Publicada em: 25/01/2006 às 00:00 |
Pesquisas sobre a dengue abrem novas perspectivas Comprometido com o avanço do conhecimento científico e da inovação tecnológica na área da dengue, o Instituto Oswaldo Cruz (IOC) desenvolve ações em virologia, entomologia, biologia molecular e imunologia, entre outros campos do conhecimento. Uma série de projetos está em andamento na área. As iniciativas incluem o desenvolvimento de uma vacina recombinante, a criação do primeiro modelo experimental para o vírus da dengue, o estudo do ciclo de atividades do mosquito vetor, inovações dos métodos diagnósticos, o desenvolvimento de um sistema indicador da gravidade dos casos de infecção humana e a avaliação da resistência do vetor a inseticidas. Vacina recombinante em estudo Há oito anos os estudos para o desenvolvimento de uma vacina recombinante para os quatro sorotipos da dengue envolvem pesquisadores do IOC e de Bio-Manguinhos, unidade da Fiocruz dedicada à produção e desenvolvimento de vacinas. A biologista molecular Myrna Bonaldo, pesquisadora do Laboratório de Biologia Molecular de Flavivírus do IOC, participa deste grupo e explica que em todo o mundo existem redes como esta, voltadas para o desenvolvimento de uma vacina recombinante. As vacinas recombinantes recebem este nome porque são baseadas na tecnologia do DNA recombinante. A vacina em desenvolvimento pelo IOC e por Bio-Manguinhos usa como modelo a vacina para febre amarela, uma das poucas vacinas que usa o vírus causador da infecção em grau atenuado como mecanismos de imunização. “Usamos o genoma da febre amarela como plataforma vacinal”, a pesquisadora esclarece. “Para explicar de forma bastante simplificada, podemos dizer que retiramos dois genes que codificam a proteína do envelope viral do vírus da febre amarela e os substituímos pelos genes homólogos de cada sorotipo do vírus da dengue, que codificam a mesma função. Assim são criados os quatro diferentes vírus quiméricos de dengue e febre amarela.” A pesquisadora chama atenção para o fato de que uma vacina eficaz deve contemplar os quatro sorotipos da dengue com o mesmo patamar de eficácia. “Já desenvolvemos para os tipos 1, 2 e 4 vacinas que mostraram sucesso quanto ao grau de atenuação viral em testes com primatas”, Myrna observa. “Neste momento estamos desenvolvendo uma vacina recombinante para a dengue do tipo 3.” Primeiro modelo experimental para estudo do vírus da dengue A ausência de um modelo experimental padrão é um dos principais obstáculos enfrentados na busca de vacinas e remédios para a dengue. O Laboratório de Ultra-Estrutura Viral do IOC contribuiu de forma importante nesta área ao desenvolver o primeiro modelo experimental para o estudo da dengue. O modelo, que usa camundongos BALB/c, foi testado com eficácia para o estudo do tipo 2 do vírus e já foi utilizado com sucesso pelo Laboratório de Imunopatologia do IOC. Na experiência, 50 camundongos foram imunizados com uma vacina experimental e tiveram os sintomas da doença amenizados. “Já está em andamento a pesquisa que irá definir um padrão experimental para dengue do tipo 1 e para casos de reinfecção”, conta a pesquisadora Ortrud Monika Schatzmayr, coordenadora do estudo, referindo-se à tese de doutorado de Débora Ferreira Barreto, aluna do curso de pós-graduação em Biologia Molecular e Celular do IOC, de quem é orientadora. Conhecer para interferir no ciclo de atividades do Aedes aegypti Conhecer o ciclo de atividades do mosquito da dengue é o objetivo do estudo coordenado pelo pesquisador Alexandre Afrânio Peixoto, do Laboratório de Biologia Molecular de Insetos do IOC. “Todo organismo tem um relógio biológico”, ele explica. “Já se sabe que o Aedes aegypti é um inseto essencialmente diurno e costuma atacar no final da tarde. Este é um dado importante para a prevenção da doença e o combate ao mosquito.” Nos estudos em laboratório, mosquitos não infectados são controlados e monitorados para mapear seu ciclo de atividades. O objetivo final é, com base