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José Monserrat Filho

Política e ciência de mãos dadas

Não é possível fazer divulgação científica sem discutir as inúmeras questões políticas que determinam os rumos da ciência no país, como a definição das áreas prioritárias e estratégicas ou os critérios para o financiamento das pesquisas. Política e ciência andam juntas. No entanto, nem sempre essa proximidade se reflete nas páginas dos jornais e revistas.

Superar esse hiato que a imprensa construiu entre as questões científicas e políticas tem sido um objetivo do jornalista e jurista gaúcho José Monserrat Filho, nos últimos anos. Monserrat ocupa uma posição privilegiada para cumprir essa missão: ele é o principal idealizador e edita, desde 1989, o Jornal da Ciência, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), único periódico brasileiro voltado para a política científica.

A história dessa publicação, dos primeiros números, quando ainda se chamava Informe, à criação da versão eletrônica do jornal distribuída por e-mail, que ampliou muito sua visibilidade, é um dos temas desta entrevista em que Monserrat passa em revista sua trajetória na divulgação científica.

Em julho de 2004, de malas prontas para Cuiabá, de onde comandaria a cobertura da 56a Reunião Anual da SBPC, ele conversou com o jornalista Bernardo Esteves na redação do Jornal da Ciência. Além de divulgação científica, Monserrat abordou outros aspectos de sua carreira, como o interesse pela exploração espacial ou o período em que foi assessor do Ministério da Ciência e Tecnologia em Brasília.

Leia aqui a biografia de José Monserrat Filho

Como foi sua formação acadêmica?
No Brasil, estudei filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), mas não cheguei a me formar. Em 1961, fui para a União Soviética (URSS), onde fiquei até 1967. Saí de lá com mestrado em direito internacional. Meu interesse pela exploração espacial, algo com que tenho trabalhado muito nos últimos anos, surgiu em Moscou, onde assisti a cursos sobre o direito das atividades espaciais.

E por que a União Soviética?
Porque vivíamos naquela época um grande sonho de esquerda, um sonho de liberdade, de alma pura, influenciado, sobretudo, por Cuba. A URSS era tida como um país progressista, que apoiava Cuba na revolução. É difícil descrever o mito que a revolução representava para nossa juventude e nossos intelectuais – éramos todos “cubanos”. A URSS, como país que viabilizava Cuba através de petróleo e ajudas fundamentais, também era popular, ao menos no início dos anos 1960. Além disso, ela estava no auge de seu programa espacial: tinha sido pioneira ao lançar o Sputnik I, em 1957, e estava vencendo a corrida espacial naquela época. Fui estudar lá cheio de gás.

Em que campo você trabalhou ao voltar para o Brasil?
Antes de ir para a URSS, eu trabalhava na Companhia Jornalística Caldas Júnior, dona da Rádio Guaíba – onde tive meu primeiro emprego, em 1968 –, do Correio do Povo, o maior jornal gaúcho, e da Folha da Tarde, o maior vespertino do estado. Eu terminei escrevendo nos três – e gostava muito do que fazia. Quando voltei para Porto Alegre em 1967, em pleno regime militar, não quiseram me aceitar de volta: o dono do jornal, Breno Caldas, me disse que a cota de comunistas estava esgotada. O curioso é que, naquela época, eu nem era vinculado ao “partidão”...

O que você fez então?
Tive que procurar outro emprego. Encontrei um velho amigo dos tempos de colégio, que dirigia uma agência de propaganda e me convidou a trabalhar lá. Duas semanas depois de ter regressado de Moscou eu já estava trabalhando. Mas o salário era pequeno, não havia muita perspectiva e o que eu queria mesmo era trabalhar em jornal. Em fevereiro de 1968, consegui vir para o Rio de Janeiro, com o auxílio de um grande amigo que era chefe da redação da agência carioca da empresa em que eu trabalhava em Porto Alegre.

