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Antônio Carlos Pavão

A ciência em cada esquina

O principal desafio dos centros e museus de ciência é desenvolver atividades que estimulem os visitantes a trabalhar com hipóteses e a testá-las. “Devemos trabalhar com experimentos abertos, que gerem indagações e não que ofereçam apenas respostas prontas”, defende Antonio Carlos Pavão, doutor em Química pela Universidade de São Paulo (USP) e diretor, desde 1995, do Espaço Ciência, em Recife.

A tarefa de explorar nos centros e museus de ciência os conceitos mais modernos e abrangentes de interatividade não é fácil, como ele próprio alerta e sente na própria pele. No momento em que concedeu esta entrevista à Carla Almeida e Luisa Massarani, em abril de 2004, Pavão estava em pleno processo de expansão e reformulação do Espaço Ciência, que vai reforçar seu conceito de experimentos a céu aberto, aproveitando a extensa área que ocupa, de 120 mil metros quadrados, em meio ao ambiente de manguezal pernambucano.

Nesta conversa, Pavão fala de sua experiência no Espaço Ciência e de outras atividades de divulgação científica em que atuou. Ele percorre sua trajetória na área desde que participou da criação de um clube de ciências, quando ainda cursava o ginásio no interior de São Paulo, até os dias de hoje, morando em Recife.

Seu maior desejo é ver um museu de ciência em cada esquina e a ciência na Marquês de Sapucaí, no Maracanã, nas feiras de alimentos e, principalmente, intrinsecamente ligada à cultura brasileira.

Leia aqui a biografia de Antônio Carlos Pavão

O que o fez trocar São Paulo por Pernambuco?
Nasci em Quintana, uma pequena cidade no interior de São Paulo. Quando fui para a capital fazer minha graduação, vivia doido para sair daquele agito. Terminei meu doutorado e comecei a procurar um lugar para ir. Naquela época, um doutor em química podia praticamente escolher a instituição em que iria trabalhar. Visitei algumas universidades no país e escolhi ficar em Pernambuco por três razões: uma de caráter pessoal, outra de caráter político e também por uma razão acadêmica. Cesar Lattes dizia que, para ser um grande cientista, só havia duas alternativas: nascer em Pernambuco ou se casar com uma pernambucana. Newton Bernardes, meu orientador e muito ligado a Lattes, repetia isso para mim. Era porque José Leite Lopes, Mario Schemberg e outros grandes cientistas nasceram em Pernambuco, e tanto Lattes quanto Newton eram casados com pernambucanas. Resumindo: segui o conselho deles. Além disso, queríamos, no partido em que eu militava – partido trotskysta –, abrir uma seção no Nordeste. Considerei dois lugares: Salvador e Recife, onde já tínhamos alguns contatos. Aí entra a questão acadêmica. No grupo de química teórica da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), havia uma pessoa que queria que eu fosse para lá e me incentivou muito, o Ricardo Ferreira. E gostei muito de Recife pela cultura, pela cidade, que me lembrava Quintana. Foi daí que cheguei em Recife numa sexta-feira pré-carnavalesca, em fevereiro de 1979.

Como iniciou seu envolvimento com a divulgação científica?
Essas coisas não acontecem de uma hora para outra. Quando estava no ginásio, outros colegas e eu, orientados por nossa professora, fundamos um clube de ciências em Quintana. No curso científico, ganhei uma medalha de 3º lugar em uma feira de ciências, o que me marcou muito. Depois disso, fui me interessando cada vez mais por essas atividades. Já na USP, entre 1970 e 1978, nos anos mais feios da ditadura, eu trabalhava em bairros operários em São Paulo. Sob o guarda-chuva de padres progressistas, dava aulas de matemática e ciências. O objetivo principal era fazer a cabeça dos operários para que tivessem uma atuação junto ao sindicato. Nesse tempo, eu era da Liga Operária, um partido clandestino que virou PST e depois Convergência Socialista. Mas, desde 1982, deixei minha militância partidária. Hoje identifico o que eu fazia nesses bairros também como uma atividade de divulgação científica. Procurava levar aquilo que era da academia para essas pessoas, procurava traduzir um pouco daquele conhecimento especializado e transmiti-lo de uma forma mais acessível àquela população.

