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Jeter Bertoletti

Museus: uma nova modalidade de ensino

Os centros e museus de ciência estão implantando uma nova modalidade de ensino no Brasil, que promete transformar a educação no país. Essa é a opinião do biólogo Jeter Jorge Bertoletti, diretor do Museu de Ciências e Tecnologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (MCT PUCRS).

Segundo ele, as iniciativas na área – que vem ganhando fôlego no Brasil nos últimos 20 anos – conseguiram criar uma maneira dinâmica, interativa e prazerosa de ensinar. Além disso, estão mudando a mentalidade do povo brasileiro em relação ao museu e à ciência. Prova disso é que o público adulto, ou seja, aquele que está fora da escola, está crescendo dentro dos museus. “Estamos conseguindo inserir a ciência na sociedade”, afirma Bertoletti.

Em entrevista concedida a Carla Almeida, em agosto de 2004, ele narra a história do MCT PUCRS, desde a sua primeira coleção doméstica de animais, minerais e rochas, até a ocupação do espaço atual do museu, de 22 mil metros quadrados. Bertoletti fala da resistência encontrada dentro da PUC-RS para conseguir organizar o museu, que tem hoje grande capacidade de gerar recursos humanos, científicos e tecnológicos. Ele dá a dica do sucesso: força de vontade, persistência e teimosia. E cobra do governo mais investimentos na área.

Leia aqui a biografia de Jeter Bertoletti

Sabe-se que o Museu de Ciência e Tecnologia da PUC-RS nasceu em sua casa. Como foi isso?
O MCT começou a partir de uma coleção particular minha. Eu colecionava animais, minerais e rochas. De 1950 a 1960, essa coleção tomou uma feição de museu, na minha casa, em Porto Alegre. Em 1960, fui estudar história natural na Faculdade de Filosofia, Ciência e Letras da PUC, quando a instituição tinha apenas dois mil alunos e funcionava juntamente com o Colégio Nossa Senhora do Rosário.

O senhor levou sua coleção para a PUC?
Em 1961, em meio a meus estudos, comecei a dar aula na PUC. Fui professor de zoologia, fisiologia vegetal e mineralogia. Recebi uma sala de 16 metros quadrados do Prof. Irmão Jacob Kuhn, onde organizei as coleções de zoologia, que se expandiu para 64 e, depois, para 170 metros quadrados. Nessa sala, comecei a organizar o Museu de História Natural e Arqueologia. Montei uma exposição com auxílio de alunos e abri para visitação pública. Consegui um dinheiro federal, para não incomodar o reitor, e comprei todos os móveis e equipamentos. Do lado da exposição demonstrativa, montei uma mostra interativa para atender deficientes físicos, auditivos e principalmente visuais do Instituto Santa Luzia e de outras instituições. Preparava animais – aves, mamíferos, peixes e fósseis – e dava aula para eles. Pelo toque, iam identificando os espécimes. Nessa sala de interatividade, de 32 metros quadrados, começamos a preparar pequenos experimentos da área de física e química, aparelhos diversos, como motor elétrico, campainha, telégrafo, eletroímã, galvanoplastia, redes elétricas, condensador, transformador, retificador, destilador, bússola etc.

Quantas pessoas o senhor recebia no “Museu de Zoologia”?
Havia meses que recebíamos cerca de três mil pessoas. Os alunos das escolas de Porto Alegre vinham ter aulas. Foi assim que consegui sensibilizar o reitor, na época o irmão José Otão, a criar oficialmente um museu. Até então, tudo acontecia sem a devida regularização.

