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A evolução do estudo da Aids, por um de seus codescobridores

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A quantidade e qualidade das pesquisas realizadas sobre o vírus HIV e sobre a Aids hoje no mundo contrasta com o verdadeiro mistério que essa doença representava para a ciência apenas 30 anos atrás. A história da descoberta do vírus foi tema da conferência apresentada pelo pesquisador francês Willy Rozenbaum, um dos codescobridores do HIV e atual presidente do Conselho Nacional de Aids da França, em conferência nesta terça-feira, 24/05, no Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz). Ele recordou os principais passos que levaram à identificação do retrovírus e abordou avanços, descobertas e os grandes desafios ainda representados pela doença.

Gutemberg Brito 

Integrante da equipe responsável pela descoberta do vírus da AIDS, Willy Rozenbaum falou sobre as perspectivas para a área. 

Participaram da conferência – em edição extraordinária do Centro de Estudos do IOC, integrada aos Seminários de Imunologia –, os pesquisadores Bernardo Galvão, da Fiocruz-Bahia, um dos responsáveis pelo isolamento do vírus no Brasil, em 1986, e Valéria Rolla, do Instituto de Pesqusias Clínicas Evandro Chagas (Ipec/Fiocruz), que investiga a coinfecção tuberculose-HIV e foi membro da equipe de Willy. A abertura do evento contou com os pesquisadores Mariza Morgado, vice-diretora de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico e chefe do Laboratório de Aids e Imunologia Molecular do IOC, referência nacional em CD4, Análise Viral e Genotipagem do HIV, e Claudio Ribeiro, anfitrião da conferência e um dos cientistas envolvidos no isolamento do HIV no Brasil.

Mariza Morgado destacou a importância do trabalho realizado por Willy e seus colaboradores no momento em que perceberam estar diante de uma nova doença, muito diferente de todas que existiam até então. “Estes foram momentos únicos e decisivos no estudo da Aids, em que a pesquisa superou o medo e o preconceito, possibilitando todos os avanços conquistados nestes últimos 30 anos”, afirmou. Para Claudio Ribeiro, a importância da atuação do francês extrapola as bancadas do laboratório. “Além de grande pesquisador clínico, Willy sempre desempenhou papel fundamental na produção de informação sobre o vírus, atuando na superação de preconceitos e no esclarecimento da população”, afirmou. 

Descoberta

Na conferência HIV 1981 – 2011: Pesquisa, Descoberta e Perspectivas, Willy recordou o momento em que um estranho dado epidemiológico fez sua carreira de clínico interessado na epidemiologia de doenças infecciosas mudar de rumos. “No início dos anos 1980, começaram a ser registradas muitas infecções oportunistas, como linfomas, em pacientes que não tinham nenhum motivo para apresentarem seu sistema imunológico debilitado. Primeiro, o único fator em comum entre quase todos eles era a homossexualidade, mas em pouco tempo os heterossexuais já representavam cerca de 10% das pessoas com essa imunodeficiência de origem desconhecida”, descreveu o pesquisador.

Gutemberg Brito 

O convidado fez um panorama sobre a evolução das pesquisas científicas sobre o HIV no mundo. 

Nos meses seguintes, surgiram hipóteses relacionando a doença a algum tipo de vírus transmitido pelas relações sexuais e pelo uso de drogas intravenosas, mesmas vias de transmissão do vírus da hepatite B, identificado em 1975. “Essa ideia foi reforçada pela identificação do primeiro retrovírus humano, também no início da década de 1980. Em 1983, a hipótese foi confirmada ao conseguirmos isolar o retrovírus responsável pela doença, o HIV, um vírus completamente diferente de todos os conhecidos até o momento” conta Willy.

A evolução da pesquisa em Aids

A partir daí, a comunidade científica se dedicou ao estudo do ciclo da doença, desenvolvendo testes capazes de indicar a infecção pelo vírus antes dos primeiros sintomas clínicos, bem como formas de tratamento e prevenção. “No início, o diagnóstico era apenas clínico e só acontecia com a doença já avançada. Ao entender o ciclo de replicação viral e principalmente após a criação das modernas técnicas de PCR, no início da década de 1990, foi possível desenvolver testes sorológicos para o diagnóstico da Aids e relacionar o desenvolvimento da doença com o aumento da carga viral e a queda dos níveis do linfócito CD4, uma de nossas mais importantes células de defesa”, explicou Willy. “Esse conhecimento permitiu avaliar a evolução da doença no organismo, além de possibilitar o  tratamento e a prevenção das infecções oportunistas a partir dos níveis de anticorpos, melhorando a qualidade de vida das pessoas que viviam com HIV”, afirmou.

