Fiocruz
no Portal
neste Site
Fundação Oswaldo Cruz

Darcy Fontoura de Almeida

Romper a fronteira entre pesquisa e divulgação

Como pode um cientista conciliar as atividades de pesquisa e divulgação científica sem prejudicar uma delas? Na trajetória do geneticista carioca Darcy Fontoura de Almeida, esse dilema simplesmente não existe: para ele, dividir com a sociedade os resultados dos estudos é uma atribuição do cientista, inerente à sua prática. Em vez de atrapalhar a pesquisa de ponta, as atividades de divulgação podem completá-la e devem ser estimuladas.

A tarefa, no entanto, não é fácil: Darcy enxerga na crescente especialização do conhecimento e na proliferação de estudos interdisciplinares um grande desafio à divulgação científica de qualidade. Nesta entrevista concedida a Bernardo Esteves em junho de 2004, o geneticista discute formas de superar esse obstáculo e faz um balanço dos mais de vinte anos de atuação na divulgação científica.

Darcy conta como ajudou a fundar a revista Ciência Hoje, no início dos anos 1980, relembra o período em que foi o editor do Informe (que depois se tornou Jornal da Ciência) e a experiência que teve na realização de conferências para o grande público.

Leia aqui a biografia de Darcy Fontoura de Almeida

O senhor se graduou em medicina. De onde surgiu essa opção?
Minha inclinação inicial era para a química: eu adorava trabalhar no laboratório desde o colégio. Mas na época existiam apenas as grandes linhas de formação e só havia escolas de química industrial. Então cursei medicina, porque ela tinha ramificações extensas e variadas e eu também poderia, eventualmente, trabalhar em laboratório. Logo no primeiro ano do curso havia três cadeiras: histologia, anatomia e biofísica. A massa dos estudantes se interessava mais por anatomia, porque queriam ser clínicos ou cirurgiões, queriam já começar a dissecar os cadáveres. Eu abominava sentir o cheiro do formol e manipular aquelas peças. Então encontrei a biofísica, e isso ficou expresso desde as primeiras avaliações. A turma brilhou em anatomia e histologia e tirei a nota mínima. Mas em biofísica a turma foi medíocre e fiz um provão: tirei nota 9.

Há alguma razão específica para seu interesse pela biofísica?
Eu tinha um amigo chamado Carlos Alberto Blando, que ingressou no curso de medicina um ano antes de mim. Quando entrei para a universidade, ele disse: "Aproveite e compre meu livro de biofísica, que nunca mais vou ler". O livro era Biophysical chemistry, de Edward S. West. Comprei, comecei a ler e fiquei encantado: foi uma descoberta fantástica. Li-o todo, como se fosse um livro de aventura. Meu inglês não era muito bom, mas ia ao dicionário e ficava até tarde lendo.

Como o senhor começou a se envolver com as atividades de pesquisa
Meu primeiro professor de biofísica foi o bioquímico mineiro José Moura Gonçalves. Ao fim do ano, ele me apresentou ao doutor Chagas, porque queria que eu trabalhasse lá. Fiz logo, no verão de 1950, o curso de métodos físicos aplicados à biologia e à medicina e aprendi a mexer em todos os equipamentos. Quando acabou esse curso, fui dar aulas práticas para meus colegas do primeiro ano, para ensinar a eles o que eu tinha aprendido. Chagas estava captando uma série de estagiários – Luís Renato Caldas, Aloysio Meirelles de Miranda, Roger Faure, Salomão Baruki, Edson Leitão, Maury Miranda. Ele fundou o Instituto de Biofísica da Universidade do Brasil, em 1945, com o núcleo de pesquisadores que formara entre 1937 e 1949, ou seja, já havia ali uma atmosfera de pesquisa. Adorei e vi que era aquilo mesmo que queria.

