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De Penna a Goeldi: surgimento e transformações do Museu Paraense entre o Império e a República

O ano era 1866. A cidade, Belém. Nos jornais, um convite a participar de uma reunião que tinha como principal objetivo a formação de uma “Sociedade Filomática” – em outras palavras, reunir os interessados em fundar no local um museu de história natural. O remetente era Domingos Soares Ferreira Penna (1818-1888), peça fundamental nas origens do Museu Paraense. A missão assumida pela instituição, ainda em estágio embrionário, era clara: instruir a população.

Com o tempo e o apoio de alguns políticos locais, a idéia foi tomando forma. Além das exposições sobre produtos naturais e artefatos indígenas, o novo museu tinha em seus planos oferecer ao povo lições de geografia, história, etnografia e outros temas, além de montar uma biblioteca de obras correlatas. Tudo isso sem perder de vista o desejado progresso econômico que o museu tinha potencial de desencadear, pois, ao exibir vegetais, animais e minerais de interesse comercial, poderia incentivar a agricultura e a diversificação das exportações.

Na hora de sair do papel, os planos para o novo museu esbarraram em dificuldades como falta de uma sede onde instalar o museu, instabilidade política, falta de recursos para contratação de pessoal e falta de meios para conservar adequadamente as primeiras coleções. Em outubro de 1867, o Museu Paraense foi finalmente instalado em uma casa alugada.

As atividades, porém, engrenaram somente em 1871, quando o museu tornou-se oficialmente uma repartição pública e já estava instalado em uma área do Liceu Paraense. Comissões foram instauradas para conseguir objetos a expor na capital e no interior do estado, e, ao abrir, o museu contava com “uma boa coleção de serpentes”, “uma excelente coleção de minerais da Europa” e grandes expectativas.

Contudo, mais uma vez houve uma grande discrepância ente os planos e a prática. Com apenas dois funcionários contratados e orçamento reduzido, o museu estava longe de ser o que Ferreira Penna planejara e, apesar das boas expectativas de crescimento, a jovem instituição enfrentou ainda muitos percalços, incluindo o confisco de parte de seu acervo arqueológico e etnográfico pelo Museu Nacional e culminando com a extinção do Museu Paraense em 1889.

Seu ressurgimento se deu já no período republicano, em 1891, no contexto de uma tentativa de “reforma do povo” e por obra do Diretor Geral de Instrução Pública José Veríssimo (1857-1916), que tentou retomar o projeto de um museu arqueológico e etnográfico, tal qual Ferreira Penna havia idealizado anos antes. Em sua gestão, o Museu Paraense passou por uma nova organização – entre as principais medidas, a criação de seis seções de exibição: Anatomia comparada e zoologia; Botânica e agricultura; Mineralogia e geologia; Numismática, arqueologia e etnologia; Industrial; e Comercial.

Nessa época, o quadro de funcionários do museu ainda era escasso – apenas quatro contratados – e ao diretor cabiam tarefas que iam desde a coleta de espécimes para formar o acervo até o trabalho administrativo. Porém, além desses, o museu passou a contra também com aprendizes sem remuneração para auxiliar o diretor.

Em sua fase republicana, além dos ideais educativos que já o acompanhavam desde sua criação, o Museu Paraense tornou-se também um espaço de pesquisa científica – até então, o acervo era formado por um conjunto de peças, embora curiosas, totalmente desordenadas, que iam de uma lata de sardinhas a uma mão de múmia egípcia, passando por fetos, uma presa de elefante e um morcego albino.

Pouco mais tarde, no governo de Lauro Sodré, a equipe do Museu Paraense ganhou novos móveis e coleções – incluindo um pequeno zoológico –, além de um reforço que marcaria profundamente sua história: o suíço Emílio Goeldi, que assumiu a direção da instituição em 1894.

Seguindo um movimento de especialização dos museus, Goeldi definiu mais claramente o perfil do Museu Paraense, que passou a ser chamado Museu Paraense de História Natural e Etnografia. Com esse objetivo, o novo diretor levou o museu para uma nova sede, onde iniciou uma série de obras que se prolongaram por mais de oito anos. Entre as suas prioridades estavam o acondicionamento e a exposição adequados do acervo, além da preparação de um jardim zoológico e um horto florestal. Um detalhe curioso é que as obras incluíam o preparo de moradias para funcionários do museu: Goeldi fazia questão de que todos morassem ali, fundando uma verdadeira colônia científica, que teve entre seus membros vários pesquisadores europeus convidados pelo diretor.

As atividades iam de vento em popa e, com o tempo, a nova sede ficou pequena demais para o acervo. A coleção se espalhava por gabinetes de trabalho, corredores e onde mais fosse possível dispor armários e estantes. Pela primeira vez, o público começou a ter acesso apenas a parte do acervo do Museu Paraense, agora dividido ente duas categorias: exposição, destinada à visitação pública, e científica, reservada ao desenvolvimento de pesquisas.

Nessa época, os moradores de Belém reagiram com grande curiosidade à reformulação do museu e os índices de visitação alcançaram números bastante expressivos, incluindo gente de todas as classes sociais. Para o público, que vivia em ambiente urbano e tinha pouco contato com o mundo natural, os principais atrativos eram os animais vivos do zoológico. Goeldi mantinha esse interesse vivo anunciando constantemente suas novas aquisições e a reprodução em cativeiro das espécies. Algumas pessoas, autorizadas pelo diretor, chegavam a passar a noite no museu, aguardando o florescimento da vitória-régia.

Os 13 anos que Goeldi passou à frente do Museu Paraense, embora o diretor não tenha obtido sucesso na construção do edifício monumental que planejava, foram notáveis na história da instituição. De gabinete de curiosidades a instituição dedicada à história natural da região amazônica com índices de público impressionantes para a época, o museu deve grande parte de sua identidade ao ex-diretor, que hoje empresta também seu nome à instituição.

Fonte:

SANJAD, Nelson R. A Coruja de Minerva: O museu paraense entre o Império e a República, 1866-1907. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2005. 442p. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-graduação em História das Ciências e da Saúde,  Casa de Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz, 2005.


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