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Maurice Bazin

Ciência para brasileiro ver

O que o pêndulo de Foucault exposto em um museu ou centro de ciência pode representar para o povo brasileiro? Nada, avaliou o físico francês Maurice Bazin.

Responsável pela criação de um dos primeiros centros interativos de ciência do Brasil, o Espaço Ciência Viva, Bazin defendeu que esse tipo de instituição deve ser criada e pensada para atender à comunidade local e formar educadores do povo brasileiro. Um bom museu ou centro de ciência, segundo o físico, é aquele que contagia o público, como acontece no carnaval: você começa a cantar e de repente está sambando. “Gostaria que as pessoas sambassem ciência e não saíssem dos museus impressionadas”, defende.

Nesta entrevista, concedida a Carla Almeida em julho de 2004, Bazin falou do novo projeto em que estava envolvido: a então chamada Escola Parque Arte Ciência (EPAC), hoje Sabina - Escola Parque do Conhecimento. Trata-se de um espaço interativo e experimental de ciência de mais de 8 mil metros quadrados, no município de Santo André (SP), inaugurado em 2007, do qual Bazin foi consultor científico. O físico falou também sobre sua formação, na França e nos Estados Unidos, sua carreira de professor em diversas instituições, sua experiência no Exploratorium e, entres outras iniciativas, sobre a criação do Espaço Ciência Viva. 

Leia aqui a biografia de Maurice Bazin

Como você veio parar em Santo André?
O ex-prefeito Celso Daniel, assassinado em janeiro, tinha um projeto para construir um museu interativo de ciência e de experimentação. A Secretaria de Educação de Santo André decidiu criar a Escola Parque Arte Ciência, EPAC, baseada nesse projeto. Por isso me chamaram como perito. Quem sugeriu meu nome foi Luís Carlos de Menezes, professor de física da Universidade de São Paulo (USP).

Na década de 1980, você foi um dos criadores do Espaço Ciência Viva, no Rio de Janeiro, também com a perspectiva de ser um espaço experimental. De quando data sua ligação com a ciência experimental?
Fui formado pela École Polytechnique, uma escola militar, habitualmente elitista, onde a ciência e a matemática são extremamente fortes. Lá tive acesso às pessoas que estavam na ponta da ciência da época. Ainda aluno, participei do grupo de pesquisa experimental dirigido por Leprince Ringuet. Foi a primeira vez que tive contato com a física mesmo. Construíamos nossos próprios instrumentos de estudo. Essa formação experimental, absolutamente concreta, ficou comigo quando fui para os Estados Unidos fazer meu doutorado, na Universidade de Stanford.

Como foi a experiência nos Estados Unidos? Seus estudos também eram voltados à física experimental?
Eram, e as exigências do meu orientador eram maravilhosas. Ele nos fazia construir todo o nosso equipamento de detecção das partículas que estudávamos. Havia uma outra exigência: como estudantes de pós-graduação, tínhamos que pesquisar e acompanhar os estudantes da graduação nos laboratórios de ensino de física. Paralelamente à minha tese experimental, fiz um curso maravilhoso com um grande matemático, Menahem Schiffer, que tinha conhecido Einstein. Outro estudante, Ronald Adler, e eu decidimos fazer um livro junto com o professor, a partir desse curso, chamado Introduction to General Relativity, editado pela primeira vez em 1965 na famosa série da MacGraw-Hill.

Quando veio ao Brasil pela primeira vez?
Acabei meu doutorado em 1962. Minha primeira mulher, uma norte-americana, e eu viajamos seis meses pela América Latina e África antes de voltarmos à França. Fazíamos turismo político. Foi quando descobri o Terceiro Mundo. Nessa época, já tinha uma posição política bem definida graças ao contato com um grupo de jornalistas em Stanford. Também tinha sido muito influenciado pelo sucesso da Revolução Cubana. Quando passei pelo Brasil, Paulo Freire estava coordenando o programa de alfabetização nacional. Passei menos de um mês no Brasil. Tive uma experiência maravilhosa, conheci várias pessoas que iniciavam o que hoje chamamos de sociedade civil organizada. Depois, atravessamos para a África e subimos a costa até chegarmos a Paris.

