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Fundação Oswaldo Cruz

Ernst Hamburger

Ciência, carnaval e futebol

O físico e professor Ernst Hamburger costuma dizer que o desafio da divulgação científica no Brasil é tornar a ciência um assunto tão popular quanto o carnaval ou o futebol nas rodas de conversa.

Com 20 anos de atuação no campo, Hamburger ajudou a criar e dirigiu por quase dez anos a Estação Ciência, centro de divulgação ligado à Universidade de São Paulo (USP). A instituição serviu e serve de modelo para implantação de iniciativas similares Brasil afora. Além disso, o físico esteve diretamente ligado à fundação da Associação Brasileira de Centros e Museus de Ciência (ABCMC), em 1998, através da qual tem estimulado uma maior articulação entre os centros de ciência brasileiros.

Na área de educação, participou da reformulação dos currículos de física nas escolas do Brasil.

A atuação de Hamburger foi coroada, no ano 2000, com o Prêmio Kalinga de divulgação científica, que só três brasileiros haviam recebido.

Na entrevista a seguir, concedida a Bernardo Esteves em fevereiro de 2004, Hamburger passa em revista sua carreira, avalia o crescimento recente da divulgação científica no Brasil e enumera as medidas que considera necessárias para levar a ciência à boca do povo, ao mesmo título que o carnaval ou o futebol.

Leia aqui a biografia de Ernst Hamburger

O senhor já tinha algum interesse pela divulgação científica quando atuava como pesquisador na área de física nuclear?
Durante os anos 1960, dediquei-me à pesquisa em física nuclear nos aceleradores de partículas da Universidade de São Paulo (USP) e no exterior. Mais ou menos nessa época, houve uma ação de popularização: realizei uma série de palestras sobre física nuclear com demonstrações de experimentos de radioatividade, para leigos e interessados. A série foi patrocinada pelo Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura (Ibecc) e realizada em uma sala da Faculdade de Medicina da USP.

Em que momento de sua carreira acontece uma opção mais sistemática pela divulgação científica?
O interesse pelo ensino da física do ensino médio nos levou a realizar exposições científicas. O principal incentivo foi a última aproximação do cometa Halley, em 1986. Os jovens colegas do Instituto Astronômico e Geofísico da USP vieram conversar comigo, sugerindo que fizéssemos uma exposição sobre o cometa. Fizemos então uma exposição no campus da USP, inaugurada no início do ano. Ela era modesta, abrigada no edifício de Geografia, e tinha cerca de 300m2.

Qual foi a repercussão dessa exposição?
A mídia deu muito espaço à aproximação do cometa, e o interesse pela exposição foi enorme. Com poucos meses, tivemos 70 mil visitantes. Chegou a haver congestionamentos de ônibus de escolas na Cidade Universitária! Eu me dei conta, então, de que a exposição científica era um excelente meio de nos aproximarmos das escolas. Antes disso, as ações dentro da universidade limitavam-se a cursos de atualização para professores. O impacto com a exposição do Halley foi muito maior entre as escolas, porque atingiu diretamente os alunos, e não somente os professores. Percebi que esse era um meio muito forte de relacionamento da universidade com a rede escolar.

Que outras exposições o senhor organizou depois dessa?
Cheguei a coordenar uma grande exposição sobre energia patrocinada pelas empresas de energia do estado de São Paulo e a Petrobras. Ela foi organizada em 1987, no prédio do Museu de Tecnologia localizado vizinho à USP, e também teve bastante sucesso. Em seguida, transferimos a parte de física para um prédio da Escola Politécnica, onde havia um espaço que podia ser usado para exposições, e a mantivemos aberta para escolas que agendavam as visitas durante vários anos, até 1994.

Como foi para o senhor a opção pela divulgação científica em detrimento da atividade de pesquisa?
Dentro da área científica, o que se valoriza é a pesquisa. Quem dá preferência à divulgação científica de certa forma se afasta da pesquisa de fronteira. É difícil fazer ambos. A opção pela divulgação se fez natural e gradualmente. Naquela ocasião, essa era a contribuição mais significativa que eu podia dar.

