Fiocruz
no Portal
neste Site
Fundação Oswaldo Cruz
Página Principal

O Instituto perde um dos seus mais antigos funcionários

De fotógrafo oficial nos anos 1950 a 1970 até a atividade como técnico de laboratório, José de Carvalho Filho foi parte e testemunha de mais da metade da história do IOC

Na rotina do Laboratório de Patologia do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), um destaque sempre muito visível: com seus passos firmes, apesar de já frágeis, lá ia José de Carvalho Filho, aos 79 anos. Ele era responsável pelo trabalho incansável de inventário e restauração dos valiosos acervos das Coleções de Patologia e de Febre Amarela. Sempre alegre, dedicadíssimo ao trabalho, ‘seu Carvalho’, como costumava ser chamado, se transformou em saudade. Às vésperas de completar 115 anos, o IOC e a Fiocruz lamentam a perda de um de seus mais antigos funcionários. Carvalho faleceu em 22 de maio, em decorrência de complicações infecciosas após uma cirurgia no intestino.

Arquivo particular e Gutemberg Brito/IOC

Carvalho em diferentes momentos no Instituto Oswaldo Cruz

O documento de admissão data de 6 de março de 1950, mas a relação de Carvalho com o IOC é muito mais antiga: seu pai trabalhava no Instituto, nas atividades de helmintologia. Na época, o IOC era praticamente o quintal de casa. Morador do Amorim, comunidade localizada nos arredores do campus onde o Instituto está localizado, no Rio de Janeiro, Carvalho frequentava o local para brincar com o irmão ou jogar futebol com os amigos.

Incialmente atuou na linha de produção de vacinas contra tifo. Já no ano seguinte, passou para a seção de fotografia, onde começou como servente e ajudante. Quis o acaso que o adoecimento de um funcionário lhe desse a oportunidade de assumir o posto de fotógrafo oficial do Instituto, que desempenhou por duas décadas. Foi o único a registrar a inauguração do Pavilhão Rocha Lima pelo então presidente Castelo Branco e a gravar para a posteridade a famosa imagem dos dez pesquisadores do IOC cassados por decreto do governo militar em 1970, no episódio conhecido como Massacre de Manguinhos.

José Carvalho/IOC

Carvalho registrou a pose dos dez cassados no Massacre de Manguinhos: Augusto Perissé, Tito Cavalcanti, Haity Moussaché, Fernando Ubatuba, Moacyr Andrade, Hugo de Souza Lopes, Masao Goto, Herman Lent, Sebastião de Oliveira e Domingos Machado

“Uma das experiências mais marcantes foi a viagem a Roraima pelo projeto Rondon, onde convivemos com Yanomamis no alto Catrimani”, disse Carvalho em depoimento de 2010, concedido durante a comemoração dos 110 anos do Instituto. Na ocasião, ele deu um relato emocionado: “Se pudesse fazer um pedido, pediria que todos os pesquisadores com que trabalhei durante minha trajetória estivessem vivos. Mas tenho certeza de que minha história no IOC pode servir para que as futuras gerações entendam que é preciso muito amor para dedicar mais de seis décadas ao Instituto”.

[Clique aqui para ler a íntegra do depoimento]

Arquivo particular

Documento que certifica a participação no Projeto Rondon, em 1968

Nos anos 1980, Carvalho passou a atuar na fotografia de microscopia. Foi quando participou da equipe que identificou o vírus da dengue no Brasil. Entre idas e vindas, aposentadorias e regressos em função de mudanças em regras burocráticas, ele nunca deixou de frequentar o campus. Nos anos mais recentes, como técnico de laboratório, foi responsável por grande parte do trabalho de limpeza e organização do acervo de preparados histológicos do Laboratório de Patologia e de restauração das lâminas da Coleção de Febre Amarela, este último necessário ao esforço de digitalização desse patrimônio.

Lab. de Patologia/IOC

Carvalho na equipe de atendimento ao público durante a edição de 2012 do evento Fiocruz Pra Você

Era presença constante nas atividades de divulgação científica relacionadas ao Museu da Patologia, participando anualmente do evento ‘Fiocruz Pra Você’, uma feira realizada pela Fiocruz na ocasião da vacinação contra poliomielite, e da ‘Semana Nacional de Ciência e Tecnologia’. “A alegria ao interagir com o público, em especial crianças e adolescentes, que visitavam os stands do Museu, era cativante”, lembra Marcelo Pelajo, chefe do Laboratório de Patologia do IOC e curador da Coleção de Febre Amarela.

Despedida

José Paulo Leite, pesquisador do Laboratório de Virologia Comparada e Ambiental, lembrou com carinho do que aprendeu com o colega. "Carvalho: uma pessoa simples, um ser humano extraordinário e maravilhoso! Conhecia nossa instituição como poucos e carregava com ele a nossa história. Tinha no IOC uma parte importante de sua vida e relutava em se afastar disto. O Instituto perdeu, além de um grande servidor, um grande exemplo, tanto para os mais antigos quanto para os mais jovens. Dedicação, compromisso, carinho e ética foram ensinamentos que aprendi com Carvalho. Perdi um amigo a quem carinhosamente me chamava de 'meu filho' e a quem eu chamava de 'meu pai'", recorda.

A pesquisadora Barbara Dias fala em nome dos colegas de laboratório: “Seu Carvalho era muito alegre, brincalhão, incansável e um entusiasta de seu trabalho. Ao final de cada jornada de trabalho, com orgulho, reportava quantas caixas de lâminas tinha restaurado naquele dia. Altamente responsável, quando a saúde segundo ele ‘atrapalhava sua produção’, ele dizia que compensaria quando estivesse melhor. Não gostava de faltar ao trabalho mesmo quando estava doente. Nos cursos e eventos de divulgação científica sempre fazia questão de participar e adorava contar histórias do IOC e do Museu da Patologia”, declara.

“Carvalho é uma daquelas pessoas cuja existência transcende em muito seu tempo de vida. Tendo participado e sido testemunha de mais da metade da história do IOC, suas histórias e seu exemplo permanecerão presentes na memória daqueles que tiveram a felicidade e o prazer de conviver com ele. Uma pessoa que respeitamos e admiramos pela alegria de viver, de trabalhar, de fazer a sua parte na história, na ciência e na sociedade”, completa Marcelo Pelajo.

Com a pesquisadora Marize Miagostovich, atual chefe do Laboratório de Virologia Comparada e Ambiental, Carvalho atuou nas atividades de diagnóstico laboratorial de dengue do então Departamento de Virologia. Eram os primeiros anos da doença na década de 1980 e a rotina era pesada, com dezenas de testes a serem processados por dia. “Carvalho era muito comprometido, organizadíssimo. No Laboratório, precisávamos falar pouco, de tão organizado ele era. Era um ótimo companheiro de trabalho, também muito divertido. E, acima de tudo, tinha esse amor enorme pela Fiocruz”, Marize sentencia.

No depoimento concedido em 2010, Carvalho se disse “um apaixonado pelo IOC”. Com certeza ele é correspondido.

Raquel Aguiar
24/05/2015
Permitida a reprodução sem fins lucrativos do texto desde que citada a fonte (Comunicação / Instituto Oswaldo Cruz)

Versão para impressão:
Envie esta matéria:

Instituto Oswaldo Cruz /IOC /FIOCRUZ - Av. Brasil, 4365 - Tel: (21) 2598-4220 | INTRANET IOC| EXPEDIENTE
Manguinhos - Rio de Janeiro - RJ - Brasil CEP: 21040-360

Logos