De volta a Paris, quais eram suas ambições?
Fiquei muito pouco tempo na França. Queria ensinar, mas o elitismo dos pesquisadores e professores impediu. Teria que continuar sendo pesquisador, publicando tudo com o nome do diretor do laboratório. Pela minha experiência nos Estados Unidos, sabia que não precisava ser assim. Em 1964, voltei para lá, dessa vez para a Universidade de Princeton. Estava novamente em contato com pessoas excepcionais. Era comum estar conversando com colegas ganhadores do Prêmio Nobel. Lá, orientei estudantes e fiz física experimental. Depois, em 1968, fui para a Universidade de Rutgers, em Nova Jersey, onde fiquei até meados dos anos 1970.

Como foi viver nos Estados Unidos nos anos 1970, em meio ao movimento feminista, às manifestações dos negros e, ainda, no período da Guerra do Vietnã?
Me meti em tudo isso. Esses movimentos me ajudaram a ligar minha profissão à vida. Na minha formação e como professor tive a sorte de estar sempre perto de pessoas que não forçavam o formalismo sobre os alunos, mas sim a verdade experimental da vida de um físico. Isso foi muito importante. Estava sempre procurando situações nas quais pudesse compartilhar o prazer da descoberta e fazer coisas úteis para a sociedade.

Você chegou a se integrar diretamente a algum desses movimentos?
Participei da criação do grupo chamado inicialmente de Cientistas e Engenheiros para Ação Social e Política (Sespa, em inglês). Nos anos 1970, o grupo se transformou no movimento chamado Ciência para o Povo [Science for the People, em inglês] e se criou uma publicação trimestral homônima. Conseguimos criar um fórum dentro da Sociedade Americana de Física e meus colegas me pediram para fazer o discurso de apresentação desse fórum. Na época, o discurso teve grande repercussão. Foi republicado em vários jornais underground nos Estados Unidos todo. Ildeu [de Castro Moreira] traduziu o texto para o português e circulou mimeografado no Brasil. Também me juntei a pessoas que eram de países subdesenvolvidos. Na Universidade de Rutgers, ensinávamos para um número grande de estudantes negros e de origem espanhola, além dos brancos habituais. Isso nos obrigava a abrir um espaço para todas essas pessoas. Criei, então, um curso que se chamava “Ciência para os povos do Terceiro Mundo”.

Quando você decidiu trocar o Primeiro Mundo pelo Terceiro?
Saí da vida universitária norte-americana em 1973 porque meu lado educador me levou a tomar uma decisão: pegar o ano sabático e passar seis meses no Chile. A idéia era praticar lá trabalho similar ao de Paulo Freire no Brasil. Chamei esse trabalho depois de Alfabetização Técnica. Trabalhei com uma cooperativa de 80 operários que fabricava material elétrico para instalação de linhas elétricas. Aprendi a soldar e o soldador aprendeu alguma coisa sobre eletricidade. Fiquei lá praticamente até o golpe de Pinochet. Conheci, no Chile, minha primeira mulher brasileira, Tetê Moraes. Voltamos aos Estados Unidos e depois fomos para Portugal. Ficamos lá de 1976 até 1978, quando a abertura política permitiu que ela voltasse ao Brasil.

Em 1983, quatro anos depois de chegar ao Brasil, você já havia participado da criação do Espaço Ciência Viva. Você já conhecia muitas pessoas daqui?
A primeira pessoa que conheci quando cheguei ao Brasil foi Ildeu [de Castro Moreira]. Também tinha conhecido Ennio Candotti, em 1970, em Cuba. Ensinamos e fizemos, junto a uma equipe, formação de professores durante um mês e meio no Instituto Pedagógico em Cuba. Ennio tinha viajado escondido do poder militar repressor brasileiro e eu, do poder repressor norte-americano. Mas logo que cheguei ao Brasil fui trabalhar no departamento de física da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), dando um curso de relatividade geral. Juntei-me, imediatamente, a Pierre Lucie, um francês que ajudou a fundar aquele departamento. Enquanto dava aulas sobre relatividade para alunos de cursos avançados, também trabalhava com Pierre nos laboratórios de ensino. Fizemos toda uma redinamização nos laboratórios. Quem me pagava era a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), porque fazia parte de um projeto de melhoria do ensino de física nas universidades federais brasileiras.