Nem todos os cientistas têm a preocupação de divulgar seus trabalhos...
Entre os cientistas, a ênfase tem sido a publicação de papers, ou trabalhos científicos que saem em revistas especializadas. Gradualmente, difunde-se entre os próprios cientistas a idéia de que, além dessas publicações para a comunidade científica internacional, é importante que sejam feitas publicações para o público local leigo. Isso não é uma tarefa fácil. Os cientistas têm exposto os resultados apenas para os colegas. Às vezes, é complicado explicar de forma acessível um trabalho científico sofisticado, que tomou muitos anos, em qualquer área da ciência. Isso exige um treino, um tipo de didática para atingir a população leiga. Aos poucos, mais cientistas brasileiros estão assumindo isso. Nesse sentido, a revista Ciência Hoje é importante e pioneira, porque nela os próprios cientistas divulgam seus trabalhos. Mas ela nasceu focada em um público mais universitário, e ainda é um pouco difícil para um público mais amplo.

Falemos um pouco da sua trajetória na Estação Ciência. O senhor participou da criação desse centro?
A fundação da Estação Ciência foi feita em junho 1987 pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), na gestão do professor Crodowaldo Pavan. O plano de estabelecer um centro de ciência era anterior, do governo Franco Montoro no estado de São Paulo. A inauguração se deu no início do governo Orestes Quércia. O CNPq recebeu um prédio cedido pelo estado e o reformou. Ali se estabeleceu a Estação Ciência. Na época da fundação, quem produziu os materiais da exposição de física foi o nosso grupo do Instituto de Física (IF) da USP e o Centro de Divulgação Científica e Cultural (CDCC), ligado ao Instituto de Física e Química da USP de São Carlos.

E qual foi a contribuição do seu grupo?
Nosso laboratório forneceu grande parte dos aparelhos da exposição de física da Estação Ciência. No IF, eu tinha estabelecido um laboratório de demonstrações, com aparelhos à disposição dos professores para que fizessem demonstrações em sala de aula. Desde o começo da USP, a Escola Politécnica e a Faculdade de Filosofia, de onde veio o acervo do instituto, tinham muitos aparelhos desse tipo, trazidos inicialmente do exterior. Estabeleci o laboratório de demonstrações reunindo os materiais que a gente já tinha e construindo novos aparelhos, já no fim dos anos 1960 e no começo dos anos 1970. Como nosso laboratório tinha fornecido grande parte dos aparelhos da exposição de física da Estação Ciência, cuidamos da manutenção desses aparelhos. No entanto, nessa época eu estava mais ocupado com as exposições que mantínhamos no prédio da Escola Politécnica da USP, visitadas por muitos estudantes.

Quais foram os principais desafios da sua gestão à frente da Estação Ciência, entre 1994 e 2003?
Logo que assumi a coordenação, havia uma série de desafios. Um deles era a própria institucionalização da Estação Ciência dentro da universidade. Ela tinha sido passada do CNPq para a USP, mas não constava no organograma da universidade, nem tinha regimento. Durante os primeiros anos, fizemos propostas para torná-la um centro de ciências da USP. As verbas tinham sido relativamente pequenas naqueles anos, e consegui um certo aumento de recursos, tanto do CNPq quanto da própria universidade. Mais importante foi a dinamização das atividades. A Estação Ciência tinha uma exposição interativa que recebia visitas principalmente de classes escolares – nessa época tínhamos cerca de 200 mil visitantes por ano. Logo percebi que, para o tamanho da cidade de São Paulo, os cinco mil m2 da Estação Ciência eram amplamente insuficientes: em uma metrópole de 20 milhões de habitantes, só poder receber 200 mil por ano é uma limitação muito grande. Por isso, era necessário que a Estação Ciência conseguisse fazer divulgação científica também fora das suas paredes. Começamos, então, vários programas com exposições itinerantes e buscamos a interação com a mídia. Produzimos alguns programas de vídeo de divulgação científica, chamados Minuto Científico, que fizeram muito sucesso, mas infelizmente não foram continuados. Surgiu depois um grupo de teatro, encenando peças de divulgação científica, inclusive para o público jovem.