Alternativas para o tratamento da infecção pelo vírus também não demoraram a aparecer, mas os resultados a médio prazo frustraram as expectativas dos pesquisadores.
“O AZT, medicamento capaz de suprimir a replicação viral, foi desenvolvido em 1986 e rapidamente colocado à disposição dos pacientes. Porém, apesar da grande melhora apresentada no início da utilização, em 20 semanas os pacientes retornavam à mesma condição anterior ao tratamento. Isso nos mostrou um grande desafio, pois as drogas selecionavam as mutações do vírus menos sensíveis, fazendo com que o AZT parasse de funcionar”, recordou Willy.

Nos anos seguintes, foram criadas outras drogas e as primeiras estratégicas de combinação entre elas, mas o resultado nunca era duradouro. A situação mudou na década de 1990, com o desenvolvimento de novas gerações de medicamentos inibidores de proteases. “Atuando diretamente na capacidade do vírus de penetrar nas células de defesa, eles apresentavam resultados melhores na redução de carga viral e efeitos mais permanentes”, explicou. Hoje, cerca de 25 drogas são utilizadas no tratamento da doença, combinadas em estratégias terapêuticas que visam controlar a carga viral e os níveis de CD4.

Desafios ainda maiores

Além de relembrar a evolução das pesquisas sobre o HIV nas últimas três décadas, Willy também abordou os desafios que a Aids ainda representa nos dias de hoje. “Apesar da queda acentuada de mortes e de infecções oportunistas associadas à doença, muito relacionada aos avanços no tratamento, o número de casos continua aumentando. Hoje são 30 milhões de pessoas vivendo com o HIV e, neste ritmo, em 2030 serão 60 milhões. Talvez a explicação para isso seja a grande parcela da população que tem o vírus, mas não sabe”, avalia.

“Ainda não estamos próximos de uma vacina, mas temos apresentado avanços no estudo de microbicidas, tratamentos de pré e pós-exposição, e estratégias de prevenção da transmissão vertical. É importante entender que só o preservativo não basta, é preciso combinar diversas estratégias de prevenção, controle e tratamento da doença. Lidar com a questão do preconceito, que ainda é grande, e transformar as inovações em alternativas de tratamento e prevenção disponíveis a toda a população também são questão fundamentais para os próximos anos”, acredita o francês. 

HIV no Brasil

Bernardo Galvão, hoje pesquisador da Fiocruz-Bahia e um dos responsáveis pelo isolamento pioneiro do HIV no Brasil, realizado no Instituto Oswaldo Cruz em 1987, destacou a capacidade brasileira de responder ao surgimento da Aids e abordou os avanços nacionais na luta contra a doença. “O isolamento do vírus foi um marco da pesquisa nacional, mostrou como é fundamental investir em saúde e ciência para preparar o país para o surgimento de novas doenças. A partir dele foi possível desenvolver, por exemplo, um sistema de triagem dos bancos de sangue do país, conquista que colocou o Brasil no cenário mundial de luta contra a doença, rendendo à Fiocruz participação na Rede Internacional de Isolamento e Caracterização do HIV”, lembrou Galvão. “Hoje, a sociedade brasileira conquistou acesso ao tratamento gratuito para a doença através do Sistema Único de Saúde e nossos pesquisadores continuam produzindo conhecimento científico de ponta sobre a Aids”, concluiu.

Gutemberg Brito 

Os pesquisadores Bernardo Galvão da Fiocruz-Bahia - um dos responsáveis pelo isolamento pioneiro do HIV no Brasil - e Valéria Rolla, do Ipec/Fiocruz, destacaram a capacidade brasileira de responder ao surgimento da Aids

Valéria Rolla, do Ipec/Fiocruz, encerrou o evento relembrando os momentos que vivenciou ao lado de Willy durante a preparação de sua tese de doutorado, no Hospital Rotchild, na França. A pesquisadora destacou a dedicação do francês aos estudos pioneiros sobre o HIV e a multidisciplinaridade de sua abordagem. “Nossa equipe era formada por profissionais de diversas áreas, que constantemente trocavam conhecimento e informação, enriquecendo o processo de compreensão da Aids. Como uma doença muito complexa, o tratamento e a prevenção da Aids também precisam de abordagens variadas”, defendeu.

Marcelo Garcia

25/05/2011

Permitida a reprodução sem fins lucrativos do texto desde que citada a fonte (Comunicação / Instituto Oswaldo Cruz).

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