nestes conhecimentos, identificar formas de interferir no ciclo de vida do vetor. “Conhecendo o relógio biológico destes insetos podemos, por exemplo, aplicar um inseticida de forma mais eficiente”, Alexandre conclui. O próximo passo para aprofundar o estudo é comparar os ritmos biológicos de mosquitos infectados com mosquitos não infectados para identificar semelhanças e diferenças. Definição de marcadores de gravidade pode evitar a evolução em casos graves Com o objetivo de identificar os pacientes com possibilidade de evoluir para casos mais graves de dengue, sobretuo casos hemorrágicos, o Laborátorio de Imunofarmacologia do IOC está desenvolvendo um estudo que irá definir marcadores de gravidade para serem utilizados pelos médicos logo após a doença ser diagnosticada. “Identificando precocemente os pacientes que podem evoluir para casos mais graves, é possível saber quais deles necessitam de mais atenção e cuidados", apresenta a pesquisadora Patrícia Bozza, coordenadora do estudo. “Este dado é muito valioso para a saúde pública.” Já foram identificados alguns marcadores que permitem indicar o nível de gravidade de manifestação da doença. “A pesquisa ainda requer aprofundamento. O próximo passo será a ampliação do número de pacientes testados, englobando outros estados e institutos de pesquisa”, a pesquisadora apresenta. Método mais fácil e seguro para o diagnóstico da dengue Um novo método de diagnóstico para dengue, mais fácil, seguro e com custo reduzido, está sendo desenvolvido pelo Laboratório de Flavivírus do IOC. “Os antígenos virais utilizados nos diagnósticos feitos em laboratórios atualmente são produzidos em quantidades limitadas a partir de cérebro de camundongos infectados ou de culturas de células”, explica Flávia Barreto dos Santos, coordenadora da pesquisa. “O custo destes kits é elevado, principalmente quando há a necessidade de produção em larga escala, como em casos de epidemias." O novo método, em fase de testes, utiliza antígenos recombinantes obtidos a partir da clonagem do genoma dos vírus da dengue e da expressão dos peptídeos em bactérias. Laboratório de referência monitora a resistência e estuda alternativas para inseticidas O Laboratório de Fisiologia e Controle de Artrópodes Vetores do IOC, credenciado como centro de referência pelo Ministério da Saúde, monitora a resistência da população do mosquito Aedes aegypti a diferentes métodos de controle com base em inseticidas em testes desenvolvidos em um simulador de campo. Denise Valle, pesquisadora do Laboratório, conta que em 1958, quando o Brasil foi considerado um país livre da dengue, foi usado para controle do vetor o inseticida DDT, que teve seu uso proibido logo em seguida. Em 1967 a dengue voltou ao país, vinda da Ásia. A partir deste momento, os inseticidas da família dos organofosforados passaram a ser os mais utilizados. “Na grande epidemia de 1998, os agentes de saúde perceberam que o inseticida utilizado não estava funcionando”, a pesquisadora recorda. “Na época, a Funasa, órgão do governo ligado ao Ministério da Saúde, criou um programa com o objetivo de avaliar a resistência das populações de Aedes aegypti aos inseticidas. Dez laboratórios participavam, inclusive o Laboratório de Fisiologia e Controle de Artrópodes Vetores do IOC.” Foram definidas como área de abrangência para o estudo todas as capitais e mais alguns municípios onde foram identificados grandes focos do mosquito. Com o início deste estudo, os pesquisadores constataram a resistência aos organofosforados, que era utilizado havia 30 anos. Hoje, apenas três laboratórios continuam ligados a esta pesquisa, vinculados à Secretária de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde. A pesquisadora conta que o nível de complexidade aumentou. “Antes fazíamos o teste e chegávamos à conclusão se o método era resistente ou não”, sintetiza. “Hoje, aprofundamos o estudo para identificar o quanto o vetor é resistente ou não e quais as razões”. Por Renata Fontoura |