Uma das principais realizações recentes da Estação Ciência é o Projeto Clicar 8. Como surgiu essa iniciativa?
Quando assumi a Estação, havia cerca de dez meninos de rua, das imediações da Estação Ciência, que freqüentavam o centro. Contratamos educadoras experientes, que tinham trabalhado em programas inovadores do governo estadual para crianças de rua, e pertenciam a uma organização não-governamental. Observamos o que mais atraía as crianças na Estação e logo percebemos que eram os computadores. Só tínhamos dois ou três computadores XT, um modelo bem antigo que já estava fora de moda naquela época. Conseguimos a doação de um número maior de máquinas mais modernas e fizemos um programa de alfabetização e socialização dirigido especificamente para esses meninos e meninas, tendo o computador como instrumento principal e utilizando também todo o acervo da Estação Ciência. Esse programa teve um sucesso muito grande: simplesmente por transmissão boca-a-boca, rapidamente cresceu o número de crianças interessadas. Não há freqüência obrigatória ou um programa pré-estabelecido: elas vêm quando querem e têm muita liberdade de mexer no computador. Isso se revelou um modo muito rico de congregação das crianças e de comunicação com elas. Foi estabelecida uma relação de confiança com as educadoras que é muito importante na vida dessas crianças, que são desassistidas e sozinhas.

Como anda o processo de renovação da Estação Ciência?
As primeiras exposições que procuramos renovar na minha gestão foram as de física: tentamos acrescentar novas experiências, inclusive de física moderna. Depois, houve um programa de renovação de todos os aparelhos expositivos que ainda está em curso e deve terminar em 2004. Acaba de tomar posse o novo diretor, Wilson Teixeira, que foi diretor do Instituto de Geociências da USP até recentemente e é membro da Academia Brasileira de Ciências. Uma parte sobre o corpo humano será inaugurada ainda em 2004, e há também uma parte de biologia molecular, mas ainda resta um longo caminho a percorrer. A dificuldade da Estação Ciência é que a área expositiva é de cerca de 3.500 m2: é muito difícil apresentar todas as ciências nesse espaço. Os grandes museus de ciência têm dez vezes isso ou até mais. É preciso fazer uma escolha, não dá para apresentar tudo ao mesmo tempo. Mas há planos de aumentar o número de visitantes abrindo mais horas por semana.

Que balanço o senhor faz de sua gestão à frente da Estação Ciência?
Tenho a sensação de dever parcialmente cumprido. O que gostaríamos que a Estação Ciência fosse ainda está longe de ser atingido. Andamos um bom pedaço, mas de modo algum atingimos o ideal. Houve avanços em todos os setores, mas não são suficientes. Há muito para se melhorar, tanto na qualidade e atualidade das experiências exibidas quanto na apresentação ao público. Nas ciências biológicas, por exemplo, ainda estamos muito atrasados: a biologia molecular está pouco presente. Deveriam ser melhoradas a qualidade dos painéis e as explicações, o atendimento ao público... Há muito a ser trabalhado, inclusive o próprio número de visitantes. Durante as reformas que fizemos no acervo, diminuímos esse número e agora precisamos aumentar de novo, mas isso vai caber aos novos diretores.

A Estação Ciência também teve um papel importante na institucionalização dos museus de divulgação científica no Brasil...
A Estação Ciência esteve muito ativa na articulação dos centros e museus de ciência no Brasil e na América Latina. Uma das funções parcialmente cumpridas é que houve maior agitação desse meio, tanto no estado de São Paulo quanto no Brasil. No país como um todo, novos centros de ciência se formaram. Um dos papéis da Estação Ciência foi atuar em muitas frentes e dar maior visibilidade para a divulgação científica, com a realização de eventos ou a produção de materiais para a divulgação da ciência e o ensino de ciências. Há todo um leque de atividades que está sendo tocado que inclui a produção de exposições itinerantes, vídeos, programas de rádio e televisão ou a realização de cursos para professores.

