Publicada em: 01/01/2001 às 08:00
1946 - 1980


Sputnik e a Guerra Fria em jornais e revistas cariocas
Núcleo de Estudos da Divulgação Científica

Numa época em que a ciência era identificada diretamente com o poderio militar – estamos falando das décadas de 1950 e 1960, em que a corrida armamentista entre os blocos capitalista e socialista definiam os rumos das pesquisas –, a divulgação de temas de ciência em jornais e revistas não escapava ao conflito ideológico. De uma maneira geral, a imprensa brasileira da época retratava as descobertas científicas feitas pela ex-União Soviética como ameaças militares ao ocidente, o que demonstrava o posicionamento político brasileiro sob a influência norte-americana.

Quando os soviéticos surpreenderam o mundo capitalista ao anunciar o lançamento, em 1957, do primeiro satélite artificial da Terra, o Sputnik, os jornais e revistas cariocas já estavam repletos de reportagens sobre perspectivas da ciência para o futuro e reforçavam o imaginário futurista a época, repleto de discos voadores e seres extraterrestres.

As notícias sobre o lançamento do Sputnik vinham acrescidas de reflexões sobre os benefícios e malefícios da pesquisa científica, especialmente no tocante ao grupo ideológico que dominasse esses avanços da ciência. "Bipe... bipe... bipe... assim será o som do futuro, e no momento ele tem sotaque russo", dizia matéria publicada no jornal O Globo em 9 de outubro daquele ano.

De uma maneira geral, a cobertura de O Globo era pautada por uma postura claramente anticomunista, enfatizando as conquistas da indústria bélica e tecnológica dos Estados Unidos. Mesmo na ocasião do lançamento do Sputnik, em que a liderança russa era incontestável, o jornal questionava o êxito e destacava os defeitos do projeto soviético; por outro lado, enaltecia o projeto espacial norte-americano, sugerindo que, em segredo, ele já teria colocado um satélite artificial na órbita do planeta.

Em oposição, a cobertura do evento apresentada pelo jornal Correio da Manhã destacava o sucesso da experiência russa e dedicava espaço mais amplo ao debate entre os dois setores ideológicos. O jornal noticiou que mesmo os cientistas norte-americanos ficaram admirados com a conquista de seus rivais e publicou dados técnicos de altitude e freqüência dos sinais emitidos pelo Sputnik, além de perspectivas de futuras experiências com animais no espaço, com comentários de cientistas brasileiros sobre o tema.

As matérias do Correio não apresentavam o projeto russo como ameaça, mas como importante avanço científico, e, embora também abordassem os projetos simultâneos de foguetes e satélites norte-americanos, não lhes dava o destaque oferecido em O Globo.

Já nas revistas semanais O Cruzeiro e Manchete, a notícia do lançamento do satélite russo ganhou fotorreportagens que também mostravam o posicionamento político e ideológico de seus editores.

O Cruzeiro, caracterizada pelos apelos emocionais e sensacionalistas – as matérias sobre discos voadores eram mais freqüentes e contavam com mais destaque do que aquelas sobre as pesquisas espaciais –, preparou sobre o Sputnik uma cobertura semelhante à de O Globo, em que a ciência soviética era tratada como ameaça a ser combatida pelos projetos norte-americanos. Os títulos das reportagens, como “O satélite e o pânico” (16 de novembro de 1957) e “O céu espera a Lua americana” (7 de dezembro de 1957) deixam clara essa tomada de posição.

Por outro lado, a cobertura da Manchete, principal concorrente de O Cruzeiro, era mais didática e oferecia informações detalhadas sobre a ciência envolvida na corrida espacial. A reportagem “Sputnik, plataforma para a Lua” (19 de outubro de 1957), de dez páginas, ressaltava o sucesso soviético e explicava o atraso dos norte-americanos com base em dificuldades enfrentadas pelas forças armadas daquele país.

Durante alguns meses, portanto, a imprensa brasileira se transformou num amplo fórum de debates sobre a corrida espacial e a Guerra Fria. Além das reportagens, crônicas e charges também abordavam o assunto e enquetes eram realizadas para coletar as impressões dos leitores. Na sociedade, as repercussões do lançamento do Sputnik também eram claras: foram lançados produtos homônimos ao satélite, houve diversas manifestações públicas, fez-se um filme (“O homem do Sputnik”) e até uma igreja foi construída com arquitetura semelhante ao projeto russo.
 
Fonte:

CARDOSO, José Leandro Rocha. A Ciência em Órbita: Guerra Fria, Corrida Espacial e Divulgação da Ciência na Imprensa Carioca (1957/1961). Niterói: UFF, 2003. 150p. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-graduação em História, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2003.


Brasiliana