Quando o senhor começou a lutar pela criação de um museu dentro da PUC?
De 1960 a 1967, como aluno e professor de história natural, comecei a convencer o irmão José Otão, um reitor muito dinâmico, a montar um museu na universidade. Mas ele dizia, em tom de amizade: “Gringo teimoso, não adianta colocar um museu aqui, porque o museu vai nos dar prejuízo, vai prejudicar nosso orçamento e nós teremos problemas”. Fui teimoso mesmo. Escrevi 18 documentos entre 1960 e 1967, persistindo na criação de um museu na PUC. Finalmente, em 1967, consegui permissão para criá-lo. Primeiro como Museu de Zoologia, depois como Museu de História Natural da PUC-RS. Em maio do mesmo ano, solicitei a mudança do nome para Museu de Ciências da PUC-RS, que teria maior abrangência de atividades didáticas e científicas. Em 4 de julho de 1967, o projeto foi aprovado em reunião do Conselho Universitário e foi criado o museu como um novo departamento da Universidade, que dirijo desde então. Aos poucos, aumentei o nosso espaço e arregimentei alunos universitários. Em 1968, consegui contratar oito professores e comecei a criar laboratórios independentes: ictiologia, malacologia, carcinologia, histologia e arqueologia. Começamos a formar fundos fornecendo lâminas para a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e coleções didáticas para cursos pré-vestibulares e, assim, os recursos eram aplicados na melhoria das coleções e do museu. Também ganhávamos dinheiro fazendo coleções de animais, de esponjas a mamíferos, para vendê-los a cursos diversos.

Qual era sua concepção de museu na época? O senhor conhecia outras experiências na área?
Só conhecia outros museus por revistas. Fazia coleção de publicações. Através delas, descobri que havia muitos museus no mundo, principalmente nos países ricos da Europa e da América do Norte. Mas eram gigantescos e estáticos. Os museus interativos e dinâmicos que conhecemos hoje, tanto os europeus quanto os norte-americanos, são novos, existem há poucas décadas. Queria fazer um museu diferente, sem igual no Brasil. Queria um museu que tivesse laboratórios de pesquisa e que, nesses laboratórios, preparássemos alunos universitários na área da pesquisa. Não apenas na pesquisa básica, mas também na pesquisa aplicada. Queria que essa pesquisa levasse a resultados socioeconômicos, além de uma exposição que facilitasse o ensino de diferentes disciplinas como botânica, zoologia, paleontologia, geografia, etnologia, história etc.

E vocês conseguiram desenvolver pesquisa logo no início?
Em 1971, criei a revista Comunicações do Museu de Ciências da PUC-RS, e no primeiro número foi publicado o resultado das primeiras pesquisas na PUC-RS. Em 1972, fundamos o primeiro curso de pós-graduação da instituição, aprovado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes): o curso de osteologia. Como não tínhamos estrutura para receber os alunos, fizemos uma parceria com a UFRGS. Nossos alunos davam continuidade aos estudos na federal.

Na fase inicial, como o museu era mantido financeiramente?
As fontes de arrecadação na época se fundamentavam na fabricação de pequenas coleções, venda de animais taxidermizados, cursos de extensão permanentes de curta e longa duração, consultorias em várias áreas e auxílios a novos projetos científicos.

O museu prestava que tipo de consultoria?
Eu me aperfeiçoei na área de aquacultura, termo criado por mim em 1969, e na realização de Projetos e Estudos Ambientais, tanto para o governo quanto para empreendimentos da iniciativa privada. A abrangência foi em vários estados do Brasil e países da América do Sul. A partir de 1974, me tornei consultor das maiores empresas brasileiras de projetos de hidrelétricas. Conseguia, assim, equilibrar as despesas do museu. Essas consultorias continuam até hoje.

Quando o MCT ganhou a estrutura física que possui hoje?
No início, ficávamos distribuídos pelos prédios da PUC. Em 1985, o museu estava distribuído em cinco prédios. Em 1970, foi comprado pela PUC, com a minha negociação, o terreno onde estamos, com 3,5 hectares. Mas o irmão Otão não conseguia fazer o museu porque sempre era pressionado a construir outros prédios. Ele criava cursos e mais cursos e o museu ficava sempre para trás, relegado a plano secundário. Finalmente, em 1985, o reitor Norberto Francisco Rauch, com o seu dinamismo empreendedor, me pediu para fazer o projeto do museu. Em 1988, escrevi o fluxograma do museu: comecei com o Universo, sistema solar, planeta Terra, geologia, mineralogia e continuei até chegar à vida... física, química e tecnologia. Idealizei um fluxo que contemplava as matérias cobradas no currículo das escolas, principalmente no segundo grau: biologia (homem), zoologia, botânica, física, química, geografia, história etc.

