Publicada em: 13/08/2015 às 16:59 |
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Estratégias contra as leishmanioses Encontro discutiu caminhos para desenvolver novos medicamentos contra doença. Seminário foi integrado às atividades de greve da Fiocruz
Desde o ano 2000, a leishmaniose visceral matou mais de três mil brasileiros, um número quase 80% maior do que o provocado pela dengue. Apesar disso, a doença permanece negligenciada, e o principal medicamento disponível para combatê-la é um composto descrito em 1912 pelo médico brasileiro Gaspar Viana. A necessidade de ampliar as pesquisas em busca de novos tratamentos foi um dos temas destacados no ‘III Encontro Comemorativo da Semana Nacional de Controle e Combate às Leishmanioses’ do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), realizado nos dias 11 e 12 de agosto. “Precisamos urgentemente de novos medicamentos. As drogas que usamos atualmente são muito tóxicas e os índices de resistência são cada vez maiores. Estamos na iminência de perder possibilidades de tratamento”, afirmou Fátima da Conceição Silva, chefe do Laboratório de Imunoparasitologia do IOC e uma das organizadoras do evento. Reunindo estudantes, pesquisadores e profissionais de saúde, o seminário foi integrado às atividades de greve da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Na mesa de abertura, o diretor do IOC, Wilson Savino, ressaltou que as reivindicações dos trabalhadores vão além da questão salarial. “Não podemos acolher posturas do governo como os cortes orçamentários enormes dos ministérios da Saúde, Ciência e Tecnologia e Educação, áreas essenciais para a manutenção da soberania e do pensamento deste país”, disse. A presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Fiocruz (Asfoc-SN), Justa Helena, também integrou a mesa e elogiou a realização do seminário. “Estamos fazendo todo o possível para a greve não prejudicar a população. Por isso mantivemos o funcionamento dos serviços essenciais e integramos este seminário às atividades de mobilização. É fundamental discutir uma doença que atinge as pessoas mais carentes”, declarou.
Foto: Gutemberg Brito
Além de palestras, seminário contou com apresentação de 33 trabalhos inscritos por estudantes de iniciação científica e pós-graduação OMS: doença de difícil controle O parasito causador da leishmaniose é transmitido para as pessoas pela picada de insetos conhecidos como mosquitos-palha. Estes vetores se infectam ao sugar o sangue de animais doentes, que são considerados reservatórios do parasito. Diversos roedores, além de gambás, preguiças e outros marsupiais, podem ser hospedeiros da leishmaniose cutânea. Já no caso da leishmaniose visceral, os cães são o reservatório mais frequente, o que facilita a disseminação da doença em áreas urbanas. Segundo a assessora regional para leishmanioses da Organização Panamericana de Saúde (Opas), Ana Nilce Elkhoury, combater a doença não é uma tarefa fácil. Dados da Opas apontam que o Brasil concentra a maior parte dos casos nas Américas, mas 20 países do continente têm registros de leishmaniose cutânea e 12 enfrentam a leishmaniose visceral. Além disso, nos últimos anos, a forma mais grave da infecção vem se espalhando pelo Cone Sul. “A Organização Mundial da Saúde (OMS) classifica as leishmanioses entre as doenças de difícil controle. Em parte, pela própria complexidade do ciclo biológico da infecção, mas também pela necessidade de desenvolvimentos tecnológicos que permitam uma ação mais efetiva”, diz Ana Nilce, acrescentando que as medidas de prevenção recomendadas atualmente são o uso de repelentes e mosquiteiros e a aplicação de inseticidas nas áreas onde a transmissão da doença é frequente.
Como chegar a novos tratamentos A necessidade de mudança no ambiente econômico-legal do país foi destacada pelo professor da UFMG Rubén Sinisterra. Segundo ele, um estudo recente mostrou que o Brasil está entre as nações com maior número de depósitos de patentes de fármacos para controle da leishmaniose. No entanto, a maioria destas substâncias ainda está em fase inicial de testes em modelos animais porque as universidades e centros de pesquisa responsáveis pelas descobertas não têm condições de avançar para os estudos com pacientes. “Precisamos investir em empresas saídas das universidades, que possam finalizar o processo de desenvolvimento de fármacos, até mesmo com financiamento público ou com parcerias público-privadas. Esse é um modelo de negócios que está implantado no mundo inteiro hoje”, afirmou. Por fim, o papel dos cientistas na busca por novos medicamentos foi ressaltado por André Tempone, pesquisador do Instituto Adolfo Lutz. Na opinião dele, é preciso que os projetos de pesquisa sejam multidisciplinares. “Um dos problemas no Brasil é que a gente se limita a fazer colaboração apenas com alguns grupos, e o processo de drug discovery [descoberta de drogas] exige mais. É preciso incluir químicos sintéticos, químicos medicinais, parasitologistas e especialistas em farmacotécnica e farmacocinética, entre outros”, disse. Além disso, Tempone considerou que os pesquisadores precisam ser críticos em relação às substâncias investigadas, descartando logo no início dos estudos aquelas que não atendem aos requisitos mínimos. “Temos que trabalhar de forma profissional. Não podemos, por exemplo, insistir em compostos que têm características explícitas de toxicidade”, acrescentou.
História de luta contra a leishmaniose Maíra Menezes |
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