Você continuou tendo contato com o jornalismo nesse período?
Rapidamente, tive que aprender os trejeitos da propaganda para sobreviver, mas continuei escrevendo artigos para a imprensa, como colaborador do Correio do Povo, por exemplo, embora não tenham me aceito como funcionário. Escrevia muito para um suplemento cultural que saía aos sábados. Enquanto isso, procurava um enlace institucional com alguma universidade e, para isso, fiz alguns cursos. Por volta de 1974, fiz um curso de direito internacional e relações internacionais, organizado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), que era dado aos sábados, de 9h às 12h30.

Outros cursos se seguiram a esse?
Participei de um grande congresso de americanistas, no México, em 1974, depois estive duas vezes no Peru e no Chile, antes do golpe. Fui aluno da Academia de Direito Internacional de Haia, em 1977, num curso de verão. Tudo isso eu fazia nas minhas férias. A propaganda, a essa altura, já me pagava relativamente bem, e eu investia em viagens. E continuava escrevendo na imprensa. Fui colaborador do Pasquim, do semanário Politika e de outros órgãos da chamada “imprensa alternativa”. Mas não dava para viver disso. Escrevi muito para a Tribuna da Imprensa, em geral sobre temas internacionais, mas não ganhava nada. De 1978 a 1980, fiz um curso de pós-graduação de direito internacional, ministrado por uma universidade francesa na Estácio de Sá do Rio de Janeiro.

Como você se envolveu com a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC)?
Em 1977, passei a ser sócio da SBPC e fui à minha primeira reunião anual, em São Paulo, na Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP). O país inteiro lutava então pela anistia. O movimento popular crescia rapidamente e a reunião da SBPC, naquele ano sobretudo, tornou-se uma grande manifestação – a assembléia final foi gigantesca. A partir de 1977, passei a freqüentar todas as reuniões anuais da SBPC. Desde então, só não fui a uma reunião: a de 1989, porque estava estudando na Universidade Internacional do Espaço [International Space University], em Estrasburgo, na França. E apresentei trabalhos em todas elas, inicialmente no campo de direito internacional e, a partir do fim dos anos 1980, na área de direito espacial.

De onde vinha sua ligação com as ciências?
Fui criado vendo a ciência como algo nobre, valioso. Já na escola, o jornal que fazíamos dedicava muito espaço para textos de ciência. Acho que tinha certa noção de sua importância. Fui bom aluno de matemática e física, mas minha atenção se concentrava nas ciências sociais, na política e no direito, sobretudo em seus aspectos éticos e filosóficos. Foi aí que tudo começou. Claro, quando vim trabalhar na revista Ciência Hoje, isso se intensificou.

E de que forma se deu sua entrada na revista?
Minha aproximação com o grupo que criou a revista se deu por meio de Ennio Candotti, secretário regional da SBPC no Rio de Janeiro, no final dos anos 1970. Conheci-o numa reunião no Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), onde o grupo da SBPC costumava se encontrar naquela época. Ennio me convidou a ajudar na preparação da revista que estava sendo criada. Participei dessa equipe com grande satisfação, ainda trabalhando em propaganda: um ou dois dos primeiros números da revista foram montados na agência Caio Domingues, da qual eu era diretor de criação. A entrada para a SBPC me aproximou do sonho de sair da propaganda. Isso se tornou possível em 1984, quando passei a trabalhar em horário integral na revista, como diretor de comunicação. Ciência Hoje havia sido lançada em 1982.

Qual era a sua função nesse cargo?
Eu fazia de tudo um pouco. Dava idéias para promover a revista, propunha títulos para as matérias... Essa era uma das coisas que me pediam muito, pois sempre tive certa habilidade para isso. Lia os artigos e procurava substituir os títulos muito duros e menos interessantes. Havia muitas reuniões de trabalho, a gente discutia e avaliava tudo. Era um sistema muito vivo e criativo.

Você escrevia artigos também?
O primeiro texto que escrevi para a Ciência Hoje foi uma resenha sobre um livro a respeito da relação entre direito internacional e direito interno. Escrevi também sobre os 30 anos do Manifesto Einstein-Russel, de 1955, contra a guerra nuclear. Lembro-me ainda de ter escrito sobre a regulamentação internacional da Antártica, que voltava à ordem do dia.