Nessa época, havia no Brasil uma grande agitação política, que se refletia na educação, nas artes e na cultura de um modo geral. A divulgação científica foi uma das atividades que ganhou mais espaço. Como você se inseriu nesse movimento?
Quando reencontrei Ennio, ele convidou umas dez pessoas – entre elas Ildeu, algumas pessoas da Fiocruz, Jair Koiller e eu – para uma reunião em sua casa. Esse encontro resultou na criação do projeto “Ciência às Seis e Meia”. Nossa idéia era promover uma série de apresentações dinâmicas sobre temas científicos, com grande participação do público. Foi muito difícil encontrar um espaço físico para desenvolver o projeto. A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) estava muito marcada pela sua posição contrária a do governo na questão do programa nuclear. Além disso, ainda era considerado subversivo fazer conferências abertas ao público geral. Acabamos fazendo os encontros em um teatro na Avenida Rio Branco, que pertencia ao Ministério da Educação (MEC). O “Ciência às Seis e Meia” reunia pessoas que apoiavam a idéia de que os pesquisadores tinham uma responsabilidade com o povo brasileiro. Isso foi muito importante para mim, porque correspondia exatamente ao meu jeito de trabalhar. Parte desse grupo partiu em direção à criação de um centro de ciência.

Quem fazia parte desse grupo?
Entramos em contato com professores ativos. Nilza Vieira, professora primária em uma escola pública da Lagoa, foi muito importante nisso. A sala dela era um laboratório cheio de plantas, animais e equipamentos. Na ocasião, tomei a iniciativa de reunir, na minha casa, um grupo de pessoas: algumas delas eram do “Ciência às Seis e Meia” e outras eram novas, vindas do Observatório Nacional e de salas de aula. Essa foi a semente do Espaço Ciência Viva. Mas tudo começou na casa do Ennio.

Nesse momento, você já tinha alguma experiência em centros e museus de ciência?
Ainda não, mas tinha ficado deslumbrado com o Exploratorium. Em 1982, fui a uma conferência no Canadá e aproveitei para ir a Berkeley, onde Jair Koiller estava fazendo pós-graduação. Visitamos o Exploratorium, do qual eu tinha apenas ouvido falar, mas tinha um pouco de pé atrás por causa do nome em latim. Telefonei da casa do Jair para o museu e disse que queria falar com Frank Oppenheimer. A secretária respondeu: “Claro, ele está aqui ao lado”. Disse que era físico, que estava vindo do Brasil, e perguntei se podia encontrá-lo e visitar o museu. Ele disse: “Estou aqui sempre. É só você vir”. Fomos visitá-lo e ficamos bastante deslumbrados. Voltei ao Brasil no mesmo ano e esperei Jair chegar para criarmos nosso próprio museu, o que aconteceu em 1983. O nome Espaço Ciência Viva nasceu em uma tarde ensolarada. Estávamos procurando uma maneira de dizer várias coisas com poucas palavras.

