Publicada em: 03/12/2015 às 14:24 |
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Medicina Tropical: 35 anos de integração campo-laboratório Seminário comemorativo reuniu alunos, ex-alunos e pesquisadores e destacou papel do curso na formação de recursos humanos para o enfrentamento das doenças infecciosas O Seminário Comemorativo de 35 anos da Pós-graduação em Medicina Tropical do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) reuniu gerações de profissionais formados na tradição de unir o trabalho de campo e a pesquisa em laboratório na busca de soluções para problemas de saúde do Brasil. Realizado nos dias 26 e 27 de novembro, o evento contou com palestras de alunos da turma do programa iniciada em 1980 e de estudantes que defenderam suas teses recentemente e receberam o reconhecimento de prêmios nacionais. Debates sobre o panorama atual das infecções tropicais também marcaram a programação.
Gutemberg Brito
Alunos, ex-alunos e pesquisadores do IOC se reuniram para celebrar os 35 anos da Pós-graduação em Medicina Tropical Fundador do curso, José Rodrigues Coura, pesquisador emérito da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e chefe do Laboratório de Doenças Parasitárias do IOC, destacou a formação dos alunos da Medicina Tropical como um dos principais legados da sua carreira. “Os artigos e publicações científicas são importantes, mas ao formar pesquisadores temos um crescimento geométrico do conhecimento. O sucesso do curso pode ser percebido quando vemos os ex-alunos em instituições de pesquisa, em universidades e em entidades que orientam as políticas de saúde, como a Organização Pan-Americana de Saúde e a Organização Mundial da Saúde”, celebrou ele. Durante o evento, Coura foi homenageado com a apresentação do filme comemorativo “José Rodrigues Coura – o tropicalista do sertão”, produzido por Genilton José Vieira, coordenador do Serviço de Produção e Tratamento de Imagens do IOC. Na mesa de abertura, o presidente da Fundação Oswaldo Cruz, Paulo Gadelha, elogiou a forma como aspectos sociais e ambientais das doenças são abordados nos estudos da Pós-graduação. “Vemos na Medicina Tropical a associação entre a bancada do laboratório e o trabalho de campo, que se desenvolve nos igarapés e nas periferias. A pesquisa com o objetivo de solucionar problemas do país é o cerne desse curso, que continua como uma usina de formação do conhecimento e do futuro”, disse. Já o diretor do IOC, Wilson Savino, enfatizou a relevância das pesquisas no contexto atual de saúde pública. “Dengue, chikungunya e zika são exemplos de que as doenças infecciosas e parasitárias, que atingem mais os países tropicais, continuam ocorrendo mesmo em um cenário de mudança do padrão epidemiológico, com o crescimento de problemas crônicos não-infecciosos. Nosso desafio é cada vez maior”, afirmou. Também prestigiaram a cerimônia a vice-presidente de Ensino, Informação e Comunicação da Fiocruz, Nísia Trindade Lima, e a vice-diretora de Ensino, Informação e Comunicação do IOC, Elisa Cupolillo. A produção científica da Pós-graduação foi destacada ainda em um CD distribuído aos participantes com as 135 teses e dissertações defendidas nos últimos cinco anos.
Expansão e reconhecimento A turma inicial da Medicina Tropical tinha cinco alunos, que realizaram um curso básico de um ano e depois seguiram para o mestrado. A primeira dissertação foi defendida em 1983 e, em 1987, foi implantado o curso de doutorado. Inicialmente voltado apenas para médicos, o curso se tornou multiprofissional em 2007 e atualmente conta com 143 estudantes inscritos. A coordenadora da Pós-graduação, Martha Mutis, lembra que, além das turmas no Rio de Janeiro, a Medicina Tropical possui cursos em andamento no Ceará e no Piauí. Além disso, o Programa interage com grupos de pesquisa de diferentes regiões do Brasil, da África e da América Latina. “Tentamos entender as questões de saúde no campo e trazê-los para o laboratório. Com as tecnologias modernas de biologia molecular e genética, podemos investigar como acontece a interação entre os parasitas, os seres humanos e o meio ambiente. Nossa preocupação é melhorar cada vez mais a qualidade das nossas pesquisas, não apenas para termos teses defendidas e artigos publicados, mas para entender os problemas e poder evitá-los”, comentou a pesquisadora.
Em 2015, a excelência e a relevância das pesquisas desenvolvidas na Pós-graduação em Medicina Tropical do IOC foram reconhecidas em duas premiações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). A tese de doutorado da bióloga Monique da Rocha Queiroz Lima, que apresentou melhorias para os testes rápidos de diagnóstico da dengue, foi uma das vencedoras do Prêmio Capes-Interfarma de Inovação e Pesquisa. Já o estudo desenvolvido pelo médico o médico Dayvison Francis Saraiva Freitas, que investigou o aumento do número de casos de esporotricose no Rio de Janeiro, recebeu uma menção honrosa no Prêmio Capes de Teses. De volta ao passado “Um privilégio para todos nós e, sem dúvida, um aprendizado único na minha carreira”, foi assim que Márcia Lazera definiu a experiência de fazer parte de uma turma pioneira. Chefe do Laboratório de Micologia do Instituto Nacional de Infectologia (INI/Fiocruz), Márcia contou um pouco sobre os desafios e as perspectivas da época. “O curso ampliou os meus conceitos de microbiologia, estudos ambientais e da saúde humana voltada para doenças infecciosas. Lembro que no primeiro dia de aula o professor Coura disse ‘Se não estudar eu vou reprovar’, não deu outra: a partir daí, fizemos um pacto para estudar todos os dias de forma intensa”, destacou. Márcia escolheu como área de atuação a micologia médica e, há mais de 20 anos, se dedica aos estudos sobre micoses endêmicas no Brasil, tendo desenvolvido trabalhos de campo em diferentes localidades, como Piauí, Pará e a região Amazônica. “Passamos a investigar doenças ainda pouco estudadas na época, como a paracoccidioidomicose e a criptococose, causadas por fungos e que podem levar à morte pacientes com sistema imunológico comprometido”, explicou. A pesquisadora que também atua como docente do curso de Medicina Tropical revelou que os professores do curso foram fonte de inspiração. “Tivemos a chance de absorver ao máximo o conhecimento de grandes especialistas, como o professor José Rodrigues Coura, Leônidas Deane, Maria Deane e Alberto Londero”, destacou.