E como era sua rotina de pesquisa naquela época?
Eu pesquisava respiração celular, media o consumo de oxigênio, tudo muito precisamente, era algo de que gostava muito. Eu ficava lá o dia todo, lendo artigos, discutindo e pesquisando. Fazíamos pesquisa atrás de pesquisa no laboratório, todo dia, dia e noite, sem horário. Quando fazíamos um experimento que não dava certo, às oito da noite, Moura mandava lavar tudo e recomeçava. Com isso, eu saía de lá por vezes às três da manhã, dormia até três da tarde e voltava para lá. Aprendi coisas espetaculares na prática e verifiquei que o trabalho de laboratório era de dedicação integral – esse era um dos preceitos que Chagas pregava. Aquilo era o paraíso para mim. Eu gostava muito, tanto que fiquei lá a vida inteira.

E a divulgação científica, como aparece na sua carreira?
Datar o surgimento desse interesse é muito difícil. Desde o início achava interessante fazer com que meu trabalho fosse tão acessível quanto qualquer tipo de assunto. E a melhor maneira de me aproximar disso era através da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Era em torno da Reunião Anual da SBPC que a maioria das sociedades científicas se reunia. Era uma festa, com gente de todas as especialidades. E ali se fazia divulgação. Hoje em dia, as reuniões anuais têm um trabalho de difusão ainda mais amplo do que naquela época, com o comparecimento de uma audiência muito numerosa e heterogênea.

Como funcionava a SBPC na época em que foi criada a Ciência Hoje?
As secretarias regionais da SBPC, de modo geral, não eram muito ativas. Quando Ennio Candotti assumiu a Secretaria Regional do Rio de Janeiro, foi uma revolução. Ele começou a pensá-las como entidades que tivessem um papel social e cultural maior, que promovessem eventos. Roberto Lent havia criado uma nova estrutura na Secretaria Regional do Rio de Janeiro, o que foi muito importante. Ele instituiu uma pequena diretoria e um conselho com cerca de oito membros, aberto a qualquer especialidade, e, com isso, conseguiu fazer um conselho com interesses científicos vários. Achei uma temeridade, lembro-me de dizer a ele: "Lent, você vai criar uma estrutura enorme, vai ser uma complicação". Mas ele deu conta.

Como foi sua aproximação do grupo que fundou a revista?
Eu estava então mais próximo de Roberto Lent, que tinha ido trabalhar também no Instituto de Biofísica. Eu já era sócio da SBPC e comecei a freqüentar a Secretaria Regional do Rio de Janeiro. Fazíamos reuniões do conselho sempre à noite. E foi ali que surgiu a idéia de fazer uma revista de divulgação, em torno de 1980. Mas não tínhamos dinheiro nem nada. Fizemos uma peregrinação, primeiro na Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), mas não houve um engate entre a posição da direção e nossa aspiração e não conseguimos os recursos para fazer uma publicação.

Quem mais havia no núcleo que criou a revista?
Estavam envolvidos no projeto, Ennio Candotti, Roberto Lent, Alberto Passos Guimarães, eu mesmo e inicialmente também Renato Bruschi, que se afastou depois de participar das primeiras reuniões. Por dois mandatos consecutivos, fui eleito para representar a Secretaria Regional do Rio na SBPC nacional. Em 1982, quando foi criada a revista, eu estava nessa posição

E de que forma foi possível viabilizar a criação da revista?
Um dia, entre o final de 1981 e o princípio de 1982, estávamos numa reunião da diretoria nacional e houve um telefonema do Lynaldo Cavalcanti de Albuquerque, então presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Ele perguntou se interessaria à SBPC fazer uma revista de divulgação científica. A reação geral foi contrária: "Mas já temos a Ciência e Cultura, que é uma revista excelente". De fato, mas era uma revista com uma parte técnica, com tiragem limitada, só para os sócios. Eu disse que, no Rio, já estávamos pensando nisso há algum tempo e tínhamos um projeto pronto, e então permitiram que eu trouxesse o projeto para o Rio.

Quem mais estava envolvido com o projeto em seu início?
Os editores éramos nós quatro: Ennio Candotti, Roberto Lent, Alberto Passos Guimarães e eu. Trabalhando conosco, havia o pessoal que conhecíamos: Alzira Alves Abreu, Ângelo Machado, Antônio César Olinto, Henrique Lins de Barros, José Monserrat Filho. E havia ainda a representação da SBPC: José Reis, Maria Isaura Pereira da Queiroz, Oswaldo Frota-Pessoa, Otávio Velho, Pedro Malan, Reinaldo Guimarães e Rui Cerqueira. Esse era o grupo que começou o conselho editorial. José Leite Lopes também nos ajudou muito.

