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Descobertas em meio à pandemia de gripe

Tese ganhadora do Prêmio Alexandre Peixoto revelou mecanismo que pode explicar por que pacientes com HIV apresentam sintomas leves após infecção pelo vírus H1N1

Em pacientes soropositivos, a presença do HIV desencadeia respostas do sistema imune que dificultam a replicação do vírus Influenza H1N1, causador da gripe A. Esta descoberta pode explicar uma situação surpreendente observada durante a pandemia de 2009: enquanto a maioria dos pacientes com imunidade reduzida, como indivíduos com câncer e transplantados, sofreu com quadros graves de gripe A, muitos portadores do HIV apresentaram formas leves da doença. A ‘batalha’ entre os dois vírus foi descrita na tese ‘O Vírus influenza em pacientes com câncer e em coinfecção com o HIV-1’, da bióloga Milene Miranda Accioly de Mesquita, vencedora do Prêmio Anual IOC de Teses Alexandre Peixoto 2014. Realizado no Programa de Pós-graduação em Biologia Celular e Molecular do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), o projeto foi orientado pelo pesquisador Thiago Moreno, do Laboratório de Vírus Respiratórios e do Sarampo, e co-orientado pela pesquisadora Marilda Siqueira, chefe do mesmo Laboratório.

“Além de analisar amostras de pacientes, realizamos ensaios de coinfecção in vitro [em culturas de células] e verificamos que uma proteína do HIV, chamada gp120, é capaz de inibir a replicação do vírus Influenza H1N1. Por outro lado, também observamos que o Influenza H1N1 pode dificultar a proliferação do HIV. Essas descobertas abrem um leque de questões, que atualmente são exploradas em outros estudos”, afirma Milene.

Foto: Gutemberg Brito

Os orientadores Thiago Moreno e Marilda Siqueira destacaram o empenho de Milene na pesquisa sobre o vírus H1N1, iniciada durante a pandemia

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o vírus causador da pandemia – tecnicamente chamado Influenza A(H1N1)pdm09 – não tinha sido identificado em infecções humanas antes de 2009. A principal hipótese é que ele tenha se originado de um patógeno animal, que, após mutações, se tornou capaz de infectar pessoas. Após os primeiros casos diagnosticados em abril daquele ano no México, a doença se alastrou rapidamente. Em menos de três meses, a gripe A atingiu 74 países e alcançou o status de pandemia, segundo a OMS. Nessa época, o total de casos se aproximava de 30 mil, com cerca de 150 mortes. No Brasil, o Laboratório de Vírus Respiratórios e Sarampo, que atua como centro de referência nacional em Influenza junto ao Ministério da Saúde, foi designado responsável pelos exames para o diagnóstico laboratorial da gripe A, confirmando, em maio, os casos nos primeiros pacientes.

A emergência da doença mudou os rumos da tese de Milene, que havia iniciado sua pesquisa de doutorado apenas um mês antes, com foco no Vírus Sincicial Respiratório (RSV), um patógeno causador de infecções em crianças. Para o orientador do projeto, a alteração no tema da pesquisa foi ao mesmo tempo um risco e uma oportunidade. “Havia uma demanda por estudos sobre o Influenza pandêmico e nós recebemos no Laboratório amostras de muitos pacientes. Por outro lado, foi difícil começar uma pesquisa de doutorado em cima de um patógeno novo. No começo da epidemia, era necessário usar normas de biossegurança de nível 4 [o maior da escala] para lidar com este vírus”, comenta Thiago. Ainda em 2009, o grau de risco foi reavaliado para a classe 2.

Foco na imunidade

Além da interação com o HIV, a pesquisa investigou características da doença em pacientes em tratamento para o câncer e submetidos a transplantes. Por sua baixa imunidade, estes grupos são considerados mais vulneráveis. O estudo mostrou que a duração da infecção pelo H1N1 era até sete vezes maior em crianças com leucemia linfoide aguda (LLA) – tipo de câncer que atinge as células de defesa do sangue. Enquanto na população em geral partículas virais eram liberadas em gotículas de saliva por cerca de oito dias, nas crianças com LLA esse período chegava a 60 dias. “O tempo de excreção viral, um dos maiores descritos na literatura, é um dado importante para o acompanhamento dos pacientes”, diz Milene. Já a pesquisa com pacientes transplantados investigou casos de infecção provocados por uma cepa do vírus que era considerada mais agressiva do que as demais. A análise mostrou que, apesar da baixa imunidade, alguns indivíduos desenvolveram quadros relativamente benignos, contrariando a hipótese de maior agressividade desta cepa.

Foto: Gutemberg Brito

Além de aplicações na saúde pública, a tese teve desdobramentos em novos estudos sobre a interação entre os vírus H1N1 e HIV

Os achados da tese foram publicados em três artigos na revista científica Plos One e um quarto trabalho foi divulgado no periódico Diagnostic Microbiology and Infectious Disease. O orientador do projeto destaca o caráter translacional dos estudos, que podem impactar no atendimento clínico. “A partir do trabalho em laboratório, pudemos enxergar aplicações em saúde pública. No caso dos pacientes com câncer, por exemplo, não havia orientação para monitorar a infecção por um período tão longo quanto o detectado na pesquisa”, avalia Thiago.

Aprovada no concurso público promovido pela Fiocruz em 2010, Milene assumiu o cargo de tecnologista no Laboratório de Vírus Respiratórios e Sarampo no começo de 2013. Para ela, o esforço dedicado à tese é reconhecido pelo Prêmio Alexandre Peixoto. “Trabalhar com amostras coletadas de pacientes em um momento real de epidemia representou um desafio. Nem sempre as informações completas que gostaríamos de ter para a pesquisa estavam disponíveis e tivemos que lidar com estas limitações. O prêmio reconhece o conjunto de resultados da tese, o que é muito gratificante”, ressalta.

O fim da pandemia de Influenza H1N1 foi decretado pela OMS em agosto de 2010, quando a frequência de casos se tornou semelhante à de outros vírus da gripe. Após alcançar 214 países, com mais de 18 mil mortes, o H1N1 passou a circular de forma sazonal no planeta. Atualmente, a vacina contra a gripe já é capaz de prevenir para a infecção.


Maíra Menezes
29/10/2014
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