Nessa nova estrutura, o MCT incorporou conceitos de outros museus?
Eu não tinha condições de viajar nem para lazer nem para conhecer experiências em outros países. Todas as minhas viagens eram apenas para fazer consultorias e apresentar projetos. Eles me davam recursos, mas não davam oportunidade de conhecer outras iniciativas. O que eu conhecia era através de leitura. Posteriormente, com o auxílio da Vitae, e acompanhados pelo reitor Norberto e colegas, fomos nos guiando pelos museus do México, pelo Exploratorium, Museu de Boston e outros. Adaptava idéias de outros museus. Aperfeiçoava-as e dava continuidade a elas. Nosso fluxograma é diferente de todos os museus que visitamos e que conhecemos. Temos o mundo da criança, a área de interação, educação ambiental, Universo, planeta Terra, milhões de anos, zoologia, botânica, saúde, força e movimento, luz, ondas, física... Hoje, recebo muitos convites para visitar instituições no mundo inteiro. Ainda não pude ir a alguns países por falta de oportunidade.

O conceito de interatividade está em constante mutação e é empregado de maneira diversa em diferentes centros e museus de ciência. Como o MCT desenvolve, hoje, esse conceito?
Isso é interessante... Podemos falar de interatividade como se dá em um parque de diversões – que não deixa de ser interativo –, mas podemos explorar esse conceito de maneira mais complexa, como no caso do MCT. Temos um conjunto de experimentos interativos que permite ao aluno aprender de maneira lúdica e prazerosa. Podemos atender a até 12 disciplinas curriculares dos ensinos fundamental, médio e superior.

Algum tipo de avaliação é feito para medir a satisfação do público?
Solicitamos a muitos alunos e professores para fazerem uma avaliação, por escrito, da visita ao museu. Perguntamos: “O que achou da visita?”, “Despertou interesse pelas ciências?”, “Tem intenção de reproduzir equipamentos em suas escolas?”, “Qual foi o incentivo para visitar o museu?”... Mas respostas também vêm espontaneamente. O grau de satisfação é máximo! Se o visitante não encontra no totem de computador a resposta que precisa, ele busca um estagiário ou monitor para ajudá-lo. Se mesmo assim ainda tiver dúvida, manda e-mails para a Direção. Recebo umas 50 mensagens diárias de alunos. Quando dizem que não compreenderam algum experimento, em vez de darmos a resposta, os convidamos para voltar ao museu gratuitamente ou informamos, através de especialistas do museu, o caminho a seguirem. Tem escolas que já vieram cinco vezes ao museu com a mesma turma e assim tiveram a oportunidade de conhecer várias áreas temáticas.

Em que consiste o acervo do museu hoje?
Temos coleções científicas e didáticas com cerca de cinco milhões de peças. Há mais de 500 espécies de animais e vegetais novos para ciência. Nas coleções científicas, encontram-se mais de 700 mil peixes, cinco mil fósseis, cinco mil minerais, 20 mil serpentes, dois milhões de peças arqueológicas, milhares de moluscos, crustáceos e outros invertebrados, milhares de exsicatas vegetais e de outros materiais e experimentos para exposições. A coleção de máquinas antigas e moedas é riquíssima. Futuramente, organizaremos exposições temporárias desses materiais e acessórios. Isso é um espetáculo para um museu com apenas 37 anos.

Quantas pessoas trabalham na equipe fixa do museu?
Hoje, temos cerca de 268 funcionários. Fazemos tudo aqui. Temos três oficinas para produção de experimentos. Trabalhamos com diversas áreas, desde engenharia elétrica até comunicação, passando pela programação visual. Nosso índice de manutenção dos experimentos em exposição é muito baixo, de 3 a 4%. Nos museus mais modernos, esse índice não é menor que 15%. Essa é uma vantagem grande. Nos museus do primeiro mundo, tudo é comprado pronto. Em geral, quando surge algum problema com o experimento, a empresa responsável é chamada e o aparelho é retirado do museu. Muitas vezes, demora para ser consertado. Nossos experimentos são fabricados aqui e consertados na hora e isso é feito também com aqueles adquiridos no exterior.