Como foi o início das atividades do Espaço Ciência Viva?
Trouxe muitas idéias do Exploratorium e começamos a colocá-las em prática em praças públicas. A primeira atividade aconteceu no Paredão da Urca. Alunos da Nilza mergulhavam, pegavam animais e plantas, a gente examinava no microscópio e classificava-os. Na Praça Saens Pena, organizamos a “Noite do Céu”. Convidamos o Clube de Astronomia do Rio, que continua hoje se reunindo no Espaço Ciência Viva. Apagávamos as luzes das praças. As pessoas da Zona Sul, claro, ficavam preocupadas com a segurança. Não se rouba quando se está fazendo coisas interessantes. Tínhamos 30 monitores, alguns eram estudantes do Ildeu, alguns meus, outros da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Solange e Tânia Araújo-Jorge, da Fiocruz, conseguiam equipamentos emprestados de seus laboratórios. Os telescópios, na “Noite do Céu”, vinham do Clube de Astronomia. Pierre Lucie doou alguns materiais para o Espaço, a família Oswaldo Cruz também. Fazíamos ciência com tudo a que tínhamos acesso. Era muita empolgação e felicidade. Os eventos em praça pública sempre acabavam tocando o bolero de Ravel e todo mundo dançando.

Como eram divulgadas as atividades e quem participava?
Programávamos as atividades em conjunto com as associações de moradores. Tentávamos anunciá-las de todos os modos. Usávamos as estações de rádio locais, distribuíamos panfletos... A idéia era que as pessoas que estivessem já na praça participassem: empregadas, porteiros, pessoas da comunidade... A associação dos moradores do Salgueiro, uma favela da Tijuca, pediu para fazermos uma atividade lá. Fizemos “O dia da água”. Até o “dono do lugar”, com uma pistola na cintura, participou.

Quando o Espaço Ciência Viva ganhou instalações fixas?
Em 1987, conseguimos o galpão na Tijuca, onde o Espaço continua até hoje. Era o primeiro governo do Brizola. Contou muito o fato de eu ter sido companheiro dos exilados em Portugal. Em seu governo, tinha muita gente que havia vivido no exílio e que eu tinha conhecido. Essas pessoas ajudaram burocraticamente a instalação e institucionalização do Espaço Ciência Viva. Depois, tivemos o apoio de José Pelúcio Ferreira, fundador da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), que passou a dirigir a Secretaria de Ciência e Tecnologia no governo do Moreira Franco. Ele nos apoiou financeiramente e permitiu a realização de eventos também em cidades do interior.

Na época, ainda não havia tradição de ONGs no Brasil. Por que a decisão de criar um espaço desvinculado de universidade ou instituto de pesquisa?
Desde o início, queríamos a independência, não queríamos vínculo com instituição alguma. Nos institucionalizamos para poder receber apoio da Capes. Fizemos os estatutos direitinho e colocamos o nome das pessoas que estavam mais envolvidas com o projeto. Foi o Betinho que me mostrou como fazer a partir dos estatutos do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase). Fui o primeiro presidente e Ildeu era o vice-presidente.

Você sempre foi um defensor das experiências do tipo hands-on, baseadas na interatividade. De que forma isso foi colocado em prática no Ciência Viva?
Éramos um grupo grande e diversificado, com professores, alunos, pesquisadores, técnicos de laboratório, todos engajados na idéia de fazer ciência experimental. Construíamos todo o material dos experimentos, fazíamos módulos interativos, de modo que pudéssemos experimentar tudo que estávamos fazendo. Descobríamos, juntos, ao criar os materiais. Antes de fazermos as atividades para o público, testávamos as experiências entre nós, usávamos previamente o material para avaliar o resultado. Construímos a sala das sombras coloridas, cubos para experimentos de matemática... Recebíamos poucas exposições de fora.

Que limitações encontrou para colocar em prática algumas idéias?
A principal dificuldade não foi nem pedagógica nem material. A época em que estávamos empenhados em expandir nossa atuação coincidiu com a época da superinflação.

Você diria então que a estagnação do Espaço Ciência Viva deveu-se à crise econômica do país na década de 1990?
A crise econômica prejudicou tudo. Perdemos nosso apoio financeiro e institucional. O dinheirão que a Finep tinha nos dado se transformou em 20% do valor real. Não conseguimos avançar. As pessoas que cuidavam do Ciência Viva precisaram achar outros trabalhos, pois ali não tinham mais a segurança de um emprego. Algumas continuaram a carreira acadêmica. As pessoas foram se dispersando. Até eu fui trabalhar no museu interativo original: o Exploratorium.

Por isso você deixou o Ciência Viva e foi para o Exploratorium?
Em 1990, fui para o Exploratorium para conviver novamente com pessoas com quem poderia aprender mais. Obviamente, no meu trabalho no Ciência Viva, havia uma troca de conhecimento, mas o desafio intelectual de estar com pessoas no Exploratorium realmente me atraiu. Foi bom estar em um lugar onde havia pessoas bem mais fortes do que eu no domínio da divulgação científica e dos centros e museus de ciência. Até meados dos anos 1990, vivi parte do tempo no Rio de Janeiro, parte nos Estados Unidos. Deixei a presidência do Ciência Viva por volta de 1995.

Em São Francisco, você desenvolveu projetos sociais mais voltados para as populações hispânicas dos Estados Unidos. Esses projetos eram ligados ao Exploratorium?
No Exploratorium, eu dava sistematicamente oficinas de formação de professores. Esses projetos sociais eram fora do museu e financiados pela Fundação Nacional de Ciência dos Estados Unidos [National Science Foundation]. Nasceram da iniciativa de um técnico de laboratório, Daniel Sudran, que foi meu aluno no Exploratorium. Ele começou trabalhando artesanalmente em sua garagem com crianças da vizinhança. Modesto Tamez, que também era do Exploratorium, e eu transformamos a aventura dele em um projeto comunitário voltado para atender crianças fora dos horários escolares. Inspirados no trabalho do Exploratorium, organizamos o Centro de Ciência do bairro da Missão [Mission Science Workshop, em inglês], no Mission District, um bairro espanhol de São Francisco. Esse espaço se transformou no laboratório central de todos os centros comunitários de ciência que criamos em bairros hispânicos a partir dele. O projeto foi crescendo para uma escala municipal, depois semi-estadual e tem, hoje, extensão nacional.

Você ainda está envolvido com esses projetos?
Estive envolvido até 1997, quando voltei definitivamente ao Brasil. Mas Daniel Sudran continua no Mission District e Curt Gabrielson está envolvido com um centro criado em Watsonville, cidade agrícola de trabalhadores mexicanos ao sul de São Francisco. Lá, o centro comunitário de ciência conseguiu se integrar ao sistema de responsabilidade social do município. As pessoas que foram treinadas por nós para coordenarem esses centros estão formando coordenadores nos Estados Unidos todo, em lugares específicos. O desenvolvimento desse projeto depende de se encontrar uma pessoa capaz de coordenar pedagogicamente um centro de ciência interativo comunitário.

Na época em que o Espaço Ciência Viva foi criado, havia no Brasil iniciativas similares?
Na Universidade de São Paulo (USP), tinha o grupo de Ernst Hamburger. Ele é uma pessoa que sempre esteve, muito antes de nós, envolvido no trabalho de divulgação e ensino de ciência. Foi fundamental nesse movimento todo, mesmo tendo demorado mais para criar um centro de ciência, a Estação Ciência. Muitas outras coisas estavam acontecendo na área. Uma influenciou a outra. Dietrich Schielhavia criado, em 1980, o Centro de Difusão Científico e Cultural (CDCC). Carlos Argüello criou, na mesma época do Ciência Viva, o Museu Dinâmico em Campinas. Pierre foi chamado para coordenar um projeto da Capes de apoio direto aos professores, com iniciativas voltadas ao ensino experimental. O projeto de melhoria de ensino de física nas universidades, também da Capes, seguia. Havia, ainda, os clubes de ciências...

Como você avalia a atuação dos centros e museus de ciência brasileiros hoje?
O Brasil está sempre imitando iniciativas de fora. As boas e as ruins. Aqui, há dois tipos de iniciativas. Os museus que querem ser o La Villette [de Paris] e aqueles mais modestos. Os que sonham com um La Vilette acabam esquecendo que devemos fazer esses museus para a educação do povo. Apenas 5% do povo brasileiro vão para a universidade. Essas iniciativas não devem ser voltadas para o mundo acadêmico. Uma coisa típica é começar pela aquisição de um edifício enorme, antes de se pensar no que haverá dentro. Por outro lado, tem coisas pequeninas que estão brotando, como as incubadoras, que são maravilhosas. Esses centros de ciência dão espaço àqueles professores que querem desenvolver uma atividade fora de sala de aula, com a população local.