Como foi sua participação na fundação da Associação Brasileira dos Centros e Museus de Ciência (ABCMC)?
Em 1990, foi fundada no Rio de Janeiro a Rede de Popularização da Ciência na América Latina e Caribe (RedePop), que hoje tem 64 membros titulares (na época eram uns 30). Estive presente na reunião de fundação, que se realizou no Museu de Astronomia e Ciências Afins (Mast), representando a exposição do Instituto de Física da USP montada no prédio da Escola Politécnica. A RedePop realiza reuniões regulares a cada dois anos e tem bastante influência para sabermos o que está sendo feito nos outros países e nos outros estados do Brasil. Em 1997, na reunião da RedePop na Argentina, propusemos e assumimos a preparação de um projeto de desenvolvimento da popularização da ciência na América Latina a ser submetido ao Banco Interamericano do Desenvolvimento, do qual acabaram participando 34 centros de ciência. Esse projeto mostrou que não estávamos articulados dentro do Brasil. Não tinha sentido a gente se articular somente pela associação latino-americana e não haver uma associação brasileira. A fundação da ABCMC, que se deu em 1998, foi fruto dessa mobilização. A Estação Ciência teve papel essencial nesse processo: ela propôs a criação e, por meu intermédio, assumiu a presidência. A ABCMC logo permitiu que os centros de ciência tivessem acesso ao Ministério de Ciência e Tecnologia e aos órgãos financiadores e passassem a ter uma ação mais orgânica que está em desenvolvimento com a atual diretoria, que tem à frente José Ribamar Ferreira, diretor do Museu da Vida da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Qual é o papel dos centros e museus de ciência na divulgação científica?
Centros e museus de ciência podem popularizar a ciência com mais desenvoltura que as escolas, que têm uma série de dificuldades pelo tamanho da tarefa que elas já encontram e por sua falta de infra-estrutura. Essas instituições podem ser um recurso extracurricular muito precioso para qualquer escola, seja de nível médio, elementar ou superior.

Como o senhor enxerga a evolução dos centros de ciência no Brasil?
Eles sempre desempenharam um papel significativo. A renovação do ensino de ciências foi liderada pelo Ibecc, cujo fundador, Isaías Raw, logo convenceu o governo a criar centros de ciência em todo o país. Em meados dos anos 1960, foram criados Centros de Ensino de Ciências em vários estados: Cecisp, em São Paulo; Cecierj, no Rio; Cecimig, em Minas; Ceci-RS, no Rio Grande do Sul; Ceciba, na Bahia; e Cecine, em Pernambuco, para a região Nordeste. Esses centros tiveram papel significativo na renovação dos currículos do ensino de ciências, sobretudo na escola média. Os novos projetos que surgiram privilegiavam a experimentação em sala de aula e a discussão dos resultados, o que influiu na elaboração dos livros didáticos e na formação dos professores.

E o cenário atual de centros de ciência, como o senhor avalia?
Os centros contemporâneos já têm uns dez anos, o que mostra um grande dinamismo e uma grande expansão dessa área. A cada ano são criados novos centros de ciência, públicos ou privados. No mundo, eles são, na maioria, órgãos independentes, que se financiam com apoio público, mas com grande capital da iniciativa privada. No Brasil, estão ligados, sobretudo, a universidades e centros de pesquisa, essa é a maior diferença. Cada vez mais as universidades têm atuado na área de extensão e estão motivadas a formar centros de ciência.

Como foi receber o Prêmio Kalinga?
Quem propôs minha candidatura ao Prêmio Kalinga foi a Academia Brasileira de Ciências (ABC). Aceitei a indicação, encaminhei a documentação, enviada pela ABC à Unesco, em Paris, que promove o prêmio. Recebi o prêmio do ano 2000, o que foi uma surpresa, porque dois anos antes outro brasileiro, Ennio Candotti, havia sido premiado, e não é comum um país ser agraciado em anos quase seguidos. Demorei em poder viajar à Índia para receber o prêmio, que foi entregue em Nova Delhi. Na ocasião, também fiz uma palestra na Academia de Ciências da Índia e, em seguida, viajei e fiz palestras em várias instituições do interior daquele país.

O que esse prêmio representa para o senhor?
O prêmio foi muito importante para mim. Sinto-me como parte de um grupo de cientistas brasileiros que levam adiante a divulgação cientifica. O Brasil já tem quatro prêmios Kalinga: José Reis (1974), Oswaldo Frota-Pessoa (1982), Ennio Candotti (1998) e eu. Aliás, o Prêmio José Reis de Divulgação Científica foi instituído para homenagear o próprio, porque o CNPq se deu conta de que ele tinha sido premiado no exterior com o Kalinga antes de ser homenageado no Brasil.

O senhor recebeu outros prêmios além do Kalinga...
Em 1993, recebi o Prêmio José Reis, que foi de certa forma o que me levou à Estação Ciência logo depois. Senti-me muito valorizado. Recebi ainda o Prêmio Latino-Americano de Popularização da Ciência e da Tecnologia de 2002-2003 da RedePop, na categoria individual. A Estação Ciência já tinha recebido esse prêmio em 1996-1997, na categoria instituição, junto com o Museu de Astronomia e Ciências Afins (Mast) e o Programa Red de Museos y Centros Interactivos, da Colômbia.

