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Dupla nociva

Estudo identifica enzima e linfócito que agravam as lesões cardíacas na fase crônica da doença de Chagas

A cardiopatia chagásica crônica (CCC) é considerada a pior das complicações ocasionadas pela doença de Chagas e acomete pelo menos um terço dos pacientes em algum momento de suas vidas. Identificar os mecanismos de um agravo que pode levar até três décadas para produzir sintomas é tarefa árdua para pesquisadores da área. Após 14 anos de estudos desenvolvidos no Laboratório de Biologia das Interações do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), a equipe liderada pela pesquisadora Joseli Lannes aponta o linfócito T CD8 e a enzima óxido nítrico sintase (iNOS) como agravantes da cardiopatia. Ambos são produzidos pelo corpo após a infecção pelo parasita Trypanosoma cruzi e suas funções permaneciam incertas para a comunidade científica até então. A descoberta abre caminho para novas alternativas de identificar e tratar o agravamento.

Gutemberg Brito

A chefe do Laboratório de Biologia das Interações, Joseli Lannes, vem se dedicando ao estudo há 14 anos  

Um veneno produzido pelo próprio corpo

Na tentativa de se defender da infecção pelo T. cruzi, o sistema imunológico humano produz óxido nítrico. A substância é tóxica e atua contra parasitas e tumores, mas, quando em grandes quantidades, pode lesionar o coração – que, no caso dos pacientes com Chagas, já está danificado pelo próprio protozoário. “Como o paciente permanece infectado por toda a vida, o organismo nunca para de produzi-la. Relatos na literatura já davam conta de que quanto mais óxido nítrico havia acumulado no soro dos pacientes crônicos, pior era o quadro de cardiopatia chagásica crônica”, explica Joseli.

Para descobrir a origem do óxido nítrico, foi analisado o tecido cardíaco dos modelos experimentais de macacos Rhesus infectados – que desenvolvem a forma crônica da doença, com um quadro compatível com o da cardiopatia crônica humana. Nas amostras, encontraram as células produtoras de iNOS, a enzima responsável pela sintetização do óxido nítrico. Já nos camundongos - que não a produzem - os danos teciduais eram bem menos graves. “O que falta esclarecer agora é a razão do aumento na expressão desta enzima”, ressalta a chefe do laboratório.

Estabelecer formas de diminuir as taxas de iNOS a níveis aceitáveis para o organismo também é um dos próximos objetivos da equipe, que considera a possibilidade de usar medicamentos já utilizados para outras finalidades. “Temos no mercado drogas como a estatina, que inibe a produção de óxido nítrico e é receitada para controle do colesterol. O próprio ômega 3, encontrado em uma série de alimentos, também pode ser benéfico nestes casos”, diz Joseli. Leia o artigo aqui.

Acervo IOC

Na figura A, tecido do miocárdio de um macaco não-infectado. Na B, 41 dias após a infecção pelo T. cruzi, há fibrose característica de um quadro agudo. Na figura C, três anos após a infecção, a fibrose residual é compatível com a forma indeterminada da doença. Por fim, a figura D mostra o miocárdio de um modelo experimental infectado 20 anos antes com intensa fibrose, própria da forma crônica da doença.

CD8 do bem, CD8 do mal
 
O papel do linfócito CD8 no agravamento da cardiopatia chagásica crônica também foi investigado. Assim como no caso do óxido nítrico, a produção destes leucócitos é ativada após a infecção pelo tripanossoma. Segundo os dados que acabam de ser publicados, eles se dividem em dois grupos com funções antagônicas: um deles produz interferon-gama, proteína que diminui os danos cardíacos, enquanto o outro produz perforina, que provoca alterações elétricas e lesão nas fibras musculares do coração.

Além de identificar como cada grupo de CD8 age no tecido danificado, a equipe constatou uma maior frequência de linfócito produtor de perforina expressa nos receptores de migração, o que favorece o seu deslocamento até o coração. “Os modelos experimentais com cardiopatia chagásica crônica grave possuíam grande número de CD8 inflamatório no órgão, enquanto que o benéfico ficava apenas circulando no sangue periférico e retido no baço”, explica Joseli.

De acordo com a pesquisadora, o desafio agora é saber por que essas células expressam estas moléculas de forma segregada e se acumulam de forma compartimentalizada e, também, identificar quais fatores favorecem a migração do linfócito prejudicial ao tecido cardíaco em detrimento do linfócito benéfico. O fenômeno é comum à AIDS e à doença de Chagas. “Estamos falando de uma doença em que um parasita promove desequilíbrio na resposta imune. Buscamos entender esses mecanismos para elaborar propostas terapêuticas que proporcionem melhor prognóstico e melhoria na qualidade de vida dos pacientes por meio de drogas que já estão em uso para outras doenças”, diz a pesquisadora. Leia o artigo.

Os estudos, divulgados em artigos neste ano nos periódicos científicos ‘PLoS Pathogens’ e ‘PLoS Neglected Tropical Diseases’, abrem caminhos para novos tratamentos e abordagens. A doença de Chagas consta no rol dos agravos considerados pela Organização Mundial da Saúde como negligenciados e atinge, pelo menos, oito milhões de pessoas na América Latina. A chefe de laboratório ressalta a colaboração de pesquisadores de instituições de dentro e fora da Fiocruz, como a Universidade Federal Fluminense (UFF), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas (Ipec/Fiocruz), Fiocruz-Minas e Bio-Manguinhos/Fiocruz.

 

 

Isadora Marinho
04/12/2012
Permitida a reprodução sem fins lucrativos do texto desde que citada a fonte (Comunicação / Instituto Oswaldo Cruz)

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