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Mobilização contra as leishmanioses

Na Semana Nacional de Controle e Combate à Leishmaniose, pesquisadora do IOC explica o impacto da doença que já mata mais do que a dengue em alguns estados brasileiros

Instituída em 2012 pelo Ministério da Saúde, a Semana Nacional de Controle e Combate à Leishmaniose teve início na última a segunda-feira (5/8). O governo vai estimular e promover ações educativas e preventivas, além de discussões sobre as políticas públicas de vigilância e controle da zoonose. Tais debates se fazem urgentes: anualmente, quase quatro mil brasileiros são diagnosticados com a forma mais grave da doença – a leishmaniose visceral – segundo agravo parasitário que mais causa mortes no mundo. A transmissão ocorre pela picada de pequenos insetos, os flebotomíneos, infectados com parasitas do gênero Leishmania e costumava estar restrita às regiões rurais do Nordeste. Nos últimos 15 anos, no entanto, a urbanização do campo fez com que a doença chegasse às grandes cidades. Se no ano 2000 as regiões Norte, Sudeste e Centro-Oeste respondiam por apenas 17% dos casos de leishmaniose visceral, atualmente concentram quase 50% dos diagnósticos, segundo a Secretaria de Vigilância de Saúde (SVS). Entre 2000 e 2010, os óbitos registrados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) superaram em quatro vezes as mortes por dengue em Minas Gerais e em três vezes no Mato Grosso do Sul.

Com a expansão, são mais de 1.300 municípios distribuídos por 21 estados brasileiros afetados pela doença, incluindo a forma cutânea, conhecida como leishmaniose tegumentar americana. Também transmitida pela picada de flebotomíneos infectados com Leishmania (porém de espécies distintas), a forma tegumentar atinge 22 mil brasileiros todos os anos. De acordo com Claude Pirmez, a pesquisadora do Laboratório Interdisciplinar de Pesquisas Médicas do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) e especialista em leishmanioses, o controle da doença depende principalmente da articulação de ações em frentes distintas: diagnóstico precoce de humanos e cães infectados – um dos principais reservatórios do parasita, além do tratamento adequado e controle do vetor.

Diagnóstico e resistência

“A leishmaniose visceral tem sintomas inespecíficos, como febre e aumento do tamanho do fígado e do baço, podendo ser facilmente confundida com outras doenças infecciosas. Os testes de diagnóstico, baseados na sorologia, também deixam a desejar. É comum ocorrer reatividade cruzada com a forma tegumentar ou doença de Chagas, por exemplo”, diz Claude. A doença, quando não tratada, leva à morte, e por isso a demora no diagnóstico de um paciente pode lhe custar a própria vida.

Num ambiente silvestre, o ciclo da doença é mantido em raposas, e no ambiente doméstico, o cão representa o principal reservatório da espécie de Leishmania presente no território brasileiro. A infecção canina em geral precede o aparecimento dos casos humanos. “Enquanto uma pessoa leva em média até dois meses para manifestar a doença, o animal pode permanecer assintomático por muito mais tempo, até anos. São muitos meses servindo de reservatório da Leishmania, permitindo que mais vetores se infectem e o ciclo de transmissão seja perpetuado”, afirma. A pesquisadora explica que no cão, os protozoários estão disponíveis na pele do animal em grande quantidade, facilitando a infecção do flebotomíneo, popularmente chamado de mosquito-palha.

Em cidades como Belo Horizonte (MG), Campo Grande (MS) e Araçatuba (SP), o controle dos cães reservatórios sofre entraves. Até janeiro deste ano, a Portaria interministerial dos Ministérios da Saúde e da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (http://www.cfmv.org.br/portal/legislacao/outras_normas/porta1426.pdf), proibia o tratamento de animais infectados com drogas para humanos e recomendava a eutanásia. Foi considerada ilegal pelo Tribunal Regional Federal, com a justificativa de que impedia o livre exercício da profissão de médico veterinário garantido pela legislação. “O motivo pelo qual o tratamento era e deve ser proibido é porque ele não tem a eficácia desejada, ou seja, mesmo que o animal apresente melhora no quadro, o parasita continua circulando na corrente sanguínea e acessível ao vetor”, diz.

Ainda de acordo com a pesquisadora, em muitas localidades é comum o dono esconder o bicho quando recebe a visita de um agente de controle de zoonoses. Mesmo com a decisão da Justiça, o Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) manteve a orientação de não tratar cães diagnosticados. “O ideal seria termos uma vacina. Embora existam duas no mercado, não há comprovação científica de que elas sejam 100% eficazes, e o Ministério da Saúde não recomenda seu uso em Saúde Pública, mas tem incentivado estudos de fase III de forma a determinar a segurança e eficácia desses produtos”.

Tratamento complexo

O controle dos animais reservatórios é complexo – mas o dos vetores também é. Assim como populações de triatomíneos transmissores da doença de Chagas e o mosquito transmissor da dengue, os flebotomíneos vêm desenvolvendo resistência aos inseticidas. De acordo com Claude, há laboratórios de referência nas unidades da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) no Rio de Janeiro, em Minas Gerais e em Pernambuco que já trabalham no monitoramento da resistência de vetores, dentre eles o Lutzomia longipalpis, principal transmissor da leishmaniose no continente americano. “O desenvolvimento de novos inseticidas é imperativo, assim como o de novas drogas para o tratamento da doença”, reforça.

Além de lutar contra os sintomas da doença, o paciente precisa, por vezes, resistir aos os severos efeitos colaterais provocados pelas drogas. O tratamento é oferecido de forma gratuita pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e exige uma logística que, de acordo com a pesquisadora, desfavorece o paciente. O tratamento disponível é injetável e no caso da doença visceral, o tratamento exige internação hospitalar. “Não existem comprimidos, ou seja, se a pessoa quiser fazer o tratamento em casa, ela precisará de alguém para lhe aplicar a injeção intramuscular todos os dias. Trata-se de uma terapia dolorosa, baseada em medicamentos de alta toxicidade e com uma série de restrições. O glucantime, por exemplo, não pode ser utilizado em pacientes cardíacos ou renais, e muitos casos exigem internação para tratamento, incluindo a doença visceral”, analisa.

Ao contrário da visceral, onde o fígado, baço e até a medula óssea são comprometidos, o paciente com a forma cutânea da leishmaniose desenvolve úlcera crônicas na pele, e embora a cura possa ocorrer espontaneamente, leva mais de um ano para isso. “Como o tratamento longo e doloroso, muitos pacientes desistem do tratamento. O problema é que a chance da ferida reabrir ou desse paciente vir a desenvolver a forma mais grave da doença, a muco-cutânea, que acomete a mucosa do nariz e cartilagens é muito maior do que aqueles que fazem o tratamento completo”, reforça.

Na primeira década do século XXI, a leishmaniose visceral matou mais do que a dengue em nove estados brasileiros, segundo o Ministério da Saúde. “É fundamental integrar ações em todas estas frentes para promover uma mudança efetiva do cenário e interromper o avanço da doença”, conclui.

* Imagem de capa: Gabriel Eduardo Melim Ferreira e Alejandra Saori Araki

Isadora Marinho
08/08/2013
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