Onde foi instalada a revista?
Tramamos a revista em reuniões na casa de um de nós ou no bar do Manoel [no campus da Praia Vermelha da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)]. A casa em que hoje funciona a redação era do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), mas tinha pouco uso, era o laboratório de química. Era cheio de vidrarias, e conseguimos que desocupassem uma salinha, onde pusemos uma mesa, um telefone e Zélia Freire Caldeira, secretária que Ennio trouxe do campus da ilha do Fundão. Não tinha mais nada.

Como foi o primeiro número de Ciência Hoje?
Pegamos as pessoas que estavam mais disponíveis e fizemos o primeiro número, que é muito interessante. Começamos com o artigo do Roberto Lent, "Cem bilhões de neurônios". Tinha também que ser eclético, difundir o que era feito em todos os ramos da investigação científica. Então esse número trazia também artigos sobre índios e música. E tinha ainda um cunho político: o primeiro número discutia política científica, universidade e educação. Fazíamos questão que fosse uma revista brasileira: queríamos mostrar o que estava sendo feito aqui, o que era a ciência nacional.

Como foi recebida essa edição?
Na 34a Reunião Anual da SBPC, em Campinas, montamos uma banquinha e começamos a vender assinaturas, ficávamos os quatro revezando nessa função. A repercussão foi boa, tínhamos muitas assinaturas. As pessoas adoraram, vendemos um bocado lá num estande improvisado, a revista realmente era muito bonita.

Foi difícil manter a continuidade da revista?
O dinheiro que o CNPq tinha dado para fazer o primeiro número, lógico, acabou. Para a segunda edição, conseguimos dinheiro com o CNPq de novo. Numa primeira fase, conseguíamos subsídio. Num momento posterior, os recursos passaram a ser repassados pela SBPC, o que acabou se tornando uma fonte de atrito, porque a direção julgava que fazíamos gastos absurdos.

Como era o cotidiano da redação da revista?
A secretaria funcionava o dia inteiro no campus da UFRJ e cada um de nós tinha sua própria ocupação, todos continuavam a fazer pesquisa. Mas todos os dias, no fim da tarde, reuníamo-nos e trabalhávamos na revista. A gente fazia o que tinha de ser feito para a revista ficar pronta: rever artigos, discutir com o editor de texto, telefonar para os colaboradores. Ninguém tinha uma tarefa definida. Houve um momento em que experimentamos trabalhar em duplas: dois cuidavam do número que estava correndo e dois preparavam o próximo, depois trocávamos. Fiz dupla com Alberto Guimarães, fizemos uns dois ou três números assim. A gente fazia de tudo, chegamos até a colar linhas para completar a página. Eu não sabia fazer isso, mas não havia quem fizesse...

Que profissionais trabalhavam na revista além do grupo que a fundou?
Para tarefas especializadas como projeto gráfico, tratamento artístico, ilustrações e impressão, chamamos profissionais, pois não nos atreveríamos a realizá-las. Contratamos Sérgio Flaksman, que era o editor de texto, muito competente. George Duque Estrada, designer que havia feito o projeto gráfico, fazia com grande eficiência e agilidade o “pão-com-manteiga”. Ele ficou conosco nos primeiros números e depois veio Gian Calvi, que era muito inventivo.

A revista chegou a fazer um grande sucesso, não?
A Ciência Hoje se tornou um veículo muito difundido e elogiado. E, como pretendíamos, era muito usado em sala de aula, para trabalhos, e para consulta, como referência. Nesse período, a procura aumentou muito, tivemos que aumentar a tiragem. Chegamos a um ponto em que tiramos 70 mil exemplares, em meados dos anos 1980. O projeto era muito simpático, tinha um charme. Tanto é que fomos à Rede Globo e conseguimos que eles pusessem no ar, no seu horário quente, chamadas da Ciência Hoje. E conseguimos – de graça – que várias personalidades, como Chico Buarque e Fernanda Montenegro, apresentassem a revista. Isso evidentemente teve um impacto, a revista passou a ser conhecida do grande público e a tiragem começou a aumentar.