Até quando você exerceu a função de diretor de comunicação da revista?
Esse período se estendeu até que fui para Brasília no final de 1985. Recebi um convite para trabalhar como diretor de comunicação do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). O ministro era Renato Archer, com quem trabalhei até 1989, primeiro no MCT e, depois, no Ministério da Previdência.

Sua atuação em Brasília ajudou a estabelecer um diálogo entre o MCT e a SBPC?
Sem dúvida. Em todos os momentos, eu procurava ajudar a SBPC e a Ciência Hoje, inclusive para a publicação de anúncios na revista. Lembro-me quando Ennio Candotti foi para Buenos Aires ajudar a criar a Ciencia Hoy numa iniciativa fantástica. No lançamento da revista, mobilizamos em Brasília políticos de projeção como Ulysses Guimarães, então presidente do Congresso Nacional e da Assembléia Constituinte, para que saudassem e reconhecessem a importância da iniciativa para o desenvolvimento das relações científicas entre Brasil e Argentina.

Até quando você ficou em Brasília?
Até 1989. Fui convidado para trabalhar na campanha de Ulysses Guimarães para a presidência, mas naquele ano eu tinha conseguido uma bolsa para estudar em Estrasburgo. Fiz um curso intensivo na Universidade Internacional do Espaço [International Space University], que utilizava as instalações da Universidade Louis Pasteur. De lá voltei a Brasília, mas logo retornei definitivamente ao Rio de Janeiro. Em dezembro de 1989, eu já estava trabalhando de novo na Ciência Hoje e no Jornal da Ciência, a convite de Ennio.

Nessa época você ocupou o cargo de editor da revista.
Quando Ennio se afastou e foi para a Universidade Federal do Espírito Santo, em 1996, ficou certo vácuo na revista. Como eu era dos mais antigos, assumi como editor. Foi uma fase provisória, que durou um tempo até longo demais. O esforço principal era para manter a revista. Foi um período de resistência, para manter a coisa funcionando.

Qual foi seu maior desafio como editor?
Uma das coisas que mais me interessava era a forma de tornar os artigos mais palatáveis e acessíveis. A grande preocupação era incentivar os autores e editores a fazer ao menos a primeira metade do artigo de modo que todas as pessoas pudessem entender. Era uma luta permanente. Havia quem visse a Ciência Hoje como uma revista científica: “se as pessoas não entendem, que estudem!”. Nunca aceitei isso. Você tem que abrir caminhos, ser suficientemente inteligente, criativo e compreensivo para fascinar o leitor, para que ele consiga chegar até a parte mais complicada. Não é uma questão de simplificar, mas de mostrar como aquilo é fascinante, interessante, emocionante... Esse era um exercício permanente.

Que aspectos da revista você destacaria naquele período?
A Ciência Hoje foi pioneira ao abordar muitos assuntos, fazer levantamentos e dossiês. Tem o dossiê da fome, do Nordeste, da Amazônia. Foram números especiais da revista, que, embora não fossem de hard science, traziam um acervo de informações importantíssimo. Se hoje você fizer um estudo de profundidade sobre qualquer um desses assuntos, vai ter necessariamente que passar pelas informações que estão em inúmeras edições da revista. Essas edições se tornaram documentos indispensáveis hoje.

Falemos agora do Jornal da Ciência. Ele foi criado a partir de uma idéia sua, não?
Sim, ele foi concebido durante a reunião anual da SBPC em Belo Horizonte, em 1985. Apresentei a idéia a Ennio Candotti, que a recebeu com entusiasmo. Quando voltamos da reunião, comecei a fazer o Informe, algo muito simples, mas que depois ganhou forma e se tornou um informativo importante. Nos anos que estive em Brasília, o pessoal da Ciência Hoje melhorou o informativo, que se projetou amplamente: Darcy Fontoura assumiu como editor. Ele e Ennio se revezavam escrevendo os editoriais. Ao retornar ao Rio, em 1989, expus o plano de dar ao Informe a forma de um jornal.

Quais eram suas idéias para fazer o jornal?
Eu tinha algumas idéias, com base nas edições internacionais de The Guardian, de Londres, e de El País, de Madri. A partir daí, bolei um modelo gráfico que entrou em fase de execução no começo de 1990. Um jornal em formato pequeno e impresso em papel bíblia, dando preferência a textos curtos, acompanhados de desenhos e charges.