Qual o orçamento do MCT e quais são suas principais fontes de recursos?
As despesas atingem cerca de 300 mil reais por mês. A fonte principal ainda é a venda dos ingressos, que são de baixo custo, em média cinco reais por pessoa. Depois, vêm os projetos que desenvolvemos e as consultorias que prestamos. Contamos, ainda, com colaborações das entidades financiadoras de projetos. As principais são: Vitae, CNPq e Banco Santander.

Qual a média de visitantes por ano?
Em 2003, atendemos 402.968 pessoas, sendo 191.613 no museu e 211.355 no Projeto Museu Itinerante (PROMUSIT), ou seja, uma média de 1.330 pessoas/dia.

Como e quando surgiu a idéia do Museu Itinerante?
A idéia do PROMUSIT surgiu em um simpósio de centros e museus de ciência no Rio de Janeiro. Um físico inglês que trabalhava no Questacon usava um caminhão para transportar kits pedagógicos para cidades do interior da Austrália. Quando chegava, descarregava os kits em uma sala e dava uma aula para alunos e pessoas da comunidade. Nesse simpósio, ele subiu em uma mesa e começou a fazer demonstrações. O amor que ele demonstrava por aquilo e as questões que levantava eram muito interessantes. Baseei-me nesse trabalho. Preparei um projeto e solicitei apoio à Vitae, deixando claro que o Projeto Museu Itinerante era bem mais audacioso e complexo.

O que vocês fizeram? Como funciona essa iniciativa?
A Vitae nos forneceu recursos para montarmos o caminhão com semi-reboque para levar os experimentos do museu a cidades do interior do Rio Grande do Sul. Projetamos todo o caminhão, desde os amortecedores e pneus até os equipamentos que vão dentro. Desenhamos os móveis, colocamos no interior paredes térmicas, ar condicionado, som estereofônico de três mil watts, microscópio, esteroscópico, biológico, computadores, projetores... Os experimentos, protegidos por uma estrutura de aço, são retirados do caminhão por um elevador com controle remoto e são transportados para um salão. O caminhão é todo diferente, com uma estrutura sem igual. Estudamos o perfil de cada município antes de escolhê-los para uma visita. Algumas exigências precisam ser cumpridas, como segurança e espaço – ocupamos cerca de 800 metros quadrados. Levamos de 18 a 30 pessoas e ficamos cerca de quatro dias no local, fazendo palestras, shows, oficinas pedagógicas, exibimos vídeos... Na palestra de abertura, procuro informar o que é o PROMUSIT, mostrar um pouco da realidade do município. Uma vez, pedi para alguém pegar uma amostra de água de uma poça da cidade. Coloquei a água no microscópio, projetei a imagem e mostrei as impurezas nela contidas. Salientei o cuidado que deveriam ter antes de aproveitar água sem o devido tratamento.

Quando foi a primeira viagem do PROMUSIT?
Foi em outubro de 2000. Mas as visitas só tornaram-se periódicas de três anos para cá. Em 198 dias de atividades, atendemos 779.949 pessoas, em 60 municípios. Temos um relatório para cada visita que fazemos. O David Ellis, diretor do Museu de Ciência de Boston e consultor da Universidade de Harward, diz que o PROMUSIT é inédito no mundo, que nunca viu nada igual.

E o Projeto Escola Ciência (PROESC)?
Trata-se de um ônibus que busca crianças carentes e com problemas físicos para visitar o MCT. Saímos de manhã para buscarmos as crianças e, depois da visita, as levamos de volta. Já atendemos 67 mil crianças carentes, desde 2000. Elaboramos os dois projetos paralelamente [PROMUSIT e PROESC]. A Vitae colaborou com 550 mil reais para o caminhão e para o ônibus, que também é diferenciado. Tem monitores, videocassete, tapedeck, telefonia por satélite... É moderníssimo.

Na sua avaliação, essas crianças conseguem absorver os conceitos fundamentais da ciência que fazem parte dos experimentos ou ficam apenas impressionadas com o que vêem?
É grande a dificuldade de transmitir conhecimento para a população carente. Mas os relatórios que recebemos das visitas provam que conseguimos fazer crianças semi-analfabetas captarem informações de ciências que jamais iriam aprender na escola. Mas a situação é crítica. Nem os alunos nem os professores têm base científica. Isso é lamentável. No interior do estado, há professores do ensino fundamental que não cursaram o antigo ginásio. Isso é um problema sério.