Que desafios esses centros e museus de ciência terão que enfrentar para cumprirem a missão, que você coloca, de educar o povo?
É um desafio de modéstia, de fazer coisas pequenas ligadas à comunidade local. Há muitas coisas enormes nos museus que não servem. Aqui em Santo André, por exemplo, queriam colocar um pêndulo de Foucault, que demora dois dias e meio para dar uma volta. O que adianta falar que isso mostra como a Terra gira, para o filho de um operário? Tem uma coisa colonizada na intelectualidade brasileira. Um amigo meu voltou de Paris uma vez dizendo que tinha ficado impressionado com o La Villette. Perguntei a ele: “Você acha que é bom impressionar?” Um bom museu é aquele que faz o visitante florescer, se abrir, como acontece no carnaval: você começa a cantar e dali a pouco está sambando. Gostaria que as pessoas sambassem ciência e não saíssem impressionadas.

Por que você se distanciou das atividades em museus e foi morar em Florianópolis?
Minha atual mulher e eu decidimos nos mudar do Rio por causa da poluição e da violência automobilística. Tínhamos uma filha pequena, cujo rosto estava na altura dos escapes dos ônibus. Eu tinha estado em Florianópolis para apoiar o desenvolvimento do laboratório de ensino na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), dentro do programa de melhoria do ensino de física do qual fazia parte. Desde aquela primeira visita, o charme da Ilha de Santa Catarina tinha me atraído. Nos anos 1990, um grupo de educação em ciência, do Departamento de Educação da UFSC, liderado por Maria Oly Pey, me procurou. A partir de algum texto meu sobre alfabetização técnica, ela chamou um grupo de alunos de pós-graduação e criou o Núcleo de Alfabetização Técnica. E me convidou para dar oficinas no Núcleo. Isso me levou de novo a Florianópolis, onde, a partir desse grupo, criei importantes laços de amizade. Decidimos, então, que nosso segundo filho nasceria em Florianópolis, o que de fato ocorreu em dezembro de 1998.

Você desenvolve alguma atividade de divulgação científica em Florianópolis?
A única coisa com a qual consegui trabalhar de maneira aproveitável pelo povo local foi com atividades para a Educação de Jovens Adultos (EJA), um programa do município. Nele, os estudantes se juntam em grupos e procuram desenvolver pesquisas sobre o que lhes interessa. Ajudo na área de matemática. O programa teve a orientação de um lingüista, Gilvan de Oliveira, com quem desenvolvo, também, trabalho em comunidades indígenas. Após um período de seis meses, os alunos recebem um diploma equivalente ao de oitava série. Tenho me juntado e acompanhado com prazer esse trabalho de educação formal popular.

Quando e como você se envolveu no trabalho com comunidades indígenas na Amazônia?
O trabalho que desenvolvi recentemente na Amazônia partiu de meu encontro com Gilvan, em Florianópolis, há uns quatro anos. Ele e a antropóloga Flora Calbazar desenvolvem um trabalho com o grupo tuyuka, que tem uma escola onde eles próprios escolhem os professores e o que eles irão ensinar. Flora e Gilvan ajudaram-nos a se dar conta de que ter uma escrita é válido. Eles então desenvolveram sua própria escrita. Na Amazônia, comecei, em 2001, a ajudar os tuyuka a formalizar seu próprio pensamento matemático, na língua deles. Na verdade, não ensinei matemática porque não há matemática alguma a ser ensinada. Mas tem coisas do pensamento organizado a redescobrir junto com eles, a partir das técnicas que utilizam, como na cestaria, por exemplo. Obviamente, eles contam as fibras que entrelaçam, mas contam na língua deles, no contexto cultural deles próprios. Faço eles olharem tudo isso e falarem a respeito. O resultado foi que fizeram, eles mesmos, um livro que chamaríamos de Matemática, mas que eles chamam de Um guia para continuar procurando nossa maneira de contar e medir coisas. Esse é o trabalho mais fascinante da minha vida.