Foi nessa reformulação que o jornal ganhou seu nome atual?
O Informe se transformou em Jornal da Ciência Hoje, que, em 1997, mudou para simplesmente Jornal da Ciência. Uma das idéias lançadas na época foi de chamá-lo de Jornal da SBPC, mas eu me opus, porque ele não deveria ser apenas um jornal da entidade. Tinha que ser um jornal mais amplo, uma publicação, sim, da SBPC, mas a serviço de toda a comunidade científica. Claro que também promovemos a SBPC, mas a visão é mais abrangente: a idéia é discutir sob diferentes pontos de vista a política nacional, estadual e municipal de ciência e tecnologia. E isso faz parte da própria herança e tradição da SBPC, criada para fazer promoção da ciência e não de si mesma.

Como foi a primeira edição do novo jornal?
O assunto de capa era a recriação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), que tinha sido extinta pelo Governo Collor naquela sanha de acabar com todas as fundações do governo federal. Mas, em função de sua especificidade, foi preciso recriá-la rapidamente. O primeiro número do jornal ironizava o fato. A numeração do jornal continuou a mesma do Informe. Ou seja, o número que consta hoje na primeira página do Jornal da Ciência vem desde o Informe de 1985.

O jornal passou por alguma outra reformulação desde então?
O modelo continuou praticamente o mesmo até hoje, guardadas as diferenças de aprendizado e experiência. É um jornal basicamente de política científica. Ele cobre as grandes decisões da política nacional de C&T – a questão do orçamento da área, das bolsas, das fundações de amparo à pesquisa nos estados... Há toda uma massa de atividades político-administrativas ligadas à C&T, essenciais para o funcionamento do sistema, mas em geral não publicadas pela grande imprensa, que até hoje não dá importância ao assunto. Esse é o grande diferencial do jornal.

Como vocês cobriam o dia-a-dia das decisões da política científica?
Acompanhávamos o que estava acontecendo através de telefonemas, pelas sociedades científicas... Eu tinha já passado pelo MCT e tinha certa experiência nisso. Procurávamos criar fontes para poder falar com Brasília, com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), com a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), com a Capes. Hoje, depois de tantos anos, é muito mais fácil do que foi no passado. Construímos isso pouco a pouco: hoje temos entrada em praticamente todos os níveis. Já somos bem conhecidos na área. A grande maioria das pessoas conhece e respeita o JC.

E como surgiu o JC e-mail?
A partir de 1993, criamos a edição eletrônica do Jornal da Ciência, precursora do JC e-mail, num estágio ainda muito rudimentar. Na época, o pessoal da área científica já tinha familiaridade com a Internet – não propriamente como meio de busca, mas como meio de comunicação. Talvez sejamos pioneiros em usar a Internet para difundir notícias de caráter científico. No início, o boletim eletrônico não era diário, saía quando julgávamos necessário. Para os leitores, era uma novidade receber pela Internet informações sobre eventos, decisões políticas e notícias que às vezes eles não tinham lido na imprensa. Esse era um serviço que eles recebiam com muito prazer e sempre foi gratuito.

A versão eletrônica já tinha o formato atual desde o início?
O formato sempre foi o mesmo, com notícias feitas por nossa equipe e um grande clipping sobre ciência selecionado com trato. Aprendemos que a notícia da imprensa nem sempre é boa, então corrigimos, acrescentamos, muitas vezes estamos em situação mais privilegiada para apurar os fatos. Mas visualmente, fomos aperfeiçoando o modelo inicial. Há cerca de três anos, demos um salto do ponto de vista gráfico. Você, hoje, pode recebê-lo em texto simples ou em html.

Quando o JC e-mail se tornou diário?
Assim que notamos que ele era muito bem recebido e que havia um número cada vez maior de assinantes e pessoas interessadas, passamos a fazê-lo diariamente. Por volta de 1995, percebemos que o projeto tinha tudo para dar certo e trabalhamos nessa direção.