Como o senhor avalia o ensino de ciências, hoje, no Brasil?
O ensino no Brasil é precário em todas as áreas, não só em ciências. Na década de 1970, os professores de instituições públicas eram mais valorizados, ganhavam mais. De lá para cá, o salário achatou, tanto o de professores do ensino superior quanto do ensino médio e fundamental públicos. É uma vergonha um professor ganhar o que ganha hoje. Se ele não consegue nem se manter, como vai se dedicar com entusiasmo ao ensino? Como vão se capacitar? Se nosso professor não se capacitar, vamos ter só alunos incapazes. O que vemos hoje é que, na escola, não há qualidade. Os centros e museus de ciência podem investir em qualidade. Eles estão implantando uma nova modalidade de ensino, que vai favorecer a educação brasileira como um todo.

De que maneira o MCT investe na qualidade do ensino formal?
No museu, se desenvolvem três cursos de pós-graduação – zoologia, arqueologia e educação em ciências e matemática – com cerca de 157 alunos. Nossos monitores são estudantes universitários. Ao lado da exposição, no museu, temos cinco laboratórios especiais: biologia, matemática, química, física e computação. Neles, oferecemos cursos periódicos para preparar professores do ensino fundamental e médio. Eles voltam para as escolas e colocam em prática a tecnologia e a filosofia que aprenderam aqui. Assim, os alunos têm a oportunidade de aprender melhor e desenvolver maior interesse pela ciência. No roteiro de visitação, exploramos questões de vestibular. Pedimos para os professores darem aos alunos tarefas relativas às questões que fazem parte do currículo, ou até fora, mas que sejam importantes para o futuro deles. Estudantes de diversos cursos de mais de 30 universidades e faculdades do Rio Grande do Sul vêm aprender usando experimentos interativos. Os alunos da PUC podem visitar gratuitamente o museu, desde que os professores também venham e dêem aula. Isso é fundamental, não só visitar, mas aprender e transmitir.

Acontece que o brasileiro não tem o hábito de visitar museus...
O termo museu, para muitos brasileiros, é depreciativo, remete a uma coisa estática e velha. Aqui, as pessoas se recusam a pagar para ir a um museu. Muita gente ainda reclama de cobrarmos dez reais – cinco para estudantes – para uma vista ao MCT. Em compensação, é mais caro ir ao cinema, ao teatro, deixar o filho brincando no parquinho do shopping... Mas essa mentalidade está mudando, e muito. Em 1999, a visitação de adultos e do público geral era 5% do total, enquanto o público escolar respondia por 95% do total de visitas. Essa percentagem aumentou para 15%. No PROMUSIT, esse público representava 8% do total de atendidos. Hoje, quase 27% são adultos. Com essa atividade, o adulto brasileiro está mudando de hábito. Ele começa a acompanhar os filhos nas experiências, como acontece nos Estados Unidos e em países da Europa. Essa nova modalidade de ensino – dinâmica, interativa e prazerosa – está conseguindo mudar a mentalidade brasileira. A criança brinca aprendendo. Além de popularizar a ciência, estamos conseguindo inseri-la na sociedade.

Na sua opinião, o museu é o melhor meio para divulgar ciência?
Tenho certeza absoluta de que, no momento, a melhor maneira de diversificar e de ensinar ciência à população é através de todas essas instituições que apresentam ciências dinâmicas e pessoal altamente capacitado. As prefeituras não têm dinheiro, os estados estão quebrados, a dívida interna brasileira é muito grande... Essa crise afeta as escolas e as universidades. Os centros e museus de ciência têm condições muito mais baratas de aperfeiçoar e capacitar recursos humanos. Vejo, nesses espaços, uma forma de, pelo menos, atrair a população estudantil e oferecer a ela uma forma de ensino alegre, dinâmica e prazerosa, que vai despertar no aluno o gosto pela ciência. No momento em que se desperta a curiosidade do aluno, ele vai incomodar o pai, a mãe, e eles vão dar um jeito de colocar o filho em um lugar onde possa aprender melhor.