Em Pernambuco, procurou dar continuidade a esse trabalho?
Continuei com esse trabalho junto ao Centro de Trabalho e Cultura (CTC), uma ONG que trabalha com formação de operários das áreas técnicas. No CTC, realizava palestras para operários sobre origem e evolução da matéria, uma atividade que desenvolvo até hoje. Lá, não me furto a discutir questões candentes, como, por exemplo, a questão de Deus e da Bíblia. Faço uma apresentação da visão da ciência sobre a origem e a evolução da vida, do Universo e da matéria, e, naturalmente, há muita contestação, especialmente entre os crentes e criacionistas, essa praga que se alastra cada vez mais. Isso gera uma discussão muito grande. E eu trato a questão com certa irreverência e muita confiança de que a ciência é uma proposta libertadora do homem em todos os aspectos, desde espiritual até material.

Quando chegou em Pernambuco, também desenvolveu atividades de divulgação científica?
Na UFPE, comecei a organizar várias atividades de divulgação, incluindo palestras e até um concurso de poesia para engenheiros, físicos e químicos, o Poetar. Mas, o que chamou mais atenção foi a realização de semanas de química, a chamada Semana de Química Fundamental e Tecnológica, iniciada em 1986. Eu era responsável pela organização, como secretário – o primeiro – da Sociedade Brasileira de Química (SBQ) em Pernambuco, junto com o professor Paulo José Duarte, químico industrial e representante da Associação Brasileira da Química no estado. Até hoje essas semanas são realizadas na UFPE e é uma atividade voltada para a divulgação da química, principalmente entre estudantes universitários, mas também entre alunos do ensino médio, de escolas técnicas e entre a população de modo geral. Tinha e ainda tem uma boa participação. Observamos que os professores de química e engenharia química que temos hoje foram estimulados por essas semanas.

Em que circunstâncias foi chamado para dirigir o Espaço Ciência?
Em 1993, a Capes lançou um edital para museus de ciência. Na UFPE, um grupo de professores, principalmente da área de exatas, montou um projeto chamado Engenho Ciência, do qual participei marginalmente. O governo do estado fez um outro projeto, Espaço Ciência. Os dois foram enviados à Capes. Ganhou o projeto Espaço Ciência. O dinheiro começou a ser liberado em 1995, quando o governador Miguel Arraes venceu a eleição para governador de Pernambuco. Arraes convidou Sergio Rezende para dirigir a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente do estado. Eu tinha trabalhado com o Sergio na organização de eventos culturais na época em que ele dirigia o Centro de Ciências Exatas e da Natureza. Ele sabia de meu interesse na área de divulgação científica e me convidou para dirigir o Espaço Ciência.

Qual era a ligação entre o Espaço Ciência e a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente de Pernambuco?
O Espaço Ciência foi criado pelo governo do estado, em setembro de 1994, como um programa da Secretaria de Ciência e Tecnologia e Meio Ambiente. Inicialmente, ficou instalado em um casarão próximo ao centro de Recife, uma casa antiga alugada por seis mil reais por mês, com vários problemas de infra-estrutura, dificuldade de estacionamento e outras inconveniências. Nos três primeiros meses de vida, o Espaço Ciência foi coordenado pela professora Luciana Altino, da engenharia elétrica da UFPE.

O que mudou com a troca do governo estadual?
Quando Sergio Rezende assumiu a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente do governo Arraes, em 1995, transformou o programa em uma diretoria da Secretaria. Assumi o Espaço Ciência nessa nova configuração. Queríamos sair da casa em que estávamos instalados na época. Então, literalmente ocupamos a área onde fica hoje o museu.

O que havia na área antes de ser ocupada pelo Espaço Ciência?
Havia um prédio construído em 1985 para funcionar como um posto da Caixa Econômica, com um conceito de banco tipo drive-in. Havia ali, também, um pequeno anfiteatro, onde seriam exibidos espetáculos. Mas isso nunca funcionou. O governador Joaquim Francisco, anterior a Arraes, queria usar o espaço para fazer um parque e implantou o chamado Parque Memorial Arcoverde. Foi um projeto polêmico, os ambientalistas reclamaram muito das agressões ao ambiente de manguezal da área. Talvez por isso, quando entrou o governo Arraes, o parque ficou sem destino, abandonado. Um belo dia, alugamos um caminhão, abandonamos o casarão e aportamos por lá, onde estamos muito felizes até hoje. Contamos com o apoio do Sergio Rezende para ocupar a área; depois houve toda uma articulação que facilitou a formalização da nossa permanência ali.

Como o Espaço Ciência aproveitou a área, ampla e cercada por mangues?
Passamos a preservar o ambiente de manguezal e a desenvolver um conceito de museu de ciência ao ar livre. Como a área interna que tínhamos era muito pequena, aproveitamos o ambiente de manguezal para atividades de divulgação, além de colocar experimentos a céu aberto no entorno do lago. Hoje, temos uma vegetação exuberante e uma concepção de museu onde o visitante aprende, de forma lúdica, a valorizar aspectos do meio ambiente e a discutir questões relacionadas ao tema. O visitante pode conhecer mais sobre preservação e manejo do manguezal e apreciar sua beleza e riqueza. Em uma das atividades, os visitantes nos ajudam a identificar que espécies de aves vivem na região – já foram identificadas 63 até hoje. Podemos afirmar que o Manguezal Chico Science, como hoje é conhecido, é o nosso diferencial em relação ao outros museus do planeta.

Como foram os primeiros anos da implantação do museu?
Quando começou, eu não tinha noção alguma de museu de ciência. Tinha uma visão muito simplista. Era parecido com um estudante fazendo uma feira de ciência. Não tínhamos noção, por exemplo, de como preparar um cartaz. Colocávamos várias informações, com letras miúdas; priorizávamos o conteúdo, a informação. Lembro de uma primeira exposição que fizemos sobre tubarões. Recortávamos gravuras de revista para fazer os cartazes, escrevíamos à mão... Atualmente, já percebemos a importância do design, fazemos cartazes com fotos atraentes, textos pequenos e objetivos, sempre mostrando o nosso foco. Se compararmos aquela primeira exposição com as que fazemos hoje, percebemos uma evolução grande. Antes, as exposições eram carregadas de material, não tinha espaço nem para o visitante circular. Hoje é muito mais leve. Mas, desde os primeiros anos, uma característica permaneceu: a vontade e o prazer de fazer.

De lá para cá, houve também uma mudança em relação ao conceito de atuação de centros e museus de ciência?
Incorporamos logo de início a idéia da interatividade hands-on. Mas esse conceito também foi evoluindo. Temos, hoje, três eixos conceituais de atuação. Primeiro: a interatividade, o que na verdade caracteriza os museus de ciência como um todo. Segundo: a historicidade, no sentido em que a descoberta teve um autor, um contexto histórico. Isso não pode ser escamoteado no museu de ciência. Terceiro: a intervenção social, isto é, fazer divulgação científica significa mudar o mundo. Mas até o conceito de interatividade vem sendo trabalhado. Existe toda uma discussão em torno disso, que começou com o hands-on, depois evoluiu um pouco para o minds-on e hoje está no hearts-on. O museu de ciência, ao receber o visitante, deve fazê-lo se sentir parte dele. O visitante tem que se apropriar daquele acervo e perceber que há ali uma oportunidade para desenvolver uma metodologia científica. No Espaço Ciência, queremos que o visitante participe de um programa de pesquisa verdadeiro. Oferecemos, por exemplo, binóculos para que eles observem aves e registrem o que observam. Com isso, estamos construindo um museu de quarta geração, onde o visitante de fato gera novos conhecimentos.

A interface “Ciência e Arte” está inserida em alguns desses conceitos de atuação?
A divulgação científica em museus está muito ligada ao lúdico. No Espaço Ciência, temos investido muito em arte e ciência, em particular teatro e ciência. Queremos que o nosso monitor, por exemplo, seja um ator, represente. Também trabalhamos com a música. Nosso recepcionista é um embolador, um repentista típico da cultura popular de Recife. Também temos um grupo de teatro com pequenas peças que circulam em diversos locais.

Como foi esse processo de transformação do Espaço Ciência?
Teve como base experiências de outros museus de ciência com trajetórias mais longas de atuação? Foi algo muito pragmático, resultado de avaliações, do retorno do público, de observação de experiências no Brasil e no mundo e de discussão dentro da nossa equipe. Nesse meio tempo, visitei alguns museus de ciência no mundo. Observava exposições, mesmo as de artes plásticas, com outros olhos. Acho que podemos dizer que ainda somos colonizados, sofremos influência muito forte da Europa e dos Estados Unidos. Existe uma concepção de museu já pronta hoje e não é fácil fugir desse modelo. No conceito de museu que estamos desenvolvendo em Recife, contamos com a colaboração de consultores estrangeiros – como o diretor do Museu de Ciência de Boston (EUA), David Ellis, e Ronen Mir, de Israel, que hoje está no SciTech, museu de ciência em Aurora, Illinois (EUA). Tivemos também consultoria do Dietrich Schiel [Leia a entrevista “Colocando a mão na massa”], que já desenvolveu um modelo próprio aqui no Brasil, mais independente. Também tivemos bastante influência da Estação Ciência/USP e de algumas experiências do Museu de Astronomia e Ciências Afins (Mast) e do Espaço Ciência Viva, no Rio de Janeiro, que sempre me encantou em termos de concepção.

Você citou como terceiro eixo de atuação dos museus de ciência a intervenção social. O que o Espaço Ciência desenvolve nesse sentido?
Temos uma série de programas voltados para a comunidade local. Nossa área está cercada por uma população pobre, por favelas. Temos, portanto, problemas de segurança, violência, assaltos. Já que não tínhamos dinheiro para colocar mais policiais, começamos a atrair a população do entorno para que se apoderasse do nosso espaço. Desenvolvemos um projeto de informática, meio ambiente e cidadania com as crianças, por exemplo, que tem tido muito sucesso. Vale destacar também o projeto “Jardim da Ciência”, que forma jardineiros e ao mesmo tempo cuida de nosso paisagismo.

E fora do espaço físico do museu: que atividades são desenvolvidas para integrar ciência e comunidade?
O museu não pode se fechar no casulo da sua sede. Tem que trabalhar em todos os outros ambientes. Por exemplo, ocupamos um edifício histórico no Recife Antigo, a Torre Malakoff, onde funciona nossa área de astronomia, que fica aberta diariamente para observações. Lá recebemos cerca de 60 mil visitantes ao ano. Também desenvolvemos um programa de Encontros de Ciência por todo o estado. Em 2003, foram cerca de 50. Temos um formato pronto, com dois dias de programação. Levamos algumas exposições itinerantes do museu para estimular as escolas locais a apresentarem trabalhos. Procuramos fazer essa exposição no meio da feira de alimentos ou em praças. Convidamos professores de universidades e autoridades para dar palestras. Sempre levamos nosso planetário inflável e promovemos a noite de astronomia. E, em todo lugar que vamos, lançamos a proposta de se criar ali um clube de astronomia. Isso tudo, se soma às exposições temáticas em shoppings e outros locais públicos. Sempre exploramos questões que estão na ordem do dia, como ataques de tubarões, que, aliás, em Recife é um prato cheio.

Há algum envolvimento do museu com as feiras de ciência?
Segundo José Reis [Leia texto em homenagem a José Reis], a feira de ciência é uma revolução pedagógica. Os Encontros de Ciência são preparatórios para o nosso grande acontecimento anual, a chamada Ciência Jovem - PE, a feira estadual de ciências. Temos trabalhado muito com as feiras de ciência e estimulado as escolas a trabalhá-las durante todo o ano letivo e incluí-las no currículo escolar. As escolas preparam suas feiras; algumas cidades, como Olinda, Caruaru e Petrolina, fazem feiras municipais e depois acontece a feira estadual. Incentivamos as escolas a participarem da feira nacional, a SBPC Jovem, que acontece nas reuniões anuais da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). O prêmio para as escolas vencedoras é representar Pernambuco na Reunião Anual da SBPC. É uma rede que se estabelece.

Como você avalia o resultado das atividades do museu, tanto as internas quanto as externas?
Não tenho nada objetivo que possa provar que nossa proposta está funcionando, isso é muito subjetivo. A gente avalia pelo brilho nos olhos das pessoas que saem dali e também pelos depoimentos de professores e alunos. Acho que estamos conseguindo influir de uma forma positiva no ensino da ciência. A rica produção das escolas nas feiras de ciência mostra isso. Mas sei que precisamos fazer uma pesquisa mais objetiva nesse sentido.

Quando surgiu a oportunidade de colocar em prática um projeto de expansão?
Em 1997, a Vitae nos convidou a fazer um projeto de expansão. Fizemos um projeto de 400 mil reais. Nesse meio tempo, a Vitae mudou de idéia e decidiu investir em um grande projeto do Espaço Ciência, sem impor limites financeiros. Aí começamos a fazer um projeto ambicioso. Demoramos seis anos para chegarmos nessa configuração de hoje. Nesse período, a Vitae sempre nos auxiliou com seus consultores. A proposta inicial foi muito modificada, mas o básico permaneceu, que era fazer experimentos a céu aberto, para aproveitar a área de 120 mil metros quadrados que temos.

Quais são as novidades do projeto final?
Criamos duas trilhas, a Trilha da Descoberta e a Trilha Ecológica – uma de ida e uma de volta – em torno do manguezal Chico Science. A Trilha da Descoberta abrange, com diversos experimentos, cinco áreas: água, movimento, percepções, terra e espaço. Há uma filosofia na definição dessas áreas: água é vida; movimento é matéria; vida interage com matéria e cria suas teorias através de percepções; terra é onde estamos e espaço é para onde vamos. A Trilha Ecológica é uma opção de contemplação e reflexão sobre questões da natureza através da observação do ambiente de manguezal. Haverá um formigueiro gigante, no qual as pessoas poderão entrar e ver por dentro; uma casa de vegetação; um canteiro de plantas medicinais (parte do projeto Farmácia Viva). Há, ainda, uma área de jardim muito bonita – um resgate do projeto original de Burle Marx, que havia sido descaracterizado nas intervenções anteriores em nossa área. A trilha inclui um passeio pelo manguezal em barcos de pescadores, uma forma de eles ganharem dinheiro – e nós também. A idéia é explorar um pouco o conhecimento dos pescadores, que serão treinados para dar informações sobre esse ambiente de manguezal. Além das trilhas, há os laboratórios no Centro Educacional, áreas de exposição e um auditório para palestras, shows, cinema e teatro. Incluímos ainda no roteiro da visitação um show de ciência, envolvendo experiências interessantes – como “transformar” água em vinho, introduzir agulhas em bolas e enigmas diversos – que atraem muito a atenção do público.

O prédio antigo foi aproveitado?
O prédio antigo é o pavilhão de exposições, onde temos exibições atraentes para estimular o visitante a conhecer o resto do parque. Ali temos três áreas permanentes, uma chamada de Alta Tensão, outra de Ótica e uma área voltada a crianças entre três e seis anos. Temos também uma área de exposições temporárias, a Janela da Ciência em Pernambuco, mostrando a produção da ciência local. Há ainda outra área de exposições temáticas temporárias. São cerca de mil metros quadrados de área coberta para exposições.

Qual é o valor total do projeto de expansão?
Onze milhões de reais, dos quais 80% vieram da Vitae e o restante do governo estadual, do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) – através da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) – e de alguns recursos privados. O orçamento operacional deve ficar em torno de 500 mil reais ao ano.

Qual a expectativa de público nesse novo formato do museu?
Esperamos que o número suba de 50 para 200 mil visitantes ao ano.

A equipe é formada por quantas pessoas?
A equipe toda conta com cerca de 70 pessoas, sendo que 50 são monitores. Temos coordenação educacional, de exposições, de programas de comunidades, setor administrativo-financeiro, pessoal que trabalha no suporte e elaboração de projetos para captação de recursos, design, um inventor que monta exposições e viabiliza nossas idéias, equipe de limpeza e segurança, coordenadora de comunicações, jornalistas... Enfim, é uma equipe complexa.

Quem é responsável pelo conteúdo científico trabalhado nos experimentos e exposições do museu?
Se um centro de ciência não estiver ligado a um centro de produção do saber, não vai para frente. Ele tem que ser parte integrante de um programa permanente de pesquisa, de produção do conhecimento. Todos esses projetos que estamos desenvolvendo têm interação com universidades e outros centros de pesquisa, principalmente com universidades. Temos consultores especializados e pesquisadores responsáveis por cada área que exploramos no museu.

Qual é, na sua avaliação, o principal desafio dos centros e museus de ciência?
A maioria dos museus de ciência que visitei, inclusive os mais tradicionais, trabalha com experimentos fechados, no sentido em que, antes de testá-los, já se sabe o que vai acontecer. A gente tem que trabalhar com experimentos abertos, que estimulem o visitante a trabalhar mais com hipóteses e a checar essas hipóteses. Deve haver uma preocupação nesse sentido, não de oferecer resposta, mas, sobretudo, gerar indagações. Isso não é simples, mas estamos evoluindo. O ensino de ciências, no início, era baseado no conceito do professor especialista que transmitia seu conhecimento, através de manuais. No final da década de 1960, surgiram propostas de ensino experimental da ciência, com experimentos fechados, era só seguir a receita. Hoje temos uma crítica a esses modelos. O conceito de divulgação científica está muito ligado ao prazer, à brincadeira. Acho que estamos num momento de transição, num momento de revolução pedagógica. Num momento em que começamos a realçar o prazer na produção da ciência, no ensino de ciência, estamos construindo uma nova pedagogia. Ainda é difícil perceber isso, pois estamos no meio da história. Mas acho importante discutirmos e refletirmos melhor sobre este momento para chegarmos a uma nova metodologia do ensino.

Como vice-presidente da Associação Brasileira de Centros e Museus de Ciência (ABCMC), qual a sua avaliação quanto ao desempenho da Associação?
A ABCMC marcou a história da divulgação científica no país. Embora ainda seja nova – foi fundada em 2000 –, é reconhecida como uma associação representativa. O MCT e a SBPC já procuram a ABCMC. Mas acho que nosso trabalho é ainda incipiente. Não temos sequer o cadastro de todas as experiências que são desenvolvidas no país. Há um trabalho muito grande pela frente. Temos uma responsabilidade enorme.

Qual deve ser então o papel da ABCMC?
A tarefa da ABCMC é montar um centro de ciência em cada esquina. Mas o primeiro passo deve ser simplesmente reunir e conhecer tudo o que tem sido feito no país nessa área, para que possamos ter uma atuação unificada. O país também precisa construir um sistema nacional e organizado de educação para ciência e de divulgação em ciência, para que as diversas ações na área não se dispersem. A ABCMC tem o papel de oferecer caminhos àqueles que trabalham com divulgação científica, facilitar seu trabalho, dar infra-estrutura para que se possa potencializar esse trabalho.

Como a sua atuação na área de divulgação científica tem sido avaliada por seus colegas pesquisadores?
No início, eu era estigmatizado dentro da universidade por ser aquela pessoa que aparecia nos jornais, escrevia artigos... Alguns colegas falavam que eu só queria aparecer. Claro que eu sempre quis e quero aparecer nos jornais, porque quero que o trabalho que faço seja divulgado. Se a gente está fazendo divulgação científica, é preciso fazer exatamente isso, usar todos os meios disponíveis.

E hoje? Os pesquisadores aceitam melhor o trabalho que desenvolve?
Sem dúvida. Basta ver o prestígio que tenho hoje, exatamente por fazer o que faço. As pessoas estão percebendo cada vez mais que essa atividade é necessária. O ensino formal de ciência passa por uma série de problemas. Os alunos não são estimulados ao estudo da ciência. Isso é reflexo da própria universidade. O acadêmico, aquela pessoa que estava muito voltada para pesquisa, percebeu que tinha que atuar no ensino médio, no ensino fundamental, para estimular as pessoas a praticarem mais ciência. Assim, a população, de um modo geral, está mais ciente disso. A mudança não foi em nível individual, foi uma consciência coletiva da importância da divulgação científica mesmo.

Você ainda faz pesquisa na área de química?
Claro. Tenho meu grupo de pesquisa, alunos de mestrado e doutorado, bolsistas de iniciação científica, publico minhas pesquisas... Até o CNPq reconhece isso, mantendo minha bolsa de pesquisador e o prestígio.

Como concilia as duas atividades?
Acho que não é conciliar. Uma coisa não pode ser feita sem a outra. Por trabalhar em um museu de ciência, é claro que faço muito mais divulgação científica do que deveria fazer um pesquisador. Mas o pesquisador tem que ser um divulgador também, é uma responsabilidade social. Essa é uma concepção que foge da concepção do alquimista, de que o conhecimento tem que ficar para ele, não pode ser passado ao discípulo. O método científico veio justamente romper com essa idéia alquímica de guardar o conhecimento. O conhecimento só tem valor se for divulgado, se puder ser apropriado por todas as esferas da população.

Os cientistas estão tomando essa consciência?
Estão, mas ainda muito pouco. Pelo menos já estão sendo mais benevolentes com aqueles que já fazem conscientemente essa divulgação científica. Hoje me sinto mais à vontade. No entanto, no CNPq, os consultores ainda não valorizam um artigo de divulgação científica. Acho até que, para os consultores do CNPq, isso conta contra. Eles pensam: “se está fazendo isso é porque está deixando de fazer pesquisa”. O CNPq tem que mudar isso. Se eu publico um artigo no Diário de Pernambuco, isso tem que ter algum peso, por que não? Mas parece que o CNPq está se abrindo para isso e espero que, em breve, essa área seja reconhecida.

Como foi a experiência de trabalhar como “consultor científico” no carnaval carioca e ver a Unidos da Tijuca ser vice-campeã de 2004 com um enredo sobre ciência?
Achei uma coisa espetacular. Não temos ainda dimensão do que aconteceu. Certo dia, em uma viagem de Pernambuco para Teresina, conversei com um sujeito que estava ao meu lado e acabou surgindo esse assunto. Ele contou que a professora de sua filha tinha mandado ela assistir ao desfile e fazer um trabalho sobre o tema. Quem de nós imaginou que, em Teresina, uma aluna de 3ª série estaria fazendo um trabalho sobre o desfile? A experiência mostra que nós que fazemos divulgação e popularização da ciência temos que aproveitar cada vez mais esses espaços e oportunidades. Temos agora que ir para o Maracanã, para o mundão do Arruda... Em termos pessoais, foi também uma experiência muito rica. Eu ali, desfilando na Sapucaí, fantasiado de Santos Dumont, com prazer... Eu estava ali vivenciando o meu discurso.

Biografia

Antonio Carlos Pavão nasceu em 1950, em Quintana, cidade do interior de São Paulo. Foi para a capital estudar química na Universidade de São Paulo (USP), em 1970. Concluiu o mestrado em físico-química em 1976 e tornou-se doutor em 1978 na mesma área. Um ano antes, participou da fundação da Sociedade Brasileira de Química (SBQ), da qual é o sócio número 9.

Em 1979, mudou-se para Recife e, desde então, é professor e pesquisador do Centro de Ciências Exatas e da Natureza do Departamento de Química Fundamental da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Na instituição, promoveu – e ainda promove – uma série de atividades voltadas à divulgação científica. Uma delas foi a criação, junto com o químico industrial Paulo José Duarte, da Semana de Química Fundamental e Tecnológica, em 1986. O evento – realizado até hoje na universidade – conta com grande participação de estudantes universitários e alunos do ensino fundamental e médio de Pernambuco.

Em 1995, foi convidado pelo então secretário de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente de Pernambuco, Sergio Rezende, para assumir a direção do Espaço Ciência, museu interativo de ciência localizado em Pernambuco. Além de dirigir o museu e dar aulas na UFPE, Pavão é vice-presidente da Associação Brasileira de Centros e Museus de Ciência (ABCMC), fundada em 2000 para promover o intercâmbio de idéias, recursos e informações entre centros e museus de ciência brasileiros.

Em 2004, foi para a Sapucaí mostrar que a ciência também pode dar samba. Pavão foi “consultor científico” na elaboração do enredo sobre ciência da GRES Unidos da Tijuca, que foi vice-campeã do carnaval carioca, em 2004.


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