Apesar do sucesso, a trajetória da revista foi sempre marcada por dificuldades financeiras. Como o senhor vê isso?
O problema crônico da Ciência Hoje era o de ter sido concebida como um veículo que, apesar de sua inserção no mercado, com assinaturas e venda em bancas, marginalizava o aspecto comercial. O produto era altamente vendável, como demonstrou o crescimento da tiragem, mas não sabíamos como lidar com esse fenômeno. Teria sido necessário considerar e desenvolver o aspecto comercial, em busca da crescente vendagem da revista e da sua estabilidade financeira. Essa tarefa exigia uma estrutura especial, que não dominávamos.

E como se lidava com essas dificuldades
Confesso que passamos por muitos apertos, dificuldades imensas. Realmente não foi uma trajetória limpa de obstáculos, foi bem complicada. Tínhamos dificuldade de saldar nossos débitos, pagar a gráfica, coisas sérias. E, bem ou mal, fomos levando e conseguimos chegar a um ponto de certa estabilidade, com atendimento dos custos de feitura da revista. Acho que é um objetivo que foi alcançado. Apesar de todos os custos e dificuldades, sempre mantivemos nossa linha, nunca cedemos a interesses outros que não fossem os interesses da ciência brasileira. Acho isso muito bonito.

Com o sucesso, Ciência Hoje deu origem a “filhotes”, como a CH das Crianças e o Jornal da Ciência. Como foram criadas essas publicações?
Nessa época, fazíamos reunião do conselho editorial com o pessoal de outros estados: eles passavam o dia todo aqui, ficavam até a noite. Foi nesse conselho que nasceu, por exemplo, a Ciência Hoje das Crianças [link], em 1986, inicialmente incentivada por Ângelo Machado e Oswaldo Frota-Pessoa, e, um ano antes, o Informe. O Informe nasceu da cabeça do Monserrat, que um dia apareceu com uma folhinha mimeografada, perguntando o que a gente achava daquilo. Era o número zero. O Informe saía a cada 15 dias e era enviado para os departamentos das universidades – a idéia não era ganhar dinheiro com aquilo. Em seguida, o nome mudou para Jornal da Ciência Hoje e, anos depois, simplesmente Jornal da Ciência.

O senhor editou o Informe por um tempo. Como foi essa experiência?
Essa foi uma época de muita atividade para mim: tornei-me professor titular, fui membro do conselho deliberativo do CNPq, do conselho da Finep, da diretoria da SBPC... Editar o Informe foi uma experiência maravilhosa. Fiquei uns dois anos nessa função. Quem fazia o recolhimento de notícias eram Luisa Massarani e Sergio Portella. No dia do fechamento, havia uma reunião rápida, tudo num tempo curto, para discutirmos o assunto quente da semana para o editorial publicado na primeira página, que era escrito por mim. Tentávamos dar um toque humorístico, na medida do possível, para tornar mais palatável esse mini-editorial. Eu gostava muito de fazer isso. Às vezes, no final, faltavam ou sobravam duas linhas, e era encantador acertar o texto.

O Informe tinha na política científica seu tema principal. A política tem que estar presente nos veículos de divulgação?
Sim, porque a pessoa que se interessa pela ciência deve também ser informada sobre o que está ocorrendo em termos de política científica. Assuntos com grande impacto social, como, por exemplo, os transgênicos, têm de ser colocados na sua perspectiva científica. A bomba atômica era uma questão científica no início, mas depois se tornou uma questão política e social. É preciso discutir o controle da energia nuclear, que pode ser usada tanto para fazer a bomba atômica quanto uma máquina para curar doenças. Pode-se destruir e salvar vidas com a mesma energia nuclear, e é preciso deixar isso claro para as pessoas. Com os transgênicos, é a mesma coisa. Por isso, a política científica tem o seu lugar na Ciência Hoje desde o início. É claro que não se devem colocar as coisas numa revista de divulgação da mesma forma que num documento de governo. Mas as pessoas têm que se informar para poder participar com bom substrato dessas discussões, mesmo se não forem cientistas.

