Publicada em: 01/01/2001 às 09:00
1946 - 1980


O feito de Lattes e a ciência em jornais do Rio de Janeiro e de São Paulo em 1948
Núcleo de Estudos da Divulgação Científica

Em março de 1948, a imprensa brasileira noticiava tardiamente uma experiência realizada nos Estados Unidos em fevereiro do mesmo ano e que obteve, pela primeira vez, mésons π em laboratório. A equipe que realizou o feito contava com a participação do físico brasileiro Cesar Lattes e, por isso, a notícia ganhou espaço nos jornais nacionais.

O diário A Noite, por exemplo, publicou cobertura extensa sobre o tema, incluindo uma entrevista com Lattes antes da viagem aos Estados Unidos, uma entrevista com José Leite Lopes, que falou sobre o trabalho do colega, e textos e diagramas explicativos sobre a experiência que foram enviados ao jornal pelo próprio Lattes. A descoberta rendeu matéria de capa de A Noite, que, no mesmo período, publicou também matérias sobre outros temas científicos, como a prática das ciências no Brasil e a participação de pesquisadores brasileiros em congressos internacionais.

Lattes e sua participação na obtenção de mésons π em laboratório também foram destaque de capa dos jornais A Manhã – que também dedicava espaço freqüente à ciência, tanto em matérias de capa quanto em colunas como a “Nota científica”, que apresentava resultados de estudos recentes –, O Jornal – no qual apareceu na forma de declarações de Lattes sobre a experiência –, Jornal do Commercio e Folha da Manhã – onde um dos colunistas de ciência era o médico e jornalista José Reis. Neste último, a cobertura do trabalho de Lattes foi acompanhada de um panorama histórico das pesquisas em física nuclear.

Outro jornal paulista, O Estado de S. Paulo, seguiu o exemplo da Folha da Manhã e mobilizou a equipe local para complementar as informações recebidas de agências de notícias internacionais. Além de realizar entrevista exclusiva com Lattes, o jornal ouviu o pesquisador Gleb Wataghin, da Universidade de São Paulo, comentando o experimento e aproveitou a notícia para discutir de forma mais ampla a prática da pesquisa física em São Paulo.

De uma maneira geral, a descoberta de Lattes foi descrita como “sensacional”, “revolucionária” e “transcendental”, algo que “assombrou o mundo”. O cientista era apresentado como “jovem gênio” e comparado a grandes nomes da ciência internacional. Todo esse otimismo inspirou uma série de textos em defesa da ciência brasileira, como o artigo “O fenômeno Lattes”, publicado por José Reis na Folha da Manhã em 20 de março de 1948:

“[Lattes] eleva o nome da pátria, torna-a respeitada nos círculos mais austeros e mais uma vez demonstra aos olhos céticos que não somos apenas o país do carnaval [...] Nossos institutos de pesquisa têm produzido valores humanos e obras científicas que encontram nos grandes centros estrangeiros a maior consideração, embora continuem na pátria esquecidos, desprezados e desconsiderados”.

À exceção de A Noite e Folha da Manhã, que ofereceram aos leitores elementos para compreender o experimento realizado por Lattes, os jornais trataram a descoberta de maneira pouco crítica, guiada pelo entusiasmo de ver um brasileiro tomar parte num feito importante para a ciência mundial. Por isso, a clareza e a correção das informações nem sempre foram observadas, sobretudo nos periódicos que se limitaram a reproduzir notas de agências de notícias.

Fontes:

COSTA, Bernardo Esteves Gonçalves da. Ciência na Imprensa brasileira no pós-guerra: o caso do suplemento "Ciência para Todos" (1948-1953). Rio de Janeiro: UFRJ, 2005. 203p. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-graduação em História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2005.


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