Como o senhor enxerga o avanço da divulgação científica no Brasil?
Existe uma atividade de divulgação científica antiga e constante no país. Ela ainda está longe de satisfazer as necessidades que enxergo, mas tem avançado e se tornado cada vez mais forte. Atualmente, temos várias revistas de divulgação científica, e não mais apenas Ciência Hoje, Globo Ciência [link] (hoje Galileu) e Superinteressante [link]. Temos também a edição brasileira da Scientific American e a revista Pesquisa Fapesp [link]. Apesar da crise econômica, a divulgação científica está crescendo, inclusive nos jornais. Em São Paulo, a Folha e o Estado têm regularmente muito mais matérias de ciência do que há alguns anos, o que indica uma conscientização geral da importância desses assuntos.

E como o senhor avalia esse impulso recente?
Isso é ótimo, porque a divulgação científica está crescendo rapidamente e, em geral, é de bom nível. Mas ela ainda é insuficiente para a demanda educacional do Brasil.

O que tem sido feito no sentido de se aprimorar a educação científica no Brasil?
Estamos trabalhando em um projeto de iniciação cientifica nos primeiros anos da escola fundamental. Da 1a à 4a série, fazem-se poucos experimentos, e a grande limitação é que as professoras primárias têm uma formação científica muito fraca e receio de trabalhar com esse tipo de assunto. Há um movimento internacional iniciado nos EUA, com o nome Hands-on, que foi levado para a França, com o nome La main à la pâte [Mão na Massa], que está sendo implantado em escala-piloto em várias secretarias de educação. O projeto consiste em um trabalho com as professoras primárias para que elas se sintam seguras para realizar experimentos em classe e depois discuti-los com os alunos, em paralelo com a alfabetização propriamente dita. Temos observado efeitos positivos na assimilação dos conceitos científicos e das noções básicas de matemática, além de uma aceleração da própria alfabetização. Esse tipo de projeto coloca em contato alguns cientistas com os professores primários, o que enriquece muito a ambos.

O que é preciso fazer para que a divulgação científica no Brasil alcance um patamar satisfatório?
A educação ainda é insuficiente no país: é muito importante ampliarmos a gama de ação da divulgação científica. Nosso alvo em longo prazo seria que as ciências fossem assuntos tão comuns quanto o carnaval ou o futebol, na rua, nos botequins e nas ocasiões sociais. Atualmente, as conversas sobre ciência ainda são exceção, pelo menos na televisão, que é o meio de maior penetração. Nesse sentido, o enredo sobre ciência apresentado pela Unidos da Tijuca no carnaval de 2004, no Rio, foi uma iniciativa muito interessante. Não chegou a transmitir muita ciência, mas foi altamente válida por levantar a curiosidade do público para esses temas.

E como tornar a ciência tão popular quanto o carnaval ou o futebol?
Muitas coisas são necessárias. Temos a necessidade de formação de pessoal, seja na área da comunicação, seja na área científica para a divulgação. O número total de pesquisadores no Brasil é muito pequeno: falta pessoal para cobrir tanto a pesquisa básica quanto a aplicada, por isso temos tão poucos divulgadores. Já os jornalistas e os profissionais de comunicação precisam conhecer melhor a ciência e se interessar por divulgá-la. Aos poucos, isso começa a mudar: cursos de jornalismo científico ainda não existiam, mas agora há no estado de São Paulo, por exemplo, vários cursos de especialização para jornalistas. Além disso, as agências de fomento começam a tomar consciência da importância da divulgação científica e a dedicar recursos para essa área.

Biografia

Ernst Hamburger nasceu na Alemanha em 1933, filho de uma família judia que se refugiou no Brasil três anos depois, em decorrência da ascensão do nazismo. Graduou-se em física no Brasil e fez seu doutorado nos Estados Unidos.

Na volta, ingressou na USP em 1960 e atuou como pesquisador na área de física nuclear experimental. Nessa época, realizou suas primeiras exposições sobre ciência para o público leigo e ajudou na elaboração de um novo currículo escolar de física.

Nos anos 1980, passou a se dedicar mais às atividades de divulgação, com a publicação de artigos e livros sobre física, a realização de exposições e a atuação à frente da Estação CiênciaEstação Ciência. Hamburger é professor titular aposentado do Instituto de Física da USP, membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e integra a diretoria da Associação Brasileira dos Centros e Museus de Ciência (ABCMC), que ajudou a criar.


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