Desde o início, a revista Ciência Hoje publicou muitos artigos de cientistas. Como avaliar os artigos de divulgação escritos pelos pesquisadores?
Sempre houve uma “batalha” entre cientistas e jornalistas. O cientista escrevia um artigo, que deveria ser muito modificado na redação, porque às vezes o autor não sabe como escrever para o público, escreve muito tecnicamente e, em alguns casos, é impossível publicar. Alguns cientistas ficavam enfurecidos, mandavam retirar o artigo. E não adiantava explicar que a revista não era técnica, e sim de divulgação científica... Teve gente que ficou muito aborrecida conosco. Às vezes encomendávamos um artigo, mas ele não vinha da forma como queríamos e não nos interessava publicá-lo. Alguns autores cobravam a publicação, era muito desagradável. Por outro lado, os jornalistas querem mudar tudo, e vira um cabo de guerra.

Qual deve ser o papel do cientista nos veículos de divulgação científica?
Acho que o cientista deve ter um papel de supervisão, muito semelhante ao de um consultor numa publicação de divulgação científica. Tem que haver cientistas na revista, até para avaliar o que deve entrar. O mais importante é o papel de alertar para o que está ocorrendo, embora isso já esteja sendo feito – os jornalistas hoje lêem a Science e a Nature. Mas os cientistas podem estabelecer uma ponte e chamar a atenção para coisas importantes que estão escondidas. Nas disciplinas mais especializadas, há coisas fantásticas acontecendo, que só os especialistas sabem.

Como o senhor avalia sua participação no projeto que criou a Ciência Hoje?
Foi um esforço que fiz com grande dedicação e interesse e felizmente frutificou. Custou-me muito suor, mas sinto-me realizado: valeu a dedicação. Foi uma das grandes realizações da minha vida: sempre que vou fazer uma conferência, peço que digam que sou professor emérito da UFRJ, membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e co-fundador da Ciência Hoje.

O senhor ainda acompanha a revista?
Deixei de receber a revista e não tenho lido mais. Acompanho sua versão eletrônica, porque é mais ágil e tem coisas de interesse imediato. Confesso que não leio os artigos: não dá mais tempo, atualmente tenho outros interesses.

E quais são seus interesses atuais?
Sempre me interessei por história da ciência contemporânea e estou trabalhando nisso agora nos arquivos da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), pesquisando a história do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho. É muito interessante, porque trabalhei com Chagas por 50 anos, era muito ligado a ele. Ele foi meu mestre, depois meu companheiro e amigo.

E, recentemente, o senhor tem feito também conferências de divulgação científica.
Isso é o que mais tenho feito atualmente. Adoro fazer isso. Agora entendo por que os cientistas mais velhos e experimentados fazem muitas conferências: chega o momento em que a gente sente que pode fazer. Há algo que aparece com a idade, no fundo com a experiência, para fazer associações e poder apresentar. E você aprende a fazer direito.

Em que instâncias são realizadas suas conferências?
Realizei cursos e conferências com maior intensidade em eventos da SBPC e da Sociedade Brasileira de Genética (SBG). Dei cursos sobre biologia molecular, terapia gênica, bioinformática e história da ciência contemporânea. Muitas vezes, esses cursos e conferências eram levados, a convite, a outros departamentos da universidade, o que ainda acontece hoje.

Que exemplo o senhor citaria entre as conferências que fez?
Em 2003, fui chamado pela SBG para dar uma conferência sobre os 50 anos do DNA, um assunto que estudei muito e conheço bem. Minha idéia foi, em vez de escrever um artigo sobre Watson e Crick, como todos os jornais já tinham feito, escrever sobre os cientistas periféricos que foram fundamentais para a descoberta do DNA. Fiz uma narrativa contando a história dos 50 anos da descoberta da estrutura do DNA, sem dar bola para Watson e Crick. Só no final falei sobre eles. Levei um mês para fazer a conferência, mas valeu a pena. Foi uma experiência ótima, nunca tive um reconhecimento tão espontâneo em um congresso. Claro que foi uma conferência para pessoas de pós-graduação e graduação, não para especialistas, embora alguns amigos meus tenham gostado. E tive que repeti-la mais quatro vezes: a última saiu no Boletim do Acadêmico da ABC.