E ele não pára de crescer desde então...
Na medida em que a Internet vai ganhando um campo maior de ação, mais usuários e meios tecnológicos mais avançados e eficientes, o JC e-mail foi crescendo e tem crescido num ritmo impressionante. Hoje temos mais de 25 mil assinantes e, se tivéssemos um equipamento mais avançado, provavelmente teríamos ainda mais.

Como você avalia o impacto do JC impresso e eletrônico?
Eu diria que a versão eletrônica tem mais impacto, até porque tem mais leitores. Em Brasília, o JC e-mail é lido religiosamente. Brasília é o centro do governo: lá estão as instituições, com suas assessorias funcionando a serviço das idéias de cada ministro. A cidade é uma grande máquina de promoção e informação marcadamente unilateral. E por que o JC e-mail é lido? Porque não é unilateral, porque publica tudo, contra e a favor – inclusive as notas dos ministérios. Se uma lei foi aprovada, o ponto de vista da comunidade científica a respeito certamente vai aparecer no nosso jornal. O pessoal da comunidade sabe que ali tem uma tribuna certa. Aceitamos plenamente o simples jogo democrático da informação, e isso tem um impacto muito forte.

Que balanço você faz da trajetória do jornal?
Muito positivo. Mas o jornalista certamente ainda pode melhorar muito. Já temos atividade científica e tecnológica suficiente no Brasil para comportar um jornal vendido em banca dedicado a essa área, um veículo de ampla circulação nacional que discuta tudo isso, ou seja, um Jornal da Ciência ampliado. Para isso, evidentemente, as bases têm que ser outras, a SBPC sozinha com certeza não tem condição de bancar uma iniciativa dessa. Mas deveria ser uma iniciativa não-governamental, necessariamente ligada à comunidade científica e tecnológica. Isso garantiria a autonomia de opinião que ela já tem hoje.

O que é possível fazer para melhorar o Jornal da Ciência?
O jornal pode, um dia, se tornar semanal e ter uma edição maior e mais densa. Nossa equipe, hoje, faz o jornal impresso e eletrônico. Acho que as equipes deveriam ser maiores e distintas, embora possam colaborar estreitamente. Deveríamos também contar com correspondentes nas principais capitais do Brasil. E seria importante que a própria comunidade científica escrevesse mais e externasse mais suas opiniões. Considero pequeno ainda o nível de participação da comunidade científica nos debates ligados às questões mestras da atividade científica. Há uma defasagem entre o volume da produção científica brasileira e o nível de participação ativa do ponto de vista de opinião, propostas, debates, reclamações e críticas da comunidade.

Questões relativas à política científica devem fazer parte do noticiário de ciências?
A política científica faz parte da divulgação, porque é ela que viabiliza a atividade científica. Os veículos de divulgação devem, sim, contemplar a política. Política e ciência andam estreitamente juntas, não podem ser separadas. Não se trata de politizar a ciência, mas de conhecer os caminhos efetivos pelos quais ela se viabiliza, se desenvolve e evolui: quem ajuda e por que ajuda, por que se colocam tantos milhões neste e não naquele programa ou projeto. São decisões políticas, que devem ser discutidas e conhecidas, senão vira algo secreto, clandestino, ignorado.

Com que olhos você vê o aumento recente das iniciativas de divulgação científica?
Acho ótimo, todo acréscimo que se fizer, na mídia, dedicado à ciência é importante. Vejo com muita satisfação que a televisão tem dado cada vez mais notícias de ciência. Aumentar o volume de informação é muito importante. Claro que podemos discutir o tipo de informação que é dado e a forma como ela é passada. Cabe aqui, no entanto, um exame de qual é o resultado efetivo disso na opinião pública, na sociedade.

O que é possível fazer para melhorar a divulgação científica no Brasil?
A imprensa em geral e as revistas, em particular, dão pouca atenção ao desenvolvimento da pesquisa científica e tecnológica no Brasil. Elas precisam se “nacionalizar”, sem perder de vista, é claro, os grandes avanços científicos mundiais. Temos que olhar como esses avanços repercutem aqui dentro, como movem nossos potenciais, porque aí é que está – ou não – o nosso desenvolvimento. É preciso criar ampla consciência na população brasileira de que é necessário o desenvolvimento da ciência, de que as crianças devem estudar, entre outras coisas, para serem cientistas. Enquanto não houver essa consciência, estamos perdendo tempo e espaço.