Para o capixaba Aloísio Falqueto, fazer parte desta turma foi uma transformação após o término da residência, ainda em 1979. “Eu vim de um estado que não tinha tradição em pesquisa na área para uma cidade nova e grande como o Rio de Janeiro. Passamos por uma fase intensiva de aprendizado que superou todas as expectativas que eu tinha sobre o Instituto”, contou. Falqueto foi um dos responsáveis pela estruturação dos primeiros núcleos de pesquisas e programas de pós-graduação na área no Espírito Santo. “As descobertas e os conhecimentos adquiridos no curso do IOC foram fundamentais para a minha carreira acadêmica. Pude contribuir para o processo de implantação de cursos de mestrado e doutorado no campo da Medicina Tropical na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Além disso, atuei como orientador nas áreas de doenças infecciosas, saúde coletiva e entomologia de vetores”, ressaltou. Atualmente, Falqueto ministra aulas de epidemiologia e doenças infecciosas nos níveis de graduação e pós-graduação na Ufes. Médico do Instituto Estadual de Infectologia São Sebastião, no Rio de Janeiro, José Carlos Pessoa de Mello destacou que a formação tem impactos para quem opta por seguir carreira acadêmica ou por atuar na área clínica. “Guardo experiências memoráveis da época. Lembro que o professor Deane chegava a falar por 50 minutos usando poucas projeções, mas o jeito dele e a paixão com que contava suas histórias repletas de saber científico nos cativava de uma maneira incrível”, contou. Desafios das doenças tropicais
Pesquisador do Departamento de Controle de Doenças Tropicais Negligenciadas da Organização Mundial da Saúde (OMS), Pedro Albajar abordou o panorama da doença de Chagas no mundo. Segundo o pesquisador, assim como os demais agravos negligenciados, a doença tende a prevalecer em situações de pobreza ou condições sanitárias precárias – fatores que refletem a forma como os indivíduos ocupam e exploram o ambiente em que vivem. “As estratégias em prol da saúde devem considerar diferentes elementos, dos riscos para os seres humanos e animais aos danos para o meio ambiente. Qualquer ação pode ter reflexos no cenário como um todo”, explicou. As migrações intensas, as atividades agropecuárias extensivas e a degradação ambiental são alguns dos agravantes da doença de Chagas no mundo. Pedro acredita que o investimento em pesquisa é essencial para o combate à doença que é responsável por milhares de mortes todos os anos no mundo. “As doenças negligenciadas ainda enfrentam uma série de desafios, dentre eles, a compreensão de que as intervenções científicas e as decisões políticas precisam caminhar juntas”, salientou o pesquisador que se dedicou ao tema durante o doutorado no IOC. Pesquisador da Fiocruz no Mato Grosso do Sul, Rivaldo Venâncio da Cunha discutiu os impactos dos vírus chikungunya e zika para a saúde pública. O vírus zika faz parte do gênero flavivírus, o mesmo dos vírus dengue, enquanto o chikungunya faz parte do conjunto dos alphavírus. O pesquisador apresentou características do mosquito Aedes aegypti, agente transmissor das três doenças, e contextualizou as diferentes formas de desenvolvimento do zika e chikungunya no organismo humano. Segundo Rivaldo, a transmissão vetorial urbana é fundamental para a manutenção do ciclo dessas doenças. “A situação atual, em que temos a circulação dos três vírus no Brasil, caracteriza um novo desafio para a saúde pública que vai da atenção aos doentes, ao investimento em ensino, pesquisa e comunicação na busca pela eliminação do mosquito vetor”, destacou Rivaldo, formado no mestrado e doutorado pelo curso do IOC. “A pós-graduação em Medicina Tropical apresenta uma abordagem ampla em relação à saúde pública brasileira. Para estudar o vírus da dengue, por exemplo, foi preciso investigar as raízes e os dilemas por trás dos locais em que o vírus circula e entender a complexidade presente na relação da comunidade com o desenvolvimento urbano acelerado e desordenado das grandes cidades do país”, concluiu. Também participaram da mesa-redonda, a consultora em doenças emergentes da organização Médicos Sem Fronteiras, Lucia Brum, que abordou a relação entre a medicina tropical e a ajuda humanitária internacional, e o professor da Universidad Central del Ecuador Marcelo Aguilar, que apresentou as estratégias de controle da malária no Equador.
Lucas Rocha e Maíra Menezes |
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