Como cientista, de que maneira o senhor viveu o dilema entre dedicar-se à pesquisa ou à divulgação?
Vivi esse dilema juntando uma coisa a outra. Aprendi que tudo o que apresentamos pode ser mostrado sob forma de narrativa, como uma história. Se você tecer os fios de uma história, a pessoa se interessa mais. Faço isso muito em conferências, até hoje, e tenho tido bons resultados. Esse tipo de trabalho não me atrapalhou em nada, uma vez que sempre me interessei por divulgação científica, especialmente para alunos de graduação. Além disso, um de meus hobbies preferidos é a leitura de biografias de cientistas que atuaram a partir do final do século XIX.

Que diferença o senhor vê entre a divulgação científica feita hoje e na época em que foi criada a Ciência Hoje?
A diferença da divulgação científica de 1982 e a de hoje é gritante. Uma das razões pelas quais tentávamos fazer Ciência Hoje era não haver, na época, um veículo de divulgação periódico, com vida sustentável. Hoje, evidentemente, o panorama mudou muito. Primeiro, as grandes empresas jornalísticas, brasileiras e estrangeiras, perceberam que aqui havia um espaço enorme para a entrada de veículos desse tipo, e muitas revistas foram criadas. Ainda bem, porque era isso que queríamos. Hoje, a revista Pesquisa Fapesp [link], por exemplo, é muito bem feita e me agrada muito, embora tenha um interesse muito centrado em São Paulo. Outro ponto importante é que os jornais diários e as revistas semanais e mensais começaram a introduzir uma seção, pequena ou grande, sobre ciência. Enfim, a atividade científica passou a fazer parte do noticiário geral da imprensa falada e escrita nesses 22 anos.

A que o senhor atribui esse aumento do espaço para a ciência na imprensa?
Acho que isso se deve, pura e simplesmente, ao aumento da população. Isso é interessante e positivo porque passamos a ter uma fração da população que, por menor que seja, está sendo bem informada e, dessa maneira, também pode se manifestar, pelos meios disponíveis, a respeito de política científica, quando for o caso.

Quais serão os maiores desafios para a divulgação científica, no Brasil, no futuro?
Acho que a grande dificuldade será a necessidade cada vez maior de especialização. É preciso ler toda semana, porque a velocidade de evolução do conhecimento é muito rápida. Se acompanhar a evolução do conhecimento científico na minha própria área já é difícil, fica muito mais complicado acompanhar as áreas vizinhas. Manter uma divulgação precisa e exata vai depender cada vez mais de conhecimentos muito mais sofisticados. Às vezes, é muito difícil simplificar o conhecimento, especialmente quando se trata de um fenômeno interdisciplinar, que se encaixa em campos que cobrem fronteiras várias. Porque aí tem conhecimentos e conceitos de várias áreas, e isso não é fácil para o especialista e muito menos para o leitor comum. Mas deve ser possível explicar qualquer coisa para qualquer um, e esse é o desafio.

Biografia

Darcy Fontoura de Almeida nasceu no Rio de Janeiro, em 1930. Filho de imigrantes portugueses, se graduou em medicina pela Universidade do Brasil (atual Universidade Federal do Rio de Janeiro), em 1954.
 Sua trajetória acadêmica se confunde com a do Instituto de Biofísica dessa universidade. Ainda estudante, passou a integrar o grupo de pesquisa de Carlos Chagas Filho e tomou gosto pela instituição – "tanto que fiquei lá a vida inteira", conta.

Darcy tornou-se professor emérito do Instituto e, embora tenha se aposentado em 1998, ainda está ligado a ele: atualmente, dedica-se a pesquisas históricas sobre a criação dessa instituição e a biografia de Chagas Filho. O geneticista é ainda professor visitante do Laboratório Nacional de Computação Científica e membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC).


Versão para impressão: