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Fundação Oswaldo Cruz

José Reis

“É grande o prazer de tentar compreender o que é difícil e depois transformá-lo em algo menos hermético, para gozo dos outros.”
José Reis

Em maio de 2002, o Brasil perdeu um importante divulgador de ciência: José Reis. Ele morreu aos 94 anos, em São Paulo, em decorrência de uma pneumonia, deixando um legado significativo de artigos, livros e iniciativas, frutos de seu trabalho em prol da popularização e da melhor compreensão da ciência.

Nascido em 12 de junho de 1907, no Rio de Janeiro, José Reis era o 12º de uma família com 13 filhos. Em relatos e depoimentos, conta que seu gosto pelo conhecimento e a vocação para difundi-lo são frutos do ambiente familiar em que cresceu, cercado de irmãos ligados ao magistério.

Manteve desde cedo uma vida educacional rica e produtiva. No Colégio Pedro II, não lhe agradavam as aulas de ciências físicas e naturais, por demais teóricas, na sua avaliação. Para complementar sua formação, freqüentava o Museu Nacional, o Jardim Botânico e pesquisava, na Biblioteca Nacional, livros relacionados à história natural. Tinha uma facilidade com línguas, que lhe permitia ler textos em versões originais, o que considerava uma grande vantagem.

De 1925 a 1929, cursou microbiologia na Faculdade Nacional de Medicina. Segundo seus relatos, as aulas na faculdade não atendiam minimamente suas expectativas, o que o levou a entrar para um curso de aplicação no Instituto Oswaldo Cruz. Em Manguinhos, encontrou o ambiente universitário com que tanto sonhara, e a convivência com pesquisadores do porte de Carlos Chagas acabou mudando o seu rumo profissional: desistiu de se tornar médico e decidiu se dedicar à pesquisa.

Em 1929, recém-formado, recebeu convite para trabalhar como bacteriologista na Divisão Animal do Instituto Biológico de São Paulo. No Instituto, teve a oportunidade de trabalhar com Henrique da Rocha Lima e Arthur Neiva, pelos quais nutria grande admiração profissional. Lá também conheceu o zoólogo Rodolfo von Ihering, que o influenciou a entrar no campo da ornitopatologia (termo criado pelo próprio). Von Ihering desafiou Reis a pesquisar uma peste que matava as galinhas de um sitiante. Para isso, Reis precisou se aproximar da comunidade e aprender a falar com as pessoas e a escrever para elas da maneira mais simples possível. Para divulgar as técnicas corretas de criação das aves e o modo de prevenção contra as pestes, Reis distribuía folhetos esclarecendo as principais dúvidas dos criadores. Nessa época, começou a escrever artigos para Chácaras e Quintais e outras revistas agrícolas. Todo seu trabalho no campo da ornipatologia foi publicado nos livros Doença das aves domésticas (1932), destinado a criadores, e Tratado de Ornitopatologia (1936) – em parceria com Paulo Nóbrega e Annita Swensson Reis –, considerado um dos mais completos na área.

A partir desse episódio, Reis começou a se dedicar à divulgação da ciência no Brasil, incorporando a seu cotidiano de pesquisa a tarefa de difundir os conceitos e processos da ciência ao grande público.

Em 1948, estreou na então Folha da Manhã, jornal que deu origem à Folha de São Paulo. Ele recebeu a incumbência de dirigir uma seção permanente de ciência – “No Mundo da Ciência” , que passou a ser publicada todo domingo, a partir de 1º de fevereiro de 1948.

Nesse mesmo ano, Reis participou da fundação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). A proposta de criação da entidade – debatida inicialmente por Reis, Maurício Rocha e Silva (Instituto Biológico), Paulo Sawaya (Universidade de São Paulo) e Gastão Rosenfel (Instituto Butantan) – foi uma resposta à necessidade de se criar no Brasil uma sociedade que congregasse os cientistas e que divulgasse a ciência por todos os cantos do país. Em 1949, surgia a primeira publicação da entidade, a revista <13.link|Ciência e Cultura>>, da qual Reis foi diretor por dois períodos: de 1949 a 1954 e de 1972 a 1986.

Em 1958, Reis se aposentou no Instituto Biológico e passou a se dedicar exclusivamente à divulgação da ciência.

Nos anos 60, Reis, na posição de diretor editorial da Folha de São Paulo (1964-1967), lançou no jornal duas campanhas pró-educação. Uma combatendo o conceito de educação como bem de consumo, outra envolvendo professores e alunos do ensino fundamental na organização de feiras de ciência. A segunda campanha levou Reis a viajar por todo o país, visitando as feiras de ciências nas cidades onde já aconteciam e implantando-as onde ainda não havia. De um dos artigos que escreveu para Folha de São Paulo sobre suas aventuras nas feiras de ciências surgiu o apelido “caixeiro-viajante” da ciência.

Além das feiras de ciência, Reis dedicou-se também à formação de clubes de ciência pelo país e foi o idealizador do concurso “Cientistas de Amanhã”. Todas essas iniciativas tomaram forma graças à atuação do Instituto Brasileiro de Educação, Cultura e Ciências (Ibecc) de São Paulo, ligado à Unesco. O Ibecc e Folha também agiram conjuntamente durante 25 anos na manutenção de uma seção de ciência criada por Reis no suplemento infantil “Folhinha de São Paulo”. A responsável pela coluna foi, nesses 25 anos, a socióloga Maria Julieta Ormastroni, diretora do Ibecc/SP.

Reis trabalhou durante 20 anos na Instituição Brasileira de Difusão Cultural S. A. (Ibrasa), escrevendo e editando livros de divulgação científica. Escrevia sobre ciência para crianças e elaborava roteiros para rádio-teatros.

Em 1964, José Reis foi agraciado com o Prêmio John R. Reitemeyer, conferido pela Sociedade Interamericana de Imprensa e pela União Panamericana de Imprensa. Ele foi o primeiro brasileiro a receber, em 1975, o Prêmio Kalinga, da Unesco. Foi ainda homenageado com a criação, em 1978, pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), de uma gratificação com o seu nome: o Prêmio José Reis de Divulgação Científica; com a criação, em 1992 do Núcleo José Reis de Divulgação Científica, na ECA/USP; e ainda em 2001, com a fundação, por iniciativa do NJR, da Associação Brasileira de Divulgação Científica (ABRADIC).

Em depoimento escrito para a revista Ciência e Cultura, em 1982, Reis afirmou: “Alguns se contentam em divulgar sua própria especialidade, ou ciências muito afins. Talvez pelas circunstâncias da época em que comecei, quando era quase nula a divulgação sistemática em quase todos os terrenos, ou quem sabe pela curiosidade que sempre senti por muitos assuntos, preferi aventurar-me à divulgação de muitos temas, desde a biologia até astronomia e as ciências sociais”. Disse, ainda: “Suponho até que a alegria do divulgador é maior que a do mestre, que ensina em classes formais. O divulgador exerce um magistério sem classes”.


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