entre os pesquisadores do Instituo Oswaldo Cruz, dividido em diferentes grupos
em luta pelo poder após a morte do cientista, bem como conquistar mais
amplamente o apoio da categoria médica ao movimento pelo saneamento rural,
apoio este indispensável à projeção e à legitimidade
política de que necessitava para viabilizar suas propostas de reforma
social.
As principais imagens que compõem o mito - o saneador do Rio de Janeiro
e o fundador da medicina experimental no Brasil - marcam um ponto central: a
face pública de Oswaldo Cruz. Esta é uma das chaves para compreender
este enigma. A exploração deste aspecto evidencia a estratégia
de reconhecimento engendrada por médicos e higienistas, que recorreram
à ideologia da utilidade social da ciência - de cujos benefícios
fartos exemplos haviam sido proporcionados por Oswaldo Cruz, como frisavam os
participantes do movimento - para justificar suas propostas de reformulação
da saúde pública como uma alternativa política de transformação
mais ampla da sociedade brasileira visando o progresso econômico, social
e político.
Definindo-se como herdeiros e continuadores da missão salvacionista iniciada
por Oswaldo Cruz, os participantes do movimento pretendiam se credenciar enquanto
atores legítimos e candidatos autorizados a liderar o projeto de modernização
do país, objeto da luta ideológica e política travada entre
diferentes segmentos sociais e facções partidárias. Como
compreender a imagem de salvador atribuída a Oswaldo Cruz sem que a relacionemos
ao contexto histórico do pós-guerra, marcado por um forte movimento
nacionalista, traduzido pela idéia de construir um projeto de salvação
nacional?
O mito de Oswaldo Cruz constitui um fenômeno ideológico de natureza
cientificista, que expressou em sua origem os anseios e os interesses de um
grupo científico de ver reconhecida a sua atividade profissional e seu
papel social enquanto intelectuais. Trata-se de uma forma de legitimação
do discurso científico que apela ao universo simbólico para obter
o convencimento necessário à sua institucionalização.
Assim, o mito pode ser considerado um agente de mediação dos ideais
científicos e das aspirações políticas, uma vez
que estabelece de forma direta a identificação entre Oswaldo Cruz
e os continuadores de sua obra científica e de sua ação
social de maneira que à imagem ideal de um corresponde a dos outros.
Se a heroificação de Oswaldo Cruz se originou com o movimento
sanitarista, ela extravasou àquele tempo e às circunstâncias
que a geraram, sendo cultivada por inúmeras gerações de
médicos, cientistas e sanitaristas, dedicados a reverenciar e a cultuar
a memória do cientista. A perenidade e a força do mito podem ser
constatadas ao pensarmos na galeria dos heróis que compõem o nosso
panteão cívico. Entre tantos políticos e militares que
constituem a maioria dos heróis nacionais, Oswaldo Cruz desponta solitariamente
nesse panteão como o único representante da ciência brasileira,
e não somente da medicina, realizando a façanha de extrapolar
os limites estreitos de uma única disciplina.
A viagem a Montevidéu e Buenos Aires e a cruz da Legião de Honra
Em abril de 1914, Oswaldo Cruz viajou a Montevidéu para participar da
Conferência Sanitária que, a partir de 15 de maio, reuniria naquela
capital representantes do Brasil, do Uruguai, do Paraguai e da Argentina. Tratava-se
do desdobramento de uma outra conferência, realizada no Rio de Janeiro,
em 1904, e tinha por objetivo atualizá-la, regulando a ação
preventiva e repressiva contra moléstias contagiosas capazes de, a partir
de um porto qualquer dessas nações, ameaçar os portos das
demais. As alterações versavam, em especial, sobre a instituição
de medidas rigorosas contra os portadores de bacilos e de apoio à ação
de agentes fiscais.
Instalada em sessão solene realizada no dia 15, a Convenção
começou seus trabalhos no dia seguinte, ocasião em que, rendendo-lhe
homenagem, os convencionais designaram Oswaldo Cruz para presidi-la. Depois
de encerrada a conferência e atendendo a convite da delegação
Argentina, Oswaldo Cruz seguiu para Buenos Aires, onde sua chegada foi anunciada
com entusiasmo pela imprensa local:
“Uma eminência científica fará amanhã sua entrada
nesta cidade. Queremos referir-nos ao Dr. Oswaldo Cruz, higienista carioca,
como tal de acrisolado valor. A ele deve o Rio de Janeiro sua transformação
higiênica, e que a cidade irmã se tornasse modelo de salubridade.
O distinto médico brasileiro, de fama mundial, não só extinguiu
a febre amarela e organizou o sistema mais notável para a destruição
do mosquito, mas encontrou também a forma de combater com êxito
a peste bubônica. Sua visita é uma honra para a República."
Seu desembarque na cidade foi saudado por um grande banquete em sua homenagem
no salão de honra do Jockey Club, ao qual compareceu a elite da classe
médica. Na manhã do dia seguinte, em sessão solene na Faculdade
de Medicina, recebeu o título de membro honorário daquela Faculdade
e, à noite, a Sociedade Argentina de Higiene e Engenharia Sanitária
realizou uma sessão científica em sua homenagem. Sua estada em
Buenos Aires também incluiu visitas a várias repartições
sanitárias, em que os temas centrais das conversas eram os resultados
da campanha contra a febre amarela e as pesquisas desenvolvidas no Instituto
Oswaldo Cruz.
Poucos dias após seu retorno ao Brasil, Oswaldo Cruz recebeu de legionários
residentes no Rio de Janeiro a nomeação de Officier de la Légion
d’Honneur. O êxito da campanha contra a febre amarela na capital
brasileira assumia especial relevância para França, que pretendia
repetir a experiência em suas colônias.
A cruz da Legião de Honra lhe foi entregue no Hotel dos Estrangeiros
e, na mesma ocasião, Oswaldo Cruz foi convidado pelo representante do
governo francês a aplicar na ilha francesa da Martinica os mesmos métodos
que haviam vencido a febre amarela no Rio de Janeiro.
A homenagem da Sociedade de Medicina e Cirurgia
No VII Congresso de Medicina e Cirurgia, reunido em Belo Horizonte em fins de
abril de 1912, o professor Hugo Werneck apresentou moção propondo
que fosse conferida a Oswaldo Cruz uma medalha de ouro, como homenagem ao criador
da medicina experimental no Brasil. A moção foi aprovada mas a
entrega da medalha somente foi feita dois anos depois, em junho de 1914.
A missão de entregar-lhe a medalha foi assumida pela Sociedade de Medicina
e Cirurgia, instituição organizadora dos congressos médicos
cirúrgicos, que buscava, dessa forma, expressar o reconhecimento da classe
médica aos aperfeiçoamentos que Oswaldo Cruz introduzira nos processos
de exame dos doentes, dando , por meio das pesquisas de laboratório,
precisão científica aos diagnósticos.
Nessa, que foi a última grande homenagem recebida em vida por Oswaldo
Cruz, reafirmando sua crença de que tudo o que havia feito era, antes,
resultado do trabalho coletivo, declarou à audiência presente à
cerimônia:
"Semelhante honra não me cabe, a mim, simples trabalhador do instituto
que dirijo; mas à plêiade de esforçados e incansáveis
pesquisadores que no conjunto compõem a escola de Manguinhos. Endereçaram-na
por ser o diretor."
A Última Campanha
Em maio de 1915 Oswaldo Cruz foi consultado pelo presidente do Estado do Rio
de Janeiro, Nilo Peçanha, sobre a possibilidade e a eficiência
de uma campanha em terras fluminenses contra a saúva, a exemplo daquela
que ele havia realizado contra mosquitos e ratos. Afinal, já era tempo
de dar início à luta contra o pior inimigo da lavoura fluminense.
Oswaldo Cruz aceitou a incumbência e pôs-se, então, a estudar
a formiga, sua vida, seus hábitos e seus costumes, como fizera Pasteur
com o bicho-da-seda, quando esse inseto ameaçou destruir a indústria
francesa de seda.
A intenção do pesquisador era valer-se da circunstância
de terem as formigas vida coletiva, tentar desenvolver no formigueiro uma epidemia
mortal, inoculando em algumas formigas germes de alta virulência que,
pela facilidade de contágio, propagassem a moléstia que dizimaria
o formigueiro.
Enquanto enxergou, Oswaldo Cruz trabalhou sobre as saúvas. O descolamento
da retina, resultante da retinite albuminúrica, tornava o trabalho cada
vez mais penoso para ele, até tornar-se praticamente impossível
prosseguir
O governo Rodrigues Alves
Rodrigues Alves, foi empossado na Presidência da República em 15
de novembro de 1902. Fazendeiro de café em Guaratinguetá (SP),
ocupou a chefia do executivo paulista entre 1900 e 1902, período em que
patrocinou o plano de combate à febre amarela no estado, aplicado por
Emílio Ribas e Adolpho Lutz, com base na teoria culicidiana de Finlay.
Quando assumiu a chefia do governo federal, o país vivia uma conjuntura
econômica favorável, face à recuperação dos
preços do café no mercado internacional e à austera política
de saneamento financeiro executada por seu antecessor, Campos Sales, seguindo
a linha ditada pelos Rothschild, principais credores da dívida externa
brasileira.
A facilidade para obter novos créditos no exterior, permitiu que Rodrigues
Alves tornasse a contrair dívidas junto a estes mesmos banqueiros para
financiar a remodelação urbanística e o saneamento da capital
federal, pontos básicos de seu programa de governo. As condições
sanitárias da cidade, que desde meados do século anterior convivia
com sucessivos surtos de doenças infecciosas, vinham ameaçando
a política de estímulo à imigração, indispensável
para o suprimento de mão-de-obra aos setores mais dinâmicos da
economia brasileira após o declínio do trabalho escravo.
Ao final do seu mandato, concluído em novembro de 1906, o Rio de Janeiro
já apresentava muitos dos aspectos de uma cidade remodelada, além
de estar livre da febre amarela sob a forma epidêmica. Pode-se dizer também
que a peste bubônica estava sob controle, através do combate aos
ratos e da soro-vacinação. A Revolta da Vacina impediu que a vacinação
antivariólica fosse obrigatória e um novo surto da doença
surgiria em 1908.
Foi durante sua gestão que o Brasil anexou o território do Acre
(hoje Estado do Acre), após um acordo com a Bolívia, negociado
pelo Barão do Rio Branco, e que determinava que o Brasil pagaria àquele
país dois milhões de libras esterlinas e construiria a Estrada
de Ferro Madeira-Mamoré, por onde seria escoada a produção
de borracha.
O Governo Rodrigues Alves enfrentou ainda uma grave crise do café, ocasionada
pela superprodução e queda dos preços do produto no mercado.
Para enfrentar essa crise, foi assinado, em março de 1906, o Convênio
de Taubaté, onde os governos estaduais se comprometiam a comprar o excedente
da produção para garantir os preços. Este acordo contribuiria
para o reendividamento do Brasil, uma vez que para cumpri-lo, os estados recorreram
a empréstimos externos.
Rodrigues Alves voltaria a ocupar a presidência da República no
quadriênio de 1918 – 1922 se não tivesse contraído
a gripe espanhola e morrido antes de poder assumir o cargo. Em seu lugar, tomou
posse o vice, Delfim Moreira.
Diretoria Geral de Saúde Pública
De acordo com o modelo federativo estabelecido com a Constituição
Federal de 1891, os serviços relativos à saúde pública
eram uma atribuição que competia fundamentalmente aos governos
estaduais, que gozavam de autonomia na organização e regulação
desses serviços.
No âmbito do poder federal, o órgão responsável era
a Diretoria Geral de Saúde Pública, criada em 1897 e subordinada
ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores. As atribuições
da DGSP consistiam basicamente na direção dos serviços
sanitários dos portos marítimos e fluviais, na fiscalização
do exercício da medicina e da farmácia, nos estudos sobre as doenças
infecto-contagiosas, na organização de estatísticas demográfico-sanitárias
e no auxílio aos estados, mediante solicitação dos respectivos
governos e em casos previstos constitucionalmente.
Entre 1903 e 1909, sob a direção de Oswaldo Cruz e em função
do impacto causado pelo surto epidêmico de febre amarela na cidade do
Rio de Janeiro, o governo federal expande sua esfera de atuação
e seu poder de regulação sobre as atividades relacionadas à
saúde da população. Nesse período, são incorporados
a DGSP os serviços de higiene defensiva, a polícia sanitária,
a profilaxia geral e específica das doenças infecciosas e as atividades
de higiene domiciliar no Distrito Federal.
Em 1920, o governo de Epitácio Pessoa promove uma ampla reformulação
dos serviços sanitários federais e a DGSP é substituída
pelo Departamento Nacional de Saúde Pública, órgão
dirigido por Carlos Chagas desde sua criação até 1926.
A reforma urbana
No alvorecer do século XX, o Rio de Janeiro enfrentava graves problemas
sociais, decorrentes, em larga medida, de seu crescimento rápido e desordenado.
Com o declínio do trabalho escravo, a cidade passara a receber grandes
contingentes de imigrantes europeus e de ex-escravos, atraídos pelas
oportunidades que ali se abriam ao trabalho assalariado. Entre 1872 e 1890,
sua população duplicou, passando de 274 mil para 522 mil habitantes.
O incremento populacional e, particularmente, o aumento da pobreza agravaram
a crise habitacional, traço constante da vida urbana no Rio desde meados
do século XIX. O epicentro dessa crise era ainda, e cada vez mais, o
miolo do Rio – a Cidade Velha e suas adjacências – , onde
se multiplicavam as habitações coletivas e onde eclodiam as violentas
epidemias de febre amarela, varíola, cólera-morbo que conferiam
à cidade fama internacional de porto sujo.
Não por acaso, os higienistas foram os primeiros a formular um discurso
articulado sobre as condições de vida na cidade, propondo intervenções
mais ou menos drásticas para restaurar o equilíbrio daquele "organismo"
doente. O primeiro plano urbanístico para o Rio de Janeiro foi elaborado
entre duas epidemias muito violentas (1873 e 1876), mas uma ação
concreta nesse sentido levaria cerca de três décadas para se realizar.
Foi a estabilidade político-econômica, a duras penas alcançada
no governo Campos Sales (1898-1902), que permitiu ao seu sucessor, Rodrigues
Alves, promover, entre 1903 e 1906, o ambicioso programa de renovação
urbana da capital.
Tratada como questão nacional, a reforma urbana sustentou-se no tripé
saneamento – abertura de ruas – embelezamento, tendo por finalidade
última atrair capitais estrangeiros para o país. Era preciso sanear
a cidade e, para isso, as ruas deveriam ser necessariamente mais largas, criando
condições para arejar, ventilar e iluminar melhor os prédios.
Ruas mais largas estimulariam igualmente a adoção de um padrão
arquitetônico mais digno de uma cidade-capital.
As obras de maior vulto - a modernização do porto, a abertura
das avenidas Central e do Mangue – e o saneamento foram assumidas pelo
governo federal. A demolição do casario do centro antigo, a abertura
e o alargamento de diversas ruas e o embelezamento de logradouros públicos
foram atribuídos à prefeitura da capital.
Apoiada nas idéias de civilização, beleza e regeneração
física e moral, a reforma promoveu uma intensa valorização
do solo urbano da área central, atingindo como um cataclismo à
população de baixa renda que ali se concentrava. Cerca de 1.600
velhos prédios residenciais foram demolidos. Parte considerável
da imensa massa atingida pela remodelação permaneceria no centro,
em suas franjas e fendas deterioradas, pois, apesar do rápido crescimento
da zona norte e dos subúrbios, essas áreas não constituíam
alternativa de moradia para os que sobreviviam de biscates ou recebiam diárias
irrisórias. Serviam apenas aos que possuíam remuneração
estável e suficiente para as despesas de transporte, aquisição
de terreno, construção ou aluguel de uma casa.
Nesse contexto aflorou na paisagem do Rio, ao lado das tradicionais habitações
coletivas que se disseminaram nas áreas adjacentes ao centro (Saúde,
Gamboa e Cidade Nova), uma nova modalidade de habitação popular:
a favela. Em fins de 1905, uma comissão nomeada pelo governo federal
para examinar o problema das habitações populares constatou que
as demolições de prédios iam muito além de todas
as expectativas, forçando a população a "ter a vida
errante dos vagabundos e, o que é pior, a ser tida como tal". O
relatório da mesma comissão fazia referência ao Morro da
Favela (atual Providência) – "pujante aldeia de casebres e
choças, no coração mesmo da capital da República,
a dois passos da Grande Avenida" – que emprestaria seu nome ao, até
hoje, mais destacado ícone da segregação social no espaço
urbano da cidade.
A reforma da capital constituiu, sem dúvida, uma ruptura no processo
de urbanização do Rio de Janeiro, um ponto de inflexão
no qual a "cidade colonial" cedeu lugar, de forma definitiva à
"cidade burguesa", moderna, do século XX, que tinha como parâmetros
as metrópoles européias. Em novembro de 1906, quando Rodrigues
Alves Passou a faixa presidencial a Afonso Pena, o Rio – remodelado e
saneado – já era apresentado como "a cidade mais linda do
mundo", a "cidade maravilhosa".
A campanha contra a febre amarela
A febre amarela era o maior problema sanitário da capital e a principal
responsável por sua fama de cidade empestada. Desde meados do século
XIX sua população convivia com recorrentes surtos dessa doença,
mas as divergências sobre suas causas e profilaxia dificultavam a execução
de uma política coerente e duradoura contra o mal. Esses obstáculos
foram superados em 1900, com a validação da teoria do médico
cubano, Juan Carlos Finlay, sobre o papel do mosquito Culex fasciatus na cadeia
de transmissão da febre amarela.
Foi com base nessa teoria que Oswaldo Cruz montou o plano de combate à
febre amarela no Rio de Janeiro, apresentado ao ministro da Justiça em
1° de abril de 1903. A campanha foi desencadeada dias depois, com a criação
do Serviço de Profilaxia Específica da Febre Amarela, regulamentado
em março de 1904, e com a incorporação à DGSP do
pessoal médico e das turmas de limpeza da municipalidade.
A campanha foi estruturada em bases tipicamente militares: a cidade foi dividida
em dez distritos sanitários, sob jurisdição das delegacias
de saúde, cujo pessoal médico tinha a incumbência de receber
as notificações, multar e intimar os proprietários de imóveis
insalubres a reformá-los ou demoli-los.
Com o apoio das repartições centrais, que mantinham constantemente
atualizados os mapas e as estatísticas epidemiológicas, as brigadas
sanitárias do Serviço de Profilaxia - os mata-mosquitos - percorriam
as ruas da capital, lavando caixas-d’água, petrolizando ralos e
bueiros, limpando telhados e calhas e removendo quaisquer depósitos de
larvas de mosquito. A seção de isolamento e expurgo, por sua vez,
desinfetava pela queima de piretro e enxofre as casas situadas na zona dos focos,
providenciando também o isolamento domiciliar dos doentes ou convocando
o Desinfectório Central para removê-los para o Hospital de Isolamento
São Sebastião.
Além de utilizar medidas de coação, como a notificação
compulsória dos casos da doença, Oswaldo Cruz usou todos os meios
possíveis de persuasão – os Conselhos ao Povo publicados
na imprensa, os folhetos educativos destinados à população
em geral e aos próprios médicos, em sua maioria hostis à
nova profilaxia e refratários à notificação de seus
pacientes à saúde pública.
Para vencer as resistências à campanha, Oswaldo Cruz também
contou com o apoio da missão francesa que desde novembro de 1901 encontrava-se
no Rio de Janeiro com o intuito de observar de um posto privilegiado, a validade
da teoria de Finlay. Integrada por pesquisadores do Instituto Pasteur, sob a
coordenação de Émile Roux, a missão era patrocinada
pelo governo francês, que tinha grande interesse em aplicar em suas colônias
a nova estratégia profilática. A missão francesa permaneceu
no país por cerca de quatro anos, ao fim dos quais apresentou relatório
concluindo pela veracidade da teoria havaneza.
A teoria de Finlay / teoria havanesa / teoria culicidiana
Até o último quartel do século XIX havia relativo consenso
quanto à origem miasmática da febre amarela. O surtos epidêmicos
da doença eram atribuídos a predisposições individuais
(indigestões, fadigas do corpo e do espírito) e às condições
ambientais. Em relação ao ambiente, eram considerados tanto os
fatores naturais (a umidade proveniente dos pântanos ou os morros que
impediam a circulação dos ventos), quanto àqueles criados
pelo homem (o ar confinado nas habitações coletivas, fábricas
e ruas estreitas ou a influência corruptora dos matadouros, cemitérios
e esgotos).
A despeito do consenso em relação à sua origem, os médicos
divergiam quanto ao fato de a febre amarela transmitir-se ou não diretamente
do homem doente ao homem são. A controvérsia sobre a forma de
contágio da doença sobreviveu ao colapso da teoria miasmática
e às primeiras tentativas de explicá-la segundo o paradigma pasteuriano
e só foi resolvida quando se comprovou o papel do mosquito na cadeia
de transmissão.
A partir de meados da década de 1870, quando os trabalhos de Pasteur
e Koch desencadearam uma sucessão de descobertas de micróbios
patogênicos, vários pesquisadores na Europa, nos Estados Unidos
e na América Latina voltaram-se para a febre amarela. A teoria que alcançou
maior ressonância no mundo científico internacional foi a de Giovanni
Sanarelli, médico italiano que dirigiu, entre 1895 e 1898, o Instituto
de Higiene de Montevidéu. A partir de materiais recolhidos no lazareto
da capital uruguaia, isolou o bacilo icteróide, apresentado em junho
de 1897 a cientistas de vários países como o agente etiológico
da doença. Três anos depois, ficaria provado que o bacilo de Sanarelli
era apenas um elemento acidental na doença e não seu agente causador.
As controvérsias sobre o tema se estenderiam até 1928, quando
pesquisadores da Fundação Rockfeller confirmaram a hipótese
de que a doença era causada por um vírus.
Contudo, bem antes disso o combate à febre amarela foi revolucionado
pela descoberta de seu modo de transmissão. Em junho de 1900, o serviço
de saúde do exército americano enviou uma comissão a Cuba
para estudar a etiologia e a profilaxia dessa doença que, desde o fim
da guerra hispano-americana, vinha dizimando as tropas de ocupação
da ilha. Através de uma série de experiências realizadas
em voluntários humanos, a comissão chefiada por Walter Reed confirmou
a teoria que o médico cubano Juan Carlos Finlay vinha insistentemente
defendendo desde 1881: o mosquito Culex fasciatus (hoje conhecido como Aedes
aegypti) era o hospedeiro intermediário do parasito da febre amarela,
que se transmitia ao indivíduo não imune por meio da picada do
mosquito que, previamente, se alimentara do sangue de um doente. De acordo com
a teoria havanesa, a luta contra a febre amarela dependia da destruição
do mosquito e da proteção dos enfermos contra a sua picada.
Os trabalhos da Comissão Reed foram oficialmente apresentados ao Congresso
Pan-americano, realizado em Havana em fevereiro de 1901, ao mesmo tempo em que
William Gorgas iniciava a campanha contra a febre amarela naquela cidade. Antes
disso, contudo, os resultados já haviam sido amplamente divulgados em
São Paulo pelo diretor do Serviço Sanitário, Emílio
Ribas, que em janeiro iniciara o combate ao mosquito em Sorocaba, pondo em prática,
pela primeira vez, procedimentos que iriam se tornar corriqueiros em campanhas
subseqüentes.
O combate à peste bubônica
No começo de 1904, Oswaldo Cruz deu início à campanha contra
a peste bubônica. Das três grandes campanhas sanitárias que
implementou na capital, essa foi a que menos problemas enfrentou. Àquela
altura, ninguém mais contestava o fato, comprovado por Yersin em 1898,
de que a peste bubônica era transmitida pela picada de pulgas infectadas
pelo sangue de ratos pestosos.
Além da aplicação preventiva da vacina entre os habitantes
das áreas mais infestadas, como os da zona portuária, procedeu-se
a desratização da cidade, em conjunto com a prefeitura e as companhias
de serviços públicos. Proprietários de imóveis foram
intimados a remover entulhos e executar reformas, como a impermeabilização
de solos e a supressão de porões. Foi imposta também a
notificação obrigatória dos casos da peste, para que o
doente fosse isolado e submetido ao tratamento obrigatório com o soro
fabricado em Manguinhos.
A doença, que entre 1900 e 1904, foi responsável pela notificação
de 1344 óbitos, responderia nos cinco anos subseqüentes pelo registro
de 399 mortes.
A Revolta da Vacina
Desde meados do século XVI o Rio de Janeiro convivia com a varíola,
que tomava forma epidêmica no inverno e fazia numerosas vítimas.
O combate à doença dependia essencialmente da aplicação
da vacina jenneriana. No Brasil, seu uso fora declarado obrigatório para
as crianças em 1837, estendendo-se, em 1846, aos adultos. Estas leis,
no entanto, nunca foram cumpridas, quer por falta de condições
políticas e técnicas (sua produção em escala industrial
no Rio de Janeiro só começou em 1884), quer pelo horror que a
maioria da população nutria à idéia de se deixar
inocular com o vírus da doença.
Em 1904, enquanto Oswaldo Cruz combatia à febre amarela, os casos de
varíola começaram a crescer assustadoramente na capital. Em meados
do ano, o número de internações no Hospital de Isolamento
São Sebastião chegava a 1.761. Para enfrentar a epidemia, em 29
de junho de 1904, a Comissão de Saúde Pública do Senado
apresentou ao Congresso projeto de lei reinstaurando a obrigatoriedade da vacinação,
o único meio profilático real contra a varíola, em todo
o território nacional. Figuravam no projeto cláusulas draconianas
que incluíam multas aos refratários e a exigência do atestado
de vacinação para matrículas nas escolas, empregos públicos,
casamentos, viagens etc.
Além de suscitar violentos debates no Congresso, a proposta da comissão
de saúde gerou um clima de intensa agitação social. Diferentes
segmentos sociais (positivistas, oficiais descontentes do Exército, monarquistas
e líderes operários) reuniram-se em torno da idéia do combate
ao projeto, movimento que resultaria na formação da Liga contra
a Vacina Obrigatória.
Enquanto o projeto era discutido e combatido, Oswaldo Cruz à frente da
DGSP ia empregando as medidas profiláticas habituais (o isolamento e
a desinfecção), porém insuficientes para controlar a epidemia.
A vacina, somente era aplicada quando o doente e sua família o permitiam.
Essas permissões, contudo, diminuíam progressivamente à
medida que se fortalecia a campanha capitaneada pela Liga. Entre julho e agosto,
caiu de 23 mil para seis mil o número de vacinas aplicadas na capital.
A lei que tornava obrigatória a vacinação antivariólica,
logo batizada de Código de Torturas, foi aprovada em 31 de outubro e
regulamentada nove dias depois, abrindo caminho para a chamada Revolta da Vacina.
Durante uma semana, milhares de pessoas saíram às ruas para protestar,
enfrentando forças da polícia e do exército. A revolta
foi violentamente reprimida e o saldo da refrega, segundo os jornais da época,
foram de 23 mortos, dezenas de feridos e quase mil presos.
O episódio, entretanto, não deve ser reduzido a uma simples reação
das massas incivilizadas à imposição irreversível
da razão e do progresso, como pretendeu a literatura oficial da época.
Ela reuniu forças sociais extremamente díspares e consistiu, de
fato, em duas rebeliões superpostas: um grande motim popular contra a
vacina, que eclodiu em 10 de novembro, paralisando a cidade por uma semana;
e uma insurreição militar, deflagrada em 15 de novembro, com a
finalidade de depor o presidente da República.
Rodrigues Alves logo reassumiu o controle da situação, mantendo-se
na Presidência. Recusou-se a demitir Oswaldo Cruz, alvo de manifestações
de violenta hostilidade, mas teve que capitular em relação à
obrigatoriedade da vacinação, que foi imediatamente suspensa.
Em 1908, um novo surto de varíola acometeria mais de nove mil pessoas
na cidade.
A vacina jenneriana
A ocorrência da varíola remonta à Antigüidade. A doença
que durante séculos castigou o Oriente, chegou aos portos europeus com
as grandes navegações. Foi também no Oriente que se desenvolveu
a variolização, procedimento que consistia em inocular o material
das pústulas – o pus variólico – de pessoas acometidas
da forma benigna da doença (o alastrim) em pessoas sãs. A variolização
protegia em alguns casos, em outros provocava a doença branda.
A idéia da inoculação tem origens na crença, presente
na medicina popular em várias partes do mundo, de que certas doenças
podem ser evitadas através da aplicação de material similar
ao da doença que se quer prevenir. A idéia da vacina ancora-se
no mesmo princípio.
A introdução da vacina antivariólica, na chegada do século
XIX, deve-se ao médico Edward Jenner (1749-1823). Jenner nasceu em Berkeley
e, após formar-se médico, retornou àquela região
do interior da Inglaterra para clinicar. Foi ali que, certo dia, uma camponesa
lhe disse que "não corria o risco de contrair varíola porque
havia tido vacina". A vacina (vaccinia), ou varíola das vacas, é
uma doença que ocorre nesses animais, e que consiste em ulcerações
nas tetas, em geral altamente contagiosas. Durante vinte anos Jenner estudou
o assunto e notou que, de fato, certos indivíduos que se ocupavam de
ordenhar vacas não contraiam a varíola nas grandes variolizações
que se realizavam no reino a cada ano.
A comprovação de que a medicina popular camponesa estava correta
veio com o experimento realizado em 1796. No dia 4 de maio, Jenner inoculou
um menino de oito anos com líquidos de pústulas de vaccinia, o
que originou uma lesão vacinal característica, da qual a criança
rapidamente curou-se. A 1° de julho, o menino foi novamente inoculado, desta
vez com o líquido de uma pústula variolosa, e nada aconteceu.
O menino estava imunizado contra a varíola.
Embora a experiência de Jenner tenha sido inicialmente recebida com descrédito
pela comunidade médica inglesa, médicos de outros países
não tardaram a adotar, com bons resultados, a vacinação,
e o procedimento acabou sendo aceito na Inglaterra. Mesmo assim, os casos de
varíola continuavam a ocorrer, porque a vacina só era aplicada
em consultórios particulares, mediante pagamento e, portanto, os pobres
não tinham acesso à imunização.
Foi a guerra franco-prussiana que demonstrou, quase um século depois
e de forma dramática, a ação protetora da vacina. A Prússia,
que havia tornado a vacinação obrigatória, perdeu menos
de trezentos soldados vitimados pela varíola enquanto do lado francês,
onde a vacinação não era compulsória, mais de 23
mil soldados morreram, o que, de certo, colaborou para derrota da França.
Aos poucos, a vacinação foi sendo adotada em diferentes países
e, no começo dos anos 1970, uma campanha mundial, conduzida pela Organização
Mundial da Saúde, erradicou da face da terra a doença que desde
a antigüidade afligia a humanidade. Pela primeira vez o ser humano ficava
definitivamente livre de uma doença.
A expedição aos portos marítimos e fluviais
Como signatário da Convenção de Veneza o Brasil assumira,
em 1897, o compromisso de promover a reformulação dos serviços
de saúde de seus portos marítimos e fluviais, de modo a protegê-los
de eventuais invasões da peste e da cólera. Ao ser empossado na
DGSP, em 1903, Oswaldo Cruz declarou publicamente que, depois da febre amarela,
a prioridade da saúde pública seria a organização
da defesa sanitária dos portos brasileiros.
Em 28 de setembro de 1905, acompanhado de seu secretário, João
Pedroso, Oswaldo Cruz embarcou no rebocador República, rumo ao Norte
do país, a fim de detalhar o plano de reorganização dos
serviços de saúde nos portos dessa parte do litoral. O plano elaborado
pelo próprio Oswaldo Cruz antes da viagem, previa a instalação
de hospitais de isolamento e de estações de desinfecção
nos portos.
A exemplo do que ocorrera durante as campanhas sanitárias na capital,
a expedição de Oswaldo Cruz foi mais um fato a dividir opiniões:
alguns a consideravam uma viagem turística fora de propósito;
outros a enalteciam como forma de redimir outros centros portuários das
mazelas que estavam sendo suprimidas no Rio de Janeiro.
Na primeira etapa da viagem, que estendeu-se até 6 de dezembro de 1905,
Oswaldo Cruz visitou 23 portos: Vitória, Caravelas (BA), Santa Cruz (BA),
Porto Seguro (BA), Salvador, Penedo (SE), Aracaju (SE), Maceió, Tamandaré
(PE), Recife, Cabedelo (PB), Paraíba (atual João Pessoa), Natal,
Macau (RN), Areia Branca (RN), Camocim (CE), Fortaleza, Amarração
(PI), São Luís, Belém, Santarém (PA), Óbidos
(PA) e Belém.
Em 17 de janeiro de 1906, no paquete Santos, iniciou a segunda etapa da expedição,
esta aos portos do Sul. Após visitar os portos de Santos (SP), Paranaguá
(PR), São Francisco (SC), Rio Grande (RS), passou pelas capitais do Uruguai,
da Argentina e do Paraguai. Em seguida, esteve em Corumbá (MT) e, novamente
em Buenos Aires e Assunção, retornando ao Rio de Janeiro a 28
de fevereiro.
Embora o plano não tenha sido efetivamente aplicado, a expedição
aos portos permitiu reunir grande quantidade de material para pesquisa, principalmente
mosquitos e sangue colhido de doentes, que constituiriam os primeiros insumos
usados para traçar o quadro de saúde vigente nos "sertões"
do Brasil, episódio que só seria concluído pelo esforço
coletivo de outros cientistas do Instituto Oswaldo Cruz, uma década depois.
O frustrado plano de combate à tuberculose
Segundo estimativas da época, entre 1901 e 1907 a tuberculose foi responsável
por 16.690 mortes no Rio de Janeiro. Esse número é cerca de sete
vezes maior que o daquelas provocadas pela febre amarela no mesmo período,
2.256. A despeito do potencial de destruição da "peste branca",
a posição predominante entre as classes dirigentes da época
era a de que a intervenção do governo nesse campo devia limitar-se
à assistência aos tuberculosos sem recursos e incuráveis.
A criação de dispensários, sanatórios de cura e
a educação antituberculosa caberia à iniciativa particular
ou a entidades beneficentes.
Oswaldo Cruz divergia desse pressuposto e acreditava que só o Estado,
sobrepondo-se às iniciativas filantrópicas, poderia prover os
instrumentos legais e os recursos políticos e financeiros para a ação
maciça e continuada contra a tuberculose.
Seu plano de combate à tuberculose, formalizado em 1907, baseava-se na
identificação dos focos infectantes. No caso de homens, essa identificação
seria feita por meio da notificação compulsória e no caso
dos animais, através da fiscalização. Todos os doentes
infectantes seriam afastados das ambientes confinados (fábricas, escolas,
repartições públicas etc). Os não infectantes seriam
mantidos em regime de vigilância domiciliar de modo que as autoridades
sanitárias pudessem surpreendê-los no momento em que se tornassem
perigosos e os afastassem.
Para o sucesso do plano, eram necessárias leis que determinassem a segregação
dos tuberculosos e lhes garantisse meios de sobrevivência durante o período
de tratamento. Quanto aos animais, desde fins de 1906 a DGSP vinha submetendo
as vacas que forneciam leite à população ao teste de Koch,
com a tuberculina que Manguinhos começara a fabricar naquele ano. A medida
desagradou aos proprietários de estábulos.
O projeto concebido por Oswaldo Cruz previa a criação de uma rede
de sanatórios, dispensários, hotéis e casas de pensão
para os tuberculosos, além de novos hospitais de isolamento e de enfermarias
especiais em hospitais gerais. Os equipamentos sanitários e a aposentadoria
temporária ou definitiva dos tuberculosos notificados seriam custeados
por um imposto especial e por um seguro obrigatório contra a doença
para os operários e empregados no comércio e na indústria.
A execução dessas medidas requeria, como no caso da febre amarela,
a subordinação de todos os serviços relacionados à
tuberculose à autoridade exclusiva da DGSP. Devia, ainda, ser acompanhada
de um programa educativo destinado a convencer a população do
perigo representado pela tuberculose.
Em junho de 1907, às vésperas de sua viagem para Berlim, Oswaldo
Cruz desentendeu-se com Afonso Pena, chegando a pedir demissão do cargo
e concordando, depois, em ser licenciado para mais tarde pedir exoneração.
Afonso Pena havia se comprometido a pedir ao Congresso o crédito de 12
mil contos, mas voltara atrás, alegando que o combate à tuberculose
devia ser adiado até que se caracterizasse uma situação
de calamidade pública.
Após seu apoteótico regresso de Berlim, em fevereiro de 1908,
Oswaldo Cruz voltou a defender, em vão, a campanha contra a tuberculose.
Procurou, também, contrapor à exaltação ufanista
que dominava a opinião pública após a vitória contra
a febre amarela uma avaliação da situação real da
saúde pública na capital: a defesa sanitária da cidade
só estaria garantida se os serviços da DGSP se tornassem permanentes
e tivessem seu pessoal duplicado (para atuar nas zonas suburbanas) e se a Diretoria
fosse provida dos meios para sanear outros portos.
Viagens científicas do Instituto Oswaldo Cruz
Desde a sua criação em 1900, o Instituto de Manguinhos associa-se
às ações promovidas pelo Estado com o objetivo de identificar
e solucionar os problemas sanitários do Brasil. Nesse sentido, o próprio
Oswaldo Cruz e os pesquisadores do Instituto participam, no primeiro quartel
desse século, de expedições destinadas à realização
de campanhas profiláticas e à investigação das condições
sanitárias de diversas regiões do país. Solicitadas por
órgãos governamentais ou empresas relacionadas ao serviço
público, tais viagens são promovidas em função dos
interesses da economia exportadora - como construção de ferrovias,
saneamento de portos e exploração de recursos agrícolas
- e também do projeto político de construção nacional
do governo republicano.
As expedições mais importantes são realizadas entre 1911
e 1913, quando o Instituto Oswaldo Cruz já havia se consolidado como
centro de pesquisa experimental. Entre setembro de 1911 e fevereiro de 1912,
Astrogildo Machado e Antônio Martins exploram os vales dos rios São
Francisco e Tocantins, acompanhando os estudos para o prolongamento da Estrada
de Ferro Central do Brasil entre Pirapora e Belém do Pará.
Em 1912, três expedições percorrem, a serviço da
Inspetoria das Obras contra a Seca, as regiões nordeste e centro-oeste
do Brasil. Partindo em janeiro, Arthur Neiva e Belisário Penna viajam
durante nove meses pelos estados da Bahia, Pernambuco, Piauí e Goiás,
empreendendo amplo levantamento da flora e da fauna, do quadro de doenças
e das condições de vida das populações locais. Essa
expedição destaca-se entre as demais como a mais rica e contundente
em observações de caráter sociológico. A partir
da publicação em 1916 do relatório da viagem, Neiva e Penna
desempenham papel de liderança no movimento em prol do saneamento do
Brasil, defendendo a tese de que a redenção econômica, social
e moral da nação dependia necessariamente do compromisso dos poderes
públicos com a melhoria das condições de saúde da
população rural.
João Pedro de Albuquerque e José Gomes de Faria, por sua vez,
percorrem localidades no Ceará e no Piauí, entre março
e julho. No mesmo período, Adolpho Lutz e Astrogildo Machado descem o
rio São Francisco, entre as cidades de Pirapora, em Minas Gerais, e Juazeiro
da Bahia, visitando grande parte dos povoados ribeirinhos. Em setembro, atendendo
à solicitação da Superintendência da Defesa da Borracha,
Carlos Chagas, Pacheco Leão e João Pedroso partem para a bacia
amazônica, de onde regressam em março de 1913.
Ao contrário das missões anteriores, que visavam resultados profiláticos
imediatos em áreas restritas, as viagens realizadas por Manguinhos na
década de 1910 percorrem extensas regiões e têm a pesquisa
científica como principal objetivo. Através de relatórios
e da utilização da fotografia, os pesquisadores produzem um pioneiro
e minucioso registro das condições de vida das populações
interioranas, abordando tanto as questões médico-sanitárias
quanto os aspectos culturais, econômicos e ambientais.
Revelando a existência de um Brasil marcado pelo abandono e pela doença,
à margem da pretensa civilização do litoral, o acervo documental
e fotográfico produzido por estas expedições provoca enorme
repercussão nos meios intelectuais e políticos.
Campanhas comandadas por Oswaldo Cruz
Em 1910, Oswaldo Cruz participou de algumas missões científicas
de grande repercussão. Entre julho e setembro, esteve com Belisário
Pena em Porto Velho (RO), a serviço da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré.
O empreendimento, ousado e controvertido, enfrentava seríssimas dificuldades
em razão das doenças, especialmente a malária, que atacavam
impiedosamente os acampamentos da companhia. Pela fama que tinha de consumir
uma vida para cada dormente assentado na selva amazônica, a Madeira-Mamoré
era chamada de "ferrovia do diabo". Quando, em 1909, os primeiros
noventa quilômetros de linha foram inaugurados, oitenta e oito mil trabalhadores
já haviam passado por seus canteiros de obras.
No relatório entregue a companhia Oswaldo Cruz apresentou o quadro nosológico
da região, onde o béri-béri e a pneumonia assumiam formas
gravíssimas, mas orientou as medidas profiláticas para a malária,
que atacava mais de 80% do pessoal envolvido na obra. Diante da inviabilidade
de se realizarem obras de saneamento na região, a profilaxia baseou-se
na imposição de doses maciças de quinino e no obrigatório
recolhimento dos trabalhadores à proteção dos mosquiteiros,
desde o por do sol até a alvorada.
Em outubro do mesmo ano, acompanhado por sua antiga brigada mata-mosquito e
pelos médicos que haviam integrado seu estado-maior no saneamento do
Rio de Janeiro, Oswaldo Cruz chegou a Belém, a pedido do governo do Pará,
para dirigir a campanha de combate à epidemia de febre amarela que grassava
naquela capital. Permaneceu em Belém durante toda a fase de planejamento
da campanha, iniciada a 12 de novembro.
Comandada por João Pedroso e utilizando as mesmas medidas profiláticas
adotadas no Rio de Janeiro – combate ao mosquito, isolamento dos doentes,
expurgos e desinfecções – a campanha contra a febre amarela
em Bélem foi coroada de êxito: a epidemia foi erradicada em seis
meses e ao final de um ano todos os focos da doença haviam sido extintos.
No início de 1911, Oswaldo Cruz voltou a ocupar-se da malária,
desta vez contratado pela Light. A empresa canadense estava sendo acionada judicialmente
como responsável pela epidemia de malária que entre 1908 e 1909
assolara a região de São João Marcos, atribuída
ao grande revolvimento de terra promovido pela construção do reservatório
de uma hidrelétrica no ribeirão das Lages. Após um cuidadoso
exame da topografia da cidade e arredores, onde verificou a existência
de numerosos brejos, repletos de focos de anofelinos, e de se informar da nosologia
local, presente e passada, Oswaldo Cruz concluiu que o impaludismo reinava ali
há muito tempo sob forma endêmica e que havia assumido forma epidêmica
por não terem sido empregadas, em tempo hábil, medidas preventivas
adequadas. Ademais, as estatísticas dos óbitos por impaludismo
atestavam a redução do número de mortes a partir do início
do revolvimento de terras, em 1905, indicando que as obras da Light estariam,
ao contrário, saneando a região.
O parecer de Oswaldo Cruz desagradou às autoridades médicas locais
que o acusaram de querer favorecer a Light, abrindo um intenso debate na Sociedade
de Medicina e Cirurgia. As discussões não tardaram a chegar à
Academia Nacional de Medicina. No entanto, as conclusões a que chegaram
as comissões formadas nas duas instituições médicas
reafirmaram o parecer de Oswaldo Cruz.
Movimento Sanitarista
Em 1916, a publicação do relatório da expedição
realizada por Belisário Penna e Arthur Neiva ao Norte e Nordeste brasileiros
e a repercussão da frase do médico Miguel Pereira - "o Brasil
é um imenso hospital" - transformam a precariedade das condições
de saúde do homem do interior em tema de debate público. Além
dos meios médicos e científicos, a discussão passa a envolver
outros setores da elite política e intelectual numa ampla campanha nacional
em prol do saneamento dos sertões brasileiros.
Respaldados pelos resultados empíricos das viagens científicas
organizadas pelo Instituto Oswaldo Cruz a vastas regiões do território
nacional, os integrantes do movimento rejeitam as concepções deterministas,
muito em voga na época, que atribuíam os problemas do país
à composição racial de seu povo e ao clima quente dos trópicos.
Recusam igualmente as visões ufanistas que exaltavam a grandeza nacional
associando-a a uma imagem idealizada da vida rural e do sertanejo. Para os integrantes
da campanha pelo saneamento, o principal obstáculo ao desenvolvimento
nacional eram as doenças - sobretudo as endemias rurais - e o abandono
a que eram relegadas as populações do interior, já denunciado
em 1902 por Euclides da Cunha em seu livro Os Sertões. Assim, redimir
o Brasil seria saneá-lo e para isso tornava-se fundamental o aumento
da intervenção do Estado na área da saúde pública.
O escritor Monteiro Lobato, que passa a integrar o movimento a partir de 1918,
expressa de maneira emblemática o sentido da campanha ao afirmar, em
relação ao personagem por ele criado, que o Jeca Tatu - personificação
do caráter indolente e improdutivo do brasileiro - "não é
assim, ele está assim", porque está doente.
A necessidade de que os governos se responsabilizem pela implementação
de campanhas de profilaxia contra as endemias rurais é constantemente
salientada por Carlos Chagas, que, em seus estudos, discursos e conferências,
chama a atenção de maneira sistemática para os prejuízos
que tais doenças, entre as quais a tripanossomíase americana,
trazem ao desenvolvimento físico e social das populações
sertanejas do Brasil.
A campanha pelo saneamento rural formaliza-se e ganha maior amplitude com a
atuação da Liga Pró-Saneamento do Brasil, criada em 1918
como desdobramento da grande repercussão dos artigos publicados por Belisário
Penna, entre novembro de 1916 e janeiro de 1917, no jornal Correio da Manhã.
Presidida pelo próprio Belisário Penna, a Liga tem como principal
proposta institucionalizar o combate às endemias rurais por meio de uma
política sanitária de caráter nacional, exercida de maneira
centralizada pelo governo federal. Contando com a adesão de importantes
setores da sociedade civil e das elites políticas, a atuação
da Liga nos seus dois anos de existência confere grande visibilidade ao
tema da saúde pública, que ganha as páginas dos jornais
e se torna uma questão central no debate político nacional.
Fator decisivo para o êxito das reivindicações do movimento
é o impacto da epidemia de gripe espanhola que atinge as principais cidades
do país no final de 1918. Ao tornar evidente para a população
a precariedade da estrutura federal vigente na área da saúde pública,
a epidemia reforça a tese dos que viam na criação de uma
estrutura pública centralizada e de âmbito nacional a única
alternativa para dar solução efetiva aos problemas de saúde
pública do país.
O principal resultado prático da campanha pelo saneamento do Brasil é
a criação pelo Congresso Nacional, em janeiro de 1920, do Departamento
Nacional de Saúde Pública, órgão que, sob a direção
de Carlos Chagas, reorganiza os serviços sanitários do país
e amplia a todo o território nacional a competência da União
na promoção e regulação desses serviços.
O intercâmbio com os institutos estrangeiros
Após a vitória alcançada em Berlim, em 1907, diversos pesquisadores
do Instituto Oswaldo Cruz viajaram ao exterior para realizar estágios
e estudos de aperfeiçoamento. Para reforçar os serviços
prestados à indústria pastoril, Oswaldo Cruz já tinha enviado,
em 1905, um pesquisador para se aperfeiçoar em veterinária na
célebre escola francesa de Alfort. Ao longo de 1907-1908, Cardoso Fontes
e Alcides Godoy viajaram para a Alemanha, Figueiredo de Vasconcellos, para a
França, Henrique Aragão para os dois países, e Artur Neiva,
para os Estados Unidos.
O ativo intercâmbio com a Alemanha permitiu a contratação
de especialistas que se encontravam na vanguarda dos estudos em protozoologia.
Entre julho de 1908 e fevereiro de 1909, estiveram em Manguinhos dois professores
da Escola de Medicina Tropical de Hamburgo: Stanislas von Prowazek, discípulo
de Schaudinn, e G. Giemsa, um químico que desenvolvera um novo processo
para o exame de hematozoários por meio de colorantes. Ambos foram contratados
sob a condição de ministrarem cursos sobre suas especialidades
e publicarem o resultado de suas pesquisas, em primeira mão, nas Memórias
do Instituto Oswaldo Cruz.
Prowazek estudou com Henrique Aragão a etiologia da varíola –
que grassou epidemicamente no Rio de Janeiro em 1908 – realizando uma
descoberta que causou sensação na época, não obstante
se revelasse falsa mais tarde: teriam conseguido observar o micróbio
da varíola, até então invisível para os bacteriologistas.
Em maio de 1909, o protozoologista Max Hartmann, do Instituto de Moléstias
Infecciosas de Berlim, chegou ao Instituto para uma estada de seis meses, durante
os quais participou, com Belizário Pena, da sistematização
dos aspectos parasitários e anatomopatológicos da doença
de Chagas.
Outro especialista contratado no exterior, em 1912, foi Hermann Duerck, professor
de anatomia patológica da Universidade de Iena, vinculado, também,
ao Instituto Patológico do Hospital de Munique. Junto com Gaspar Viana,
precocemente falecido em 1914, com apenas 32 anos de idade, organizou um serviço
de anatomia patológica que funcionou no Hospital da Santa Casa da Misericórdia,
transferindo-se, em 1918, para o hospital que Oswaldo Cruz construiu no campus
de Manguinhos (atual Evandro Chagas). Em 1912 Giemsa retornou para estudar,
com Cardoso Fontes e Alcides Godoy, os parasitos de peixes e o plâncton
da Baía de Guanabara.
A produção de imunobiológicos
Entre 1903 e 1904, a produção de soro antipestoso em Manguinhos
passou de 11.250 para 14.700 frascos, e a da vacina saltou de sete mil para
54.900 doses. Em 1904, o instituto começou a fornecer, também,
a tuberculina para o diagnóstico da tuberculose em bovinos usados no
abastecimento de leite e carne à população. Em 1906, passaram
a ser fabricados os soros antidiftérico e antitetânico, a vacina
anticarbunculosa, desenvolvida por Pasteur em 1879, e a maleína, usada
para o diagnóstico do mormo. No ano seguinte, Manguinhos começou
a preparar a tuberculina para fins terapêuticos humanos, o soro antiestreptocócico
e dois produtos veterinários de grande importância: as vacinas
contra a espirilose das galinhas e contra o carbúnculo sintomático,
ou peste da manqueira.
O desenvolvimento desta última vacina, originou-se de uma solicitação
dos pecuaristas de Minas Gerais, onde a peste da manqueira dizimava de 40 a
80% dos bezerros. A epizootia era comum também em outros estados do Brasil
e em vários países da América do Sul. Ela já havia
sido estudada por João Batista de Lacerda, diretor do Museu Nacional,
que chegou a preparar uma vacina mas com resultados insatisfatórios.
Oswaldo Cruz entregou a incumbência primeiro a Ezequiel Dias e Rocha Lima,
depois a Alcides Godoy que levou a cabo a primeira descoberta notável
de Manguinhos.
Quando Oswaldo Cruz deixou a direção do Instituto em 1917, a pauta
de imunobiológicos ali fabricados já somava 21 itens, entre os
quais a maleína e o soro antidisentérico, introduzidos em 1910
e 1911, respectivamente, e o soluto de tártaro emético, fabricado
desde 1914. A vacina contra a peste da manqueira, principal item da pauta de
produtos de Manguinhos, ultrapassara, em 1915, a marca de 1.317.000 doses. Em
1916, a produção de soro antipestoso já ultrapassava a
marca dos três milhões de frascos, quantidade equivalente ao das
doses de vacina antipestosa fornecidas pelo Instituto naquele mesmo ano.
A pesquisa biomédica
Enquanto Oswaldo Cruz conduzia a campanha contra a febre amarela no Rio de Janeiro,
os pesquisadores de Manguinhos investigavam a anatomia patológica da
doença e seu diagnóstico necroscópico. Fizeram dezenas
de autópsias no Hospital de Isolamento São Sebastião, no
Caju, o que resultou no estabelecimento de um diagnóstico mais preciso
da febre amarela com base nas lesões que ocasionava no fígado.
Investigações análogas foram realizadas com os casos suspeitos
de peste bubônica, estudando-se, também, a eficácia do soro
antipestoso e a virulência das diversas cepas do bacilo que causava a
doença. Em 1905, assim que o telégrafo anunciou o aparecimento
do cólera morbus em Hamburgo, porto com o qual o Rio de Janeiro mantinha
estreitas relações comerciais, o Instituto Soroterápico
foi colocado em prontidão para enfrentar a doença caso ela chegasse
ao Brasil.
Os cientistas de Manguinhos perseguiam o germe da varíola, ainda desconhecido,
e testavam a eficácia da vacina fabricada no Instituto Vacinogênico,
pertencente ao Barão de Pedro Afonso, mas não se limitavam a estudar
os problemas então considerados prioritários pela DGPS. Buscavam
uma técnica eficiente para o diagnóstico das febres tifóide
e paratifóide; exploravam a tuberculose tanto do ponto de vista da biologia
do bacilo quanto do diagnóstico e da terapêutica; e, quando foi
divulgado o primeiro trabalho de Schaudinn sobre o espiroqueta da sífilis,
voltaram seus microscópios para o novo microrganismo.
Antes mesmo de ser inaugurado o Instituto Soroterápico, Oswaldo Cruz
e sua equipe exploravam as matas e mangues circunvizinhos em busca do Anopheles,
o mosquito transmissor da malária. O interesse pelo parasitismo, pelo
estudo dos insetos e de outros hospedeiros de microrganismos patogênicos
para o homem resultaria, dez anos depois, na descoberta da doença de
Chagas e no reconhecimento internacional de Manguinhos como importante centro
de medicina tropical.
O ensino da microbiologia
Henrique da Rocha Lima, pesquisador que se havia especializado na Alemanha,
deu início ao ensino da bacteriologia, parasitologia, anatomia e histologia
patológicas. Os cursos destinavam-se aos estudantes de medicina que já
vinham freqüentando os precários laboratórios do Instituto
Soroterápico de Manguinhos para desenvolver suas teses de doutoramento.
Atraíam, também, profissionais já diplomados, conscientes
da importância que a microbiologia tinha para a clínica médica.
O afluxo crescente de doutorandos e médicos foi estimulado pelas campanhas
sanitárias que transcorriam na capital. Alguns se integrariam às
atividades de pesquisa do instituto, trabalhando como voluntários por
longo tempo, até surgirem recursos para a sua contratação.
Muitos ex-alunos engrossariam o contingente de sanitaristas do Rio de Janeiro
ou das instituições de saúde criadas posteriormente em
outros estados da federação. Assim, os médicos formados
pelo chamado Curso de Aplicação renovariam a clínica, a
saúde pública e a veterinária, e proporcionariam ao Instituto
Soroterápico um reforço decisivo a seu limitado quadro funcional
que, até 1908, restringia-se ao diretor, dois chefes de serviço
e dois auxiliares-estudantes.
Filiais do I.O.C.
Em 1906, quando estavam em curso as pesquisas visando à obtenção
da vacina contra a peste da manqueira, o governo de Minas Gerais propôs
a Oswaldo Cruz a criação de uma filial do Instituto Soroterápico
em Belo Horizonte, a recém-fundada capital do estado. A primeira filial
do Instituto foi inaugurada em agosto de 1906, sob a direção de
Ezequiel Dias, e funcionou como tal até 1936, quando foi incorporada
à administração estadual, com o nome de Instituto Biológico
Ezequiel Dias.
Além de cuidarem do combate às epizootias e da preparação
de soros e vacinas anti-ofídica, anti-rábica, antimeningocócica
e soros antiescorpiônico, antidiftérico, antitetânico e antiofídico,
os pesquisadores da filial mineira pesquisavam variados assuntos, como os da
matriz carioca. Ezequiel Dias, por exemplo, fez importantes estudos sobre a
adenomicose, a leucemia e uma doença grave de bezerros chamada peste
dos pulmões.
Depois da descoberta da doença de Chagas, em 1909, os cientistas da filial
participariam dos estudos sobre a distribuição geográfica
do barbeiro e seus índices de infecção pelo Tripanossoma
cruzi, especialmente nos focos encontrados em Bambuí, onde, em 1943,
seria criado outro laboratório regional de Manguinhos.
No mesmo ano em que Ezequiel Dias foi transferido para Belo Horizonte (1906)
para organizar aquela filial, Cardoso Fontes seguiu para o Maranhão para
ajudar a debelar a peste bubônica na capital, São Luís,
e organizar o serviço de saúde pública daquele estado.
Em 1919, ali seria instalada mais uma filial do instituto Oswaldo Cruz, extinta
em 1931. Ainda durante a gestão de Oswaldo Cruz, em 1914, Artur Neiva
organizou uma filial em Pelotas. Embora atendesse a uma solicitação
de pecuaristas e autoridades locais, a filial gaúcha teve existência
efêmera.
A Exposição de Berlim
O Brasil foi o único país da América do Sul a se fazer
representar no XVI Congresso Internacional de Higiene e Demografia e na Exposição
de Higiene anexa a ele, realizados em setembro de 1907, em Berlim. A presença
do Instituto Soroterápico no evento deveu-se, em parte, ao sucesso da
campanha contra a febre amarela no Rio de Janeiro, em parte, também,
aos vínculos criados por Oswaldo Cruz com os mais importantes institutos
europeus de medicina experimental. Os vínculos com as instituições
da Alemanha foram estreitados por Rocha Lima, quando este retornou àquele
país, em outubro de 1906, para averiguar as melhorias a introduzir em
Manguinhos e para inaugurar, a convite de Fischer, a seção de
estudos da peste no Instituto de Higiene de Berlim.
A mostra brasileira na Exposição de Higiene exibia amostras dos
soros e vacinas fabricados em Manguinhos, fotos e maquetes dos novos prédios
que lá se construíam, imagens e estatísticas concernentes
ao saneamento do Rio de Janeiro. Os visitantes ficaram muito impressionados
com os materiais relativos às doenças tropicais: exemplares e
desenhos de insetos transmissores de doenças e peças anatomopatológicas
registrando as lesões provocadas pela febre amarela e pela peste bubônica.
No plenário do Congresso, repercutiram muito bem os trabalhos apresentados
pelos pesquisadores do Instituto, em particular o de Henrique Aragão,
Sobre o ciclo evolutivo do halterídio do pombo, que elucidava etapa até
então desconhecida do ciclo desse parasito, contribuindo, assim, para
a compreensão do modo como a malária e outras doenças parasitárias
evoluíam no organismo humano.
A concessão do primeiro prêmio do Congresso à seção
brasileira teve enorme repercussão no Brasil. O atestado de valor conferido
pelo velho mundo aos trabalhos de Manguinhos converteram, subitamente, a "ciência"
em importante ingrediente dos discursos patrióticos que proferiam as
elites da capital. O Rio de Janeiro, que acabara de se tornar a "Paris
das Américas", tinha agora o seu "Pasteur" para canonizar.
Finda a exposição, Oswaldo Cruz aproveitou a para reforçar
os laços com as instituições que estavam na vanguarda da
microbiologia, repartindo entre elas o material exposto em Berlim. Após
uma breve passagem por Paris para visitar o Instituto Pasteur, viajou para Nova
Iorque, onde conheceu o instituto de pesquisas médicas fundado por Nelson
Rockfeller.
Cumprindo missão diplomática delegada pelo governo brasileiro,
reuniu-se com o presidente Franklin Roosevelt para dar-lhe garantias de que
a esquadra norte-americana, em manobras de guerra, poderia desembarcar no Rio
de Janeiro sem temer a febre amarela. Em seguida, participou da Convenção
Sanitária realizada no México, na qual os governos da América
Central subscreveram, como queria a Casa Branca, o compromisso de criarem legislações
e serviços sanitários para erradicarem a febre amarela de seus
territórios.
Osvaldo Cruz achava-se ainda no exterior quando, em 12 de dezembro de 1907,
um decreto do presidente Afonso Pena transformou o Instituto Soroterápico
em Instituto de Patologia Experimental. Em 10 de fevereiro, o herói nacional,
que fizera a Europa curvar-se ante o Brasil, desembarcou no Rio de Janeiro onde
o aguardava uma apoteótica recepção. Oswaldo Cruz tentou
passar incógnito por ela, mas a multidão o engoliu.
A criação do Instituto Oswaldo Cruz
Em 1906, foi apresentado ao Congresso projeto de lei, de autoria do deputado
Melo Mattos, propondo a transformação do Soroterápico em
Instituto de Medicina Experimental. Além de legitimar funções
que, na prática, o instituto já exercia, o projeto concedia-lhe
novas prerrogativas, ampliava seu quadro de pessoal e o desatrelava da DGSP,
subordinando-o diretamente ao ministro da Justiça e Negócios Interiores.
Em sua tramitação pela Câmara (1906) e pelo Senado (1907),
o projeto foi duramente atacado pelos que consideravam um desperdício
os investimentos em ciência e nas ambiciosas instalações
que estavam sendo edificadas em Manguinhos; também pelos que não
admitiam a fabricação de vacinas numa instituição
do Estado; e ainda pelos que não viam com bons olhos o ensino médico
fora da Faculdade de Medicina.
A medalha de ouro conquistada por Oswaldo Cruz na Alemanha, em setembro de 1907,
calou os adversários. Em 12 de dezembro, o presidente Afonso Pena sancionou
o decreto n°1.812, que transformava o Soroterápico em Instituto de
Patologia Experimental. A 19 de março de 1908, o ministro da Justiça,
Tavares Lyra, aprovou o regulamento do instituto, rebatizando-o de Instituto
Osvaldo Cruz em homenagem ao grande ídolo da capital naqueles dias.
O próprio Oswaldo Cruz havia confeccionado o regulamento. Ele sacramentava
o tripé pesquisa, ensino e fabricação de produtos biológicos
e assegurava ao instituto considerável autonomia em relação
ao Estado, tanto do ponto de vista administrativo e financeiro como científico,
abarcando as pesquisas sobre doenças infecciosas e parasitárias
do homem, dos animais e das plantas.
A subordinação direta ao ministro da Justiça emancipava
o programa de pesquisas do Instituto das demandas e rotinas da DGSP, colocando
Manguinhos a salvo dos caprichos de eventuais sucessores de Oswaldo Cruz naquela
diretoria. Tanto que sua exoneração do cargo de diretor-geral
da Saúde Pública, no ano seguinte, não acarretou abalo
algum à trajetória da instituto.
A permissão para vender produtos biológicos permitiu ao Instituto
auferir recursos consideráveis para complementar os consignados no orçamento
sem ter de prestar contas à burocracia governo. Boa parte de seu pessoal
seria, então, mantida com receitas próprias, em especial a chamada
"verba da manqueira" proveniente da vacina descoberta por Alcides
Godoy. O regulamento de 1908 autorizou, ainda, a prestação de
serviços remunerados a órgãos públicos e empresas
privadas, legitimando ações extramuros que favoreceriam não
apenas a multiplicação dos "clientes" de Manguinhos,
como a ampliação de seus horizontes, sociais e científicos.
A volta ao Brasil
Ao retornar ao Brasil, no início do 1899, após dois anos de estudos
em Paris, Oswaldo Cruz instalou um consultório de doenças geniturinárias
e um laboratório de pesquisas e análises clínicas na travessa
de São Francisco, atual Ramalho Ortigão. Era o primeiro laboratório
desse gênero no Rio de Janeiro e, de acordo com um anúncio publicado
na época:
"O gabinete de microscopia e microbiologia do dr. Gonçalves Cruz
acha-se em condições de poder ministrar, com o máximo escrúpulo,
as informações que d’elle forem requisitadas"
Oswaldo Cruz retomou também as atividades de médico da Fábrica
de Tecidos Corcovado e voltou a freqüentar o laboratório da Policlínica
Geral do Rio de Janeiro. Os equipamentos que havia adquirido em Paris não
puderam ser instalados em virtude do péssimo estado do edifício
onde funcionava a Policlínica. O seu laboratório continuou a fazer
apenas exames sumários, que Oswaldo Cruz logo deixou a cargo de um substituto,
limitando-se a supervisionar o serviço.
Henrique Figueiredo de Vasconcellos
Henrique Figueiredo de Vasconcellos ingressa no Instituto Soroterápico
Federal por ocasião de sua criação, em julho de 1900. Até
então, havia trabalhado no Instituto Vacínico Municipal com o
Barão de Pedro Afonso, a quem foi entregue a direção geral
do Soroterápico, e tinha sido contemporâneo, na Faculdade de Medicina
do Rio de Janeiro, de Oswaldo Cruz, que assumiu a diretoria técnica do
novo instituto. Vasconcellos integra a equipe técnica original encarregada
da fabricação da vacina e soro antipestosos e, a partir de 1903,
participa diretamente da gestão administrativa do instituto.
Em 1907 e 1908, viaja para a França a fim de aperfeiçoar sua formação
em bacteriologia, freqüentando cursos em várias instituições
científicas, entre as quais o Instituto Pasteur de Paris. Neste último
ano, com a reorganização que transforma o Soroterápico
em Instituto Oswaldo Cruz, Vasconcellos torna-se chefe de serviço, juntamente
com o pesquisador Henrique da Rocha Lima. Por várias vezes ocupa interinamente
o cargo de diretor do Instituto, nas ocasiões em que Oswaldo Cruz precisa
se ausentar desta função.
Em agosto de 1909, por indicação de Oswaldo Cruz, substitui-o
na Diretoria Geral de Saúde Pública, de onde se demite dois anos
depois.
Suas pesquisas em Manguinhos trazem importantes contribuições
para os estudos de micologia médica.
A Questão Dreyfus
Durante sua estada em Paris Oswaldo Cruz acompanhou de perto o desenrolar da
Questão Dreyfus, posteriormente definida por Salles Guerra como "um
desses violentos acessos de intolerância político-religiosa, que
não são raros na história da humanidade".
Em 1894, o capitão Alfred Dreyfus, de origem israelita, foi acusado de
passar informações secretas aos alemães. Um rápido
julgamento, conduzido por um tribunal militar, condenou-o à prisão
perpétua na Ilha do Diabo, na Guiana Francesa. O processo contra Dreyfus
havia utilizado como principais peças de acusação laudos
periciais que asseguravam a semelhança entre a letra do acusado e aquela
encontrada nos documentos enviados à Alemanha.
Na verdade, o caso forneceu o pretexto para uma campanha anti-semita, liderada
por Edouard Drumont, editor de La Libre Parole. A condenação de
Dreyfus passara a ser a condenação de um judeu em vez de a de
um traidor.
Dois anos depois, em 1896, o recém nomeado chefe da contra-espionagem
do Exército francês, tenente-coronel Picquart, notou a perfeita
identidade da letra do comandante Esterhazy, um jogador endividado, com a dos
documentos atribuídos a Dreyfus. Encontrou, além disso, outros
indícios de que aquele oficial era o espião.
A denuncia do erro judiciário rendeu a Picquart uma série de retaliações,
que culminaram com sua prisão. O país cindiu-se em dois campos.
De um lado estavam os que acreditavam na culpa de Dreyfus, consideravam justa
sua condenação e, portanto, se opunham à revisão
do processo. De outro, os convencidos da inocência do condenado, que denunciavam
as irregularidades do julgamento e lutavam pela revisão imediata do processo.
Entre estes, destacava-se o escritor Émile Zola, autor de J’accuse,
um forte libelo contra a intolerância e a prepotência.
Em 1898, o caso Dreyfus estava em plena efervescência. O próprio
diretor do Instituto Pasteur, Émile Duclaux, promovia manifestações
em favor de Picquart que, preso, aguardava julgamento. Pelas ruas da cidade,
Oswaldo Cruz presenciou cenas que o deixaram revoltado. Numa das cartas a Salles
Guerra, externou sua indignação com a "população"
que insultava Zola todas as vezes em que este deixava o Palácio da Justiça,
onde respondia por crime de injúrias ao Exército. Mal sabia Oswaldo
Cruz que, alguns anos depois, veria erguer-se contra si próprio a fúria
de uma outra multidão, na capital brasileira, quando fosse aplicar lá
o que aprendia agora na França.
Naquele mesmo ano, Dreyfus foi levado a Paris para novo julgamento, que confirmou
a sentença anterior, fazendo multiplicarem-se as manifestações
de indignação entre os dreyfusards. Na tentativa de pacificar
o país, o presidente francês, E. Loubet, indultou Dreyfus. O perdão
devolveu-lhe a liberdade mas não a dignidade.
Somente em 1906, quando Clemenceau, um dos defensores de Dreyfus, assumiu a
presidência da França, fez-se justiça em relação
ao caso. O militar judeu foi reintegrado ao Exército francês e
promovido, e Picquart foi nomeado ministro da Guerra. Esterhazy, que havia sido
absolvido do crime por um tribunal militar, fugiu para o exterior.
Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro
As origens da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro (FMRJ) remontam à
transferência da Corte Real Portuguesa para o Brasil, em 1808. Entre as
providências destinadas a organizar o aparelho administrativo, D. João
VI funda os primeiros estabelecimentos de ensino superior da colônia,
criando nesse mesmo ano cursos médico-cirúrgicos no Rio de Janeiro
e em Salvador.
A Escola Anatômica, Cirúrgica e Médica do Rio de Janeiro
é instalada no Hospital Real Militar, no morro do Castelo. O curso, de
quatro anos de duração, é regido pela Universidade de Coimbra,
Portugal.
Em 1813, as escolas do Rio e de Salvador são reorganizadas e se transformam
em Academias Médico-Cirúrgicas. O novo regulamento permite a adoção
de normas próprias para o seu funcionamento e garante, pela primeira
vez, aos profissionais aqui formados o direito de exercer a medicina, atribuição
que até então era monopólio dos médicos formados
em Portugal. A partir de 1826, a concessão dos diplomas passa a ser feita
pelas próprias Academias e não mais pela Universidade de Coimbra.
Com a independência política do Brasil, novas reformulações
do ensino médico se tornam necessárias, tendo em vista adequá-lo
ao novo contexto da nação. Em 1832, é aprovada a transformação
das Academias Médico-Cirúrgicas em Faculdades de Medicina, seguindo
o modelo das instituições francesas de ensino superior. O curso
tem sua duração ampliada para seis anos e passa a formar médicos,
farmacêuticos e parteiras. A preocupação em elevar o nível
da formação acadêmica faz com que passe a ser obrigatória
a defesa de tese para a obtenção do título de "doutor
em medicina", exigência que seria abolida em 1911.
A partir de 1884, na gestão do Visconde de Sabóia (1880-1889),
o ensino na FMRJ passa por uma ampla reforma. Seu principal aspecto é
a introdução do ensino prático de todas as disciplinas
médicas, rompendo com o predomínio até então vigente
do ensino teórico. Por outro lado, os temas e as disciplinas relacionados
às novas tendências da medicina européia, marcadas pelo
avanço da medicina experimental e pelo impacto das teorias de Louis Pasteur,
começam a se fazer presentes no ambiente da FMRJ, ainda que somente em
1901 seja criada a cadeira de Bacteriologia.
Paralelamente a uma maior abertura para a pesquisa científica nos laboratórios,
procura-se estimular o estudo das doenças peculiares ao Brasil, tendo
em vista as questões sanitárias consideradas estratégicas
para o desenvolvimento nacional.
A reforma realizada por Sabóia introduz também uma série
de medidas liberalizantes, tais como a freqüência livre às
aulas, a realização de cursos não oficiais nos recintos
da faculdade e a permissão à matrícula de mulheres em seus
cursos.
Com a proclamação da República em 1889, várias medidas
e orientações preconizadas pela reforma de 1884 são revistas
ou suprimidas, provocando reações e abrindo crises na direção
da FMRJ que se prolongam pelas primeiras décadas do século XX.
Depois de funcionar em vários endereços, a FMRJ instala-se, em
1918, num prédio construído na Praia Vermelha especialmente para
sediá-la e no qual permaneceria até 1973, quando é transferida
para o campus universitário da Ilha do Fundão.
Com a criação, em 1920, da Universidade do Rio de Janeiro, a Faculdade
de Medicina, juntamente com a de Direito e a Escola Politécnica, passa
a integrar a instituição. Em 1937, a reforma promovida por Vargas
transforma a Universidade do Rio de Janeiro em Universidade do Brasil e a Faculdade
de Medicina do Rio de Janeiro passa a denominar-se Faculdade Nacional de Medicina.
Quando, em 1965, a Universidade do Brasil é transformada na Universidade
Federal do Rio de Janeiro, a Faculdade de Medicina deixa de ter em sua denominação
o termo "nacional".
Fonte – http://www.prossiga.br