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Fundação Oswaldo Cruz

O presidente negro

“Pois o professor Benson é um homem misterioso que passa a vida
no fundo dos laboratórios, talvez à procura da pedra filosofal.
Sábio em ciências naturais e sábio ainda em finanças,
coisa ao meu ver muito importante. E tão sábio que jamais perde”.

Famoso pela criação do Sítio do Picapau Amarelo, Monteiro Lobato permitiu-se, por um momento, deixar de lado a literatura infanto-juvenil para dedicar-se a este seu único romance adulto, publicado originalmente nas edições dominicais do jornal A Manhã, em setembro e outubro de 1926. Mais tarde, O presidente negro foi publicado também sob a forma de livro, pela Companhia Editora Nacional.

A obra narra a história de Ayrton Lobo, que tomou novo rumo após um acidente de carro. Tendo sido encontrado inconsciente nos arredores da propriedade de um grande cientista – que o acolhe imediatamente –, o protagonista deixa seu trabalho de escritório para aventurar-se nos laboratórios do professor Benson sob o cargo de confidente.

Encerrado no pitoresco castelo onde trabalha e mora, a três quilômetros de Friburgo, Benson escondia duas criações que fascinaram Ayrton: o porviroscópio, instrumento que permite visualizar o futuro – e também o presente e o passado, gerando novas visões da história –, e Miss Jane, sua encantadora filha, cujos cabelos louros e olhos azuis atraem a atenção e os sentimentos do protagonista.

É pelas palavras de Miss Jane que Ayrton conhece melhor as possibilidades do porviroscópio, mesmo depois da destruição do invento, com a morte de Benson. Ouvindo atentamente as histórias do futuro narradas por sua musa, o aprendiz colhe material para escrever um livro que tem como tema principal as eleições presidenciais nos Estados Unidos de 2228. Polêmico pela vitória de um presidente negro, o processo eleitoral envolve interesses de grupos distintos de população norte-americana: de um lado, o poder e a supremacia dos homens brancos; de outro, as mulheres e suas novas propostas científicas e de organização da sociedade.

Na primeira parte do livro – quando Benson apresenta a Ayrton seus laboratórios e experimentos –, uma reflexão sobre a divulgação científica parece permear as falas dos personagens. Embora Benson não comunique ao grande público a grandiosidade de suas invenções, por achar que a população não está preparada para suas conseqüências, o pesquisador trata de torná-las acessíveis ao seu novo confidente, usando linguagem simples, metáforas e outros recursos. “Aqui o professor fala com tal simplicidade e clareza que nem parece um sábio!”, exclama o aprendiz.

Por outro lado, a parte que transporta o leitor ao futuro dos Estados Unidos debruça-se sobre outros aspectos da ciência, sobretudo a ética. Permeado pelos ideais eugenistas, o futuro previsto por Lobato inclui o uso de procedimentos científicos em prol do branqueamento da população norte-americana, seja por meio de estratégias de despigmentação e alisamento dos cabelos, seja por negar aos negros seu direito de gerar descendência. O enredo politicamente incorreto, aliás, gerou profundas discussões sobre o racismo que pode se ter abatido sobre o criador do Sítio do Picapau Amarelo.

Em todo caso, O presidente negro aborda questões que foram muito além do seu tempo e continuam atuais: a emergência dos Estados Unidos como grande potência mundial, a discussão sobre os direitos das mulheres, as transformações trazidas pelos novos meios de comunicação, a percepção de tempo pelo homem moderno, as disputas raciais... Muito embora Barack Obama tenha antecipado em 220 anos a previsão de Lobato sobre a candidatura de um negro à presidência dos Estados Unidos, o autor parece abordar com bastante clareza um dos calos do país que ainda não conhecia ao escrever o romance.


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