Que diferenças você vê entre a divulgação científica feita hoje e na época em que começou a atuar nesse campo?
As diferenças são muito grandes. Esses vinte anos foram revolucionários nos meios de comunicação. Naquela época não se falava de ciência na televisão como se fala hoje. Os jornais traziam pouca coisa, com raríssimas exceções. Lembro que, em 1983 ou 1984, uma revista chamada Ciência Ilustrada fechou porque não tinha público, não vendia nem conseguia publicidade. Hoje, creio que existe mais quantidade de matérias sobre ciência na mídia, embora a qualidade nem sempre seja das melhores. Os temas de ciência começam a estar presentes até em novelas, como foi o caso de O Clone, ou seja, ganham um público imenso. A nova biologia traz desafios que geram notícias trepidantes e impõem discussões amplas, porque simplesmente muda a visão das pessoas sobre a própria vida. Hoje, temos doenças – como a AIDS – que se tornaram uma tragédia universal. Tudo isso produz um novo cenário onde a ciência deve necessariamente ter um novo tratamento na mídia.

Qual é o maior desafio para o futuro da divulgação científica no Brasil?
Até hoje, trabalhamos com um conjunto restrito da população, uma parte da classe média, 30 milhões de brasileiros, se tanto. O pulo do gato que precisa ser dado é tentar atingir toda a população. A grande revolução da divulgação e da popularização da ciência no Brasil, a meu ver, é tornar-se um fenômeno de massa. Esse é um desafio histórico, é a inclusão social na área. Não temos experiência em como fazer isso, é preciso aprender. Não sei se temos os meios, a decisão política e os instrumentos para isso. Nossos cientistas ainda têm muita dificuldade para se comunicar. É preciso que se crie um programa especial na formação dos mestres e doutores brasileiros, para que eles não só realizem seu trabalho primordial de pesquisa, mas que sejam também preparados, estimulados e incentivados a pensar também no grande público. Um dia, o trabalho de quem dedica especial atenção à popularização da ciência será valorizado nesse país. E cada auxílio à pesquisa vai reservar um percentual à atividade de divulgação. Tomara que isso ocorra o mais rapidamente possível.

Que espaço devem ocupar pesquisadores, jornalistas e divulgadores profissionais na difusão da ciência?
Os profissionais são importantíssimos, mas a base continua estando com quem estudou o assunto profundamente. Quanto mais cientistas comunicadores surgirem, melhor. Há grande déficit nessa área. Hoje, há grandes jornalistas na área de ciência, o que nem sempre ocorria no passado. São pessoas que adentraram em algumas áreas e se tornaram especialistas, embora não tanto quanto um cientista que pesquisa o tema o tempo todo. Houve uma época em que se dizia que o cientista devia se esforçar para ser um jornalista e vice-versa, e desse cruzamento certamente teríamos grandes dividendos. Acho que continua sendo por aí. Ambos são necessários, porque representam formas de manter a qualidade da informação, o que é fundamental.

Biografia

José Monserrat Filho nasceu em Porto Alegre, em 11 de setembro de 1939 – "onze dias após a eclosão da Segunda Guerra Mundial", lembra. Na capital gaúcha, abraçou a profissão de jornalista, que manteria ao longo de toda a vida.

O idealismo de estudante levou-o a Moscou, em 1961, onde passou uma temporada de seis anos, durante a qual se especializou em direito internacional e teve o interesse despertado para o direito espacial. De volta a Porto Alegre, em 1967, já casado e com um filho, nascido em 1964, Monserrat se estabeleceu, em 1968, no Rio de Janeiro, onde reside até hoje.

Atualmente, além de editar o Jornal da Ciência, é vice-presidente da Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial (SBDA), membro da diretoria do Instituto Internacional de Direito Espacial [International Institute of Space Law] e do Comitê de Direito Espacial da Associação de Direito Internacional [International Law Association].


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