Esse projeto de matemática com grupos indígenas é uma continuidade de seu trabalho com a matemática dos cestos? Como foi o projeto?
Foi o resultado da riqueza intelectual do Exploratorium, no início dos anos 1990. Uma colega negra, artista do grupo de formação de professores primários, organizou oficinas para professores oferecidas, conjuntamente, por cientistas e artistas. Ela me colocou para trabalhar com Kim Shuck, uma cesteira meio-indígena. Não nos conhecíamos, mas imediatamente nos demos conta do quanto meu interesse pela matemática do mundo real e seu interesse pelas regras da cestaria se complementavam. Durante cinco anos, demos muitas oficinas para crianças e para professores juntos baseadas na matemática dos cestos. Quase fizemos um livro. Hoje, continuamos nos escrevendo.

Como analisa comparativamente os projetos voltados à divulgação científica nos países em que você viveu?
Tirando a capacidade financeira, que varia muito de um país para outro, as realizações concretas não são muito diferentes. O que faz a diferença são as lideranças intelectuais de cada país. No Brasil, as elites são muito dependentes e pouco comprometidas com um trabalho socialmente significativo. O que se herda do mundo desenvolvido é a aparência. Aqui se constróem centros e museu para inglês ver ou para impressionar, não há espaço para outras coisas. Não há espaço para uma atitude ideológica, pedagógica, socialista e consistente. Esse é o resultado de sermos um país de escravidão. Nos Estados Unidos, por exemplo, há esse espaço, por ter mais seriedade profissional. Além disso, os brasileiros ainda não se deram conta de que é possível existir críticos da ciência, como existem críticos de cinema. Uma pessoa não precisa ser cineasta para criticar cinema. Mas na ciência, acham que quem está de fora não tem qualificações para entendê-la.

Biografia

Nascido em 1934, em Paris, Maurice Bazin se formou na Escola Politécnica francesa. Ali, se uniu ao grupo liderado pelo físico Leprince-Ringuet e teve o primeiro contato com a física experimental. Deu prosseguimento aos seus estudos na área nos Estados Unidos, na Universidade de Stanford, onde obteve diploma de PhD em física experimental de altas energias, em 1962.

Após um curto período na França, voltou aos Estados Unidos, para a Universidade de Princeton. Lá, foi professor, pesquisador e diretor de teses de doutorado do Departamento de Física. Em 1968, foi para a Universidade de Rutgers, em New Jersey. Em 1973, conheceu, no Chile, Tetê Moraes, com quem se casou e foi morar no Rio de Janeiro, em fins de 1978, quando a abertura política permitiu que a cineasta brasileira voltasse ao país.

No Brasil, uniu-se a um grupo de agitadores – Pierre Lucie, Ildeu de Castro Moreira, Ennio Candotti, Jair Koiller, entre outros – e se envolveu em diversas iniciativas voltadas à melhoria do ensino de física e da divulgação da ciência, que culminaram, em 1983, na criação do Espaço Ciência Viva. Em 1990, foi para o Exploratorium, em São Francisco, ministrar oficinas de formação e capacitação de professores. Paralelamente ao trabalho no museu, desenvolveu projetos de inclusão social voltados às populações hispânicas dos Estados Unidos.

Em 1998, mudou-se para Florianópolis, onde viveu com a família e trabalhou com a Educação de Jovens Adultos (EJA). Em 2001, deu início a um trabalho na Amazônia com os índios tuyuka, ajudando-os a formalizar o próprio pensamento matemático. Além disso, foi consultor científico da Escola Parque Arte Ciência (EPAC), hoje chamada Sabina - Escola Parque do Conhecimento, um espaço interativo de ciência inaugurado em 2007 em Santo André (SP). Morreu em 2009.


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