Publicada em: 31/03/2015 às 17:01
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Vírus do Oeste do Nilo em pauta
Jornalismo

Seminário promovido pelo Ministério da Saúde contou com a participação de pesquisadores da Fiocruz para preparar ações de vigilância no país

Comum em diversos países do hemisfério Norte, o vírus do Oeste do Nilo pode causar quadros neurológicos graves em humanos e também em animais, incluindo cavalos. Recentemente, a doença despertou a atenção após a confirmação do primeiro paciente no Brasil. Com o intuito de elaborar estratégias de vigilância de controle do vírus no país, o Ministério da Saúde realizou o ‘I Seminário e Workshop sobre o vírus do Nilo ocidental no Brasil: pesquisas, situação epidemiológica, perspectivas e as diretrizes para a vigilância, prevenção e controle’. O evento, que aconteceu nos dias 23, 24 e 25 de março, em Brasília, contou com a presença de especialistas de diferentes áreas, além de técnicos do grupo de trabalho sobre arboviroses – conjunto de viroses essencialmente transmitidas por mosquitos – da Secretaria de Vigilância em Saúde. Representantes do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) participaram das discussões.

Em 2011, foram encontradas, pela primeira vez, evidências da circulação do vírus no Brasil. Na época, pesquisadores do IOC/Fiocruz identificaram anticorpos para o vírus do Oeste o Nilo no sangue de cavalos do Pantanal do Mato Grosso do Sul. Isso indica que, em algum momento, estes animais tiveram contato com o vírus. Apenas em 2014 foi detectado o primeiro caso clínico de febre do Oeste do Nilo em humanos no país, no estado do Piauí. A confirmação da doença foi uma das motivações para que o Ministério da Saúde promovesse o evento, que buscou preparar ações de vigilância do vírus.

Objetivos e resultados

O seminário também busca entender o panorama do vírus no país. “É importante conhecer a atual situação do vírus, para saber se está circulando aqui de forma epidêmica, possivelmente trazido de fora por aves, ou se de fato a doença é endêmica e ainda não havia sido notada”, explica Ricardo Lourenço, chefe do Laboratório de Transmissores de Hematozoários do IOC/Fiocruz e um dos convidados do evento.

Josué Cristiano

É importante compreender se a doença é endêmica ou epidêmica segundo o entomologista Ricardo Lourenço


Para a pesquisadora Ana Maria Bispo, do Laboratório de Flavivírus do IOC/Fiocruz, a reunião foi produtiva. “Surgiram muitas sugestões interessantes referentes à vigilância humana, animal, entomológica e laboratorial. Como resultado, um documento com as principais recomendações do grupo servirá de base para o Ministério da Saúde definir as ações de vigilância para a febre do Oeste do Nilo”, ressalta a virologista.

Vírus versátil

No Brasil, o caso humano foi diagnosticado em uma área rural do Piauí e as primeiras evidências de circulação entre animais ocorreram no Pantanal de Mato Grosso do Sul. Entretanto, o vírus também vem sendo reportado em áreas urbanas de outros países. A doença é verificada especialmente na Europa e nos Estados Unidos, onde já houve casos em Nova Iorque, a maior cidade do país. Diante deste cenário, o Ministério da Saúde está em alerta.

A preocupação quanto à possibilidade de urbanização da doença no país está relacionada à ampla presença de um dos mosquitos transmissores – o Culex quinquefasciatus, popularmente conhecido como pernilongo – em muitos centros urbanos brasileiros. “Até o momento, o vírus foi evidenciado apenas em ambiente silvestre e rural no Brasil, mas há uma preocupação de que ele possa circular em áreas urbanas”, destaca Alex Pauvolid-Corrêa. Doutor formado pelo Programa de Pós-Graduação em Medicina Tropical do IOC/Fiocruz, atualmente ele realiza o pós-doutorado no Centro para Prevenção e Controle de Doenças (CDC, na sigla em inglês), nos Estados Unidos.

Arquivo pessoal

Alex Pauvolid-Corrêa alerta para a possibilidade da urbanização da doença


Dificuldade no diagnóstico

Um desafio é encontrar formas de diagnosticar corretamente a doença tanto do ponto de vista clínico quanto laboratorial. Segundo a virologista Ana Bispo, no que se refere às manifestações clínicas, a similaridade com outras arboviroses como, por exemplo, a dengue, pode complicar o diagnóstico. O reconhecimento de um caso de febre do Oeste do Nilo é dificultado, uma vez que os sintomas são indistinguíveis, principalmente na ausência de comprometimento neurológico”, sintetiza.

Gutemberg Brito

A virologista Ana Bispo destaca a dificuldade no diagnóstico correto da febre do Oeste do Nilo devido à semelhança de sintomas em relação a outras doenças, como a dengue


O diagnóstico laboratorial também não é uma tarefa fácil: diferentemente do que acontece na dengue, quando a carga viral é alta no momento em que surgem os primeiros sintomas, facilitando a detecção da doença, na febre do Oeste do Nilo a presença do vírus já está baixa no momento de início da manifestação do quadro clínico. “A elevada carga viral acontece antes do início dos sintomas. Então, quando a pessoa se sente mal e vai ao médico, não tem mais uma carga viral suficientemente alta para ser detectada no sangue. Por isso, o diagnóstico é preferencialmente realizado por sorologia, que detecta os anticorpos para o vírus do Oeste do Nilo”, explica Alex.

Proteção cruzada?

A maior parte dos casos relatados de febre do Oeste do Nilo acontece no hemisfério Norte. Uma das diferentes hipóteses para o menor número de casos na América do Sul é a possível proteção cruzada promovida pela grande circulação de vírus similares ao do Oeste do Nilo na região, como os causadores da dengue e da febre amarela. “Se uma pessoa foi infectada pelo vírus da dengue ela não está imune ao vírus do Oeste do Nilo. Porém, uma das teorias é de que os anticorpos gerados nessa infecção primária poderiam levar a uma proteção cruzada parcial, diminuindo o número de casos clínicos na região”, supõe Alex.

Apesar de, até o momento, ter sido oficialmente reportado apenas um único caso da doença no Brasil e da possibilidade de proteção cruzada, a vigilância é essencial. Segundo o pesquisador, além do vírus apresentar alta taxa de mutações, do ponto de vista geográfico a doença é hoje considerada a arbovirose mais amplamente distribuída no mundo. “Por isso, não podemos afirmar que a urbanização do vírus do Oeste do Nilo não irá acontecer. A preocupação é sempre constante, ainda mais por se tratar de um vírus que circula em ambientes tão diferentes”, conclui Alex.

A pesquisadora Márcia Chame, da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz), também participou do evento.

Foto de capa: Kathy Keatley/UC Davis Department of Entomology

Fernanda Turino
31/03/2015
Permitida a reprodução sem fins lucrativos do texto desde que citada a fonte (Comunicação / Instituto Oswaldo Cruz).


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