Nem todos os centros e museus de ciência brasileiros contam com tantos recursos quanto o MCT. Qual é, a seu ver, o maior desafio desses espaços?
É preciso ter força de vontade, persistência e teimosia para poder vencer. E o governo tem que criar vergonha e aplicar mais dinheiro na educação dessa forma. Felizmente, o Ministério de Ciência e Tecnologia está melhorando. Mas o governo como um todo precisa acordar para a importância desses espaços e dar força, dinheiro e incentivo para que a população possa ter condições para melhorar sua qualidade de vida. Não adianta os políticos ficarem só no discurso. Os centros e museus podem proporcionar uma maneira de ensino muito mais eficiente.

O MCT, particularmente, é um museu bastante completo: além da exposição, oferece cursos para professores, desenvolve pesquisas, tem pós-graduação... Em que falta avançar?
O museu não pára, é uma organização contínua e renovadora. No momento, nos preparamos para colocar em exposição a réplica, em tamanho real, de um carnotaurus – um dinossauro de 4,5 metros de altura por oito de comprimento. Queremos desenvolver mais a área que trata do transporte, porque é muito importante para o Brasil – o país, desse tamanho, não tem trem, o que é um absurdo. Estamos investindo, também, na área de comunicação e energia – temos muita informação sobre energia, mas quase nada sobre suas fontes e meios de conservação. Apresentamos, recentemente, um projeto à Eletrobrás sobre conservação de energia. Se houver aceitação, ótimo; se não, já estamos maquinando outra saída. Temos um projeto pronto, de um teatro diferente – super inclinado, para 270 pessoas, com palco de dimensões amplas – para exibirmos o Van der Graaff, o Tesla e a Aurora Boreal e apresentarmos as peças sobre Einstein, Lavoisier, A Estrela da Manhã, o Monocórdio de Pitágoras e outras. Mas a Prefeitura de Porto Alegre, depois de quatro anos, ainda não aprovou o projeto. Aqui existe seriedade, confiança e trabalho. Queremos sempre expandir. Temos equipamentos de mais de 100 anos, máquinas e coleções que não há onde colocar. Os 22 mil metros quadrados que ocupamos hoje ficaram pequenos.

Biografia

Jeter Jorge Bertoletti nasceu em 1939, em Caxias do Sul, RS. Em 1960, entrou para o curso de história natural na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). No ano seguinte, se tornou professor da instituição, da qual recebeu, em 1962, diploma de bacharel em história natural e, em 1963, de licenciatura na área. Em 1977, os títulos de doutor e livre-docente.

Desde 1960, Bertoletti batalhava pela criação de um museu de ciência na PUC-RS. Finalmente, em 1967, seu projeto foi aprovado pelo Conselho Universitário. Desde então, Bertoletti dirige o museu, hoje denominado Museu de Ciências e Tecnologia da PUC-RS (MCT PUCRS), localizado em uma área de 22 mil metros quadrados de um prédio na PUC-RS.

Nas décadas de 1960 e 1970, deu aulas de história natural na PUC-RS e foi professor da rede estadual de ensino médio do Rio Grande do Sul e do Colégio Nossa Senhora do Rosário.

Desde 1974, presta consultoria a empresas na área de aquacultura, meio ambiente, barragens e açudes. A partir do ano 2000, passou a prestar consultoria também na área de museologia. Essas consultorias vêm ajudando a manter financeiramente o museu.

Em 2000, criou no MCT PUC-RS o Projeto Museu Itinerante (PROMUSIT), um caminhão que leva atividades interativas de ciência às comunidades, e o Projeto Escola-Ciência (PROESC), um ônibus que busca crianças de escolas carentes do interior do estado para conhecer o museu.

Bertoletti tem cerca de 160 artigos científicos publicados em revistas diversas, mais de 100 trabalhos de divulgação e 50 projetos nacionais e internacionais.

Ele acumula, ainda, as seguintes funções: orientador em pós-graduação da FABIO da PUC-RS, chefe de pesquisas na área de aquacultura, consultor do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) nas áreas de zootecnia e veterinária (desde 1988), diretor da revista Comunicações do Museu de Ciências da PUCRS (desde 1971), conselheiro do Projeto Pró-Mata (convênio entre a PUC-RS e a Universidade de Tübingen, da Alemanha, para a pesquisa e conservação do meio ambiente), entre outras.


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