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Estudo clínico inédito investiga uso complementar de medicamento à base de selênio para doença de Chagas

Pesquisa sobre uso complementar de medicamento à base de selênio chega aos testes clínicos. Substância pode melhorar a qualidade de vida dos pacientes que sofrem com danos cardíacos provocados pela doença

Manoel dos Santos, de 57 anos, descobriu que tinha contraído a doença de Chagas em 2006. O aposentado, que chegou ao Rio de Janeiro há mais de 35 anos, acredita que isso tenha acontecido em sua cidade natal, o município de Teixeira, na Paraíba. Cansaço, fadiga e indisposição eram alguns dos sintomas que o impossibilitavam de cumprir as atividades do dia a dia. Após passar por uma série de consultas médicas, ele foi diagnosticado com o agravo.

Nos últimos dois meses, a rotina de Manoel se transformou e ele passou a fazer parte do grupo de voluntários que participa dos testes clínicos do ‘Projeto Selênio’, que iniciou a fase de inclusão de pacientes em 2014. Liderada pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), em parceria com o Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz), a iniciativa inédita propõe uma estratégia complementar aos atuais medicamentos usados no tratamento da doença de Chagas: um suplemento à base de selênio, que atua como um poderoso antioxidante e que pode reduzir os danos cardíacos relacionados à fase crônica da enfermidade. “Uma das causas da cardiopatia, neste estágio da doença, é o dano oxidativo, caracterizado pela ação do oxigênio no organismo que afeta células do corpo a partir da geração de radicais livres. Este novo fármaco busca prevenir esta ação que acelera o desgaste do coração”, explicou a pesquisadora Tania Araújo-Jorge, coordenadora do estudo e chefe do Laboratório de Inovações em Terapias, Ensino e Bioprodutos do IOC.

O estudo clínico, aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), busca avaliar os benefícios da substância em indivíduos com a forma crônica da doença. O desenho do ensaio foi publicado na revista científica internacional ‘Trials’, especializada em estudos clínicos. A expectativa é de que, uma vez comprovada a eficácia do selênio para a melhoria dos indicadores de evolução da cardiopatia nos pacientes, o medicamento possa ser introduzido na rotina de tratamento. “Participar de uma iniciativa como essa é uma satisfação muito grande. Saber que estou tendo a chance de ajudar outras pessoas é um ganho único”, destacou Manoel.

Arte: Jefferson Mendes

Elemento antioxidante

Elemento químico essencial à vida, o selênio está presente no sangue e nos tecidos em baixas concentrações na forma de um micronutriente. Componente natural do solo, a substância é captada pelas plantas e transmitida para os alimentos. Além de proteger contra danos oxidativos que são comuns em infecções – como a causada pela doença de Chagas - o selênio também é importante para o metabolismo de hormônios da tireoide e pela síntese de DNA, por exemplo. Além disso, é comumente utilizada no tratamento de outras doenças, como alguns tipos de câncer e algumas cardiopatias não infecciosas.

Tania explica que a relação entre o baixo nível de selênio e a evolução para formas mais graves da doença de Chagas começou a ser investigada no final da década de 90. Uma primeira publicação de dados em pacientes aconteceu em 2002, o que gerou a evidência de que os níveis de selênio no soro dos pacientes eram mais baixos quando eles estavam no estado mais avançado da doença cardíaca. “Os estudos feitos com animais comprovaram a hipótese de que os indivíduos infectados suplementados com selênio poderiam desenvolver menos lesões e sintomas, conseguindo viver melhor. A substância poderá ser usada para repor os níveis de selênio no organismo de pacientes chagásicos e ser complementar aos atuais medicamentos utilizados no tratamento da doença de Chagas”, completou. O selênio não reduz a taxa de reprodução do Trypanosoma cruzi (parasito causador da doença de Chagas) no organismo, mas tem potencial para melhorar a função cardíaca, e por consequência, a qualidade de vida dos pacientes.

Ensaio clínico

Para esta etapa, estão sendo selecionados voluntários em fase crônica da doença atendidos pelo Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas. Com duração prevista de cinco anos de acompanhamento após a inclusão do último voluntário, o ensaio clínico contará com a participação de 130 pacientes. Eles são divididos em dois grupos: o primeiro recebe o tratamento com selênio, e o segundo, recebe cápsulas idênticas, mas sem a substância terapêutica. “Para que não haja interferências, nem os voluntários nem os profissionais da equipe sabem quem faz parte de cada grupo, apenas o farmacêutico responsável do projeto. Todos contribuem para o processo de comparação e validação dos efeitos do medicamento, pois um grupo não pode ser analisado sem o outro”, explica Tania. “Nesta primeira fase, o tratamento é feito com doses diárias do medicamento, via oral, e com baixa quantidade da substância, porém, com uma concentração suficientemente efetiva para beneficiar o sistema cardiovascular”, completa Tania. As cápsulas usadas no ensaio são produzidas e doadas pela farmacêutica Catalent Relthy Softgel, por meio de uma parceria público-privada firmada pelo projeto.

Durante todo o período, o quadro clínico dos voluntários será acompanhado por meio de consultas médicas, realização de exames clínicos e de sangue, além de avaliação dos indicadores de desenvolvimento das cardiopatias. Os pesquisadores esperam obter como resultado uma redução de pelo menos 50% na taxa de progressão da cardiopatia chagásica crônica. “A expectativa é que o selênio possa fortalecer as defesas antioxidantes dos pacientes e não apresente efeito colateral”, concluiu Tania.

Lucas Rocha
21/05/2015
Permitida a reprodução sem fins lucrativos do texto desde que citada a fonte (Comunicação / Instituto Oswaldo Cruz).

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