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A Ciência perde Luis Rey

Versátil e plural, o cientista deixa um legado na parasitologia, na educação e na saúde pública espalhado em três continentes

“É importante que o médico e o pesquisador tenham uma vida construtiva. O conhecimento deve gerar capacidade de ação, senão, não vale de nada. Não importa se ele faz clínica, dá aulas ou pesquisa. É preciso ser eficiente e produtivo.”
Luis Rey

No sobrenome, Luis Rey já tinha a grandeza que marcou sua trajetória. Médico e pesquisador notável, ele se sagrou um dos mais importantes parasitologistas do país. Foram 60 anos dedicados ao ensino da parasitologia, 13 anos em trabalhos como consultor da Organização Mundial da Saúde (OMS) e 20 anos na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). A Ciência perdeu Luis Rey em 5 de março de 2016, a poucos dias de completar 98 anos.

Pesquisador emérito da Fiocruz, Rey foi autor de diversos livros, como as obras de fôlego ‘Parasitologia e Bases da parasitologia médica’ e ‘Dicionário de Termos Técnicos de Medicina e Saúde’ – esta última ganhadora do Prêmio Jabuti de Literatura na categoria Ciências Naturais e Saúde, em 2000. Na autobiografia ‘Um Médico e Dois Exílios’, deixou o registro de suas memórias e as histórias de andanças por várias partes do mundo. No Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), Rey foi responsável pela criação do Laboratório de Biologia e Controle da Esquistossomose, que chefiou até 2005.

Vérsatil e plural, Rey foi um itinerante, percorrendo os destinos que a ciência lhe reservou. Especialista pela École Nationale de Santé Publique, em Paris, esteve à frente do Serviço Especial de Saúde Pública, no coração da floresta amazônica, nos anos 1940. Enfrentou uma epidemia de esquistossomose na África, na década de 1970. Em Genebra, na Suíça, foi responsável pela criação de programas internacionais de saúde. Nos anos 80 voltaria à África, em meio à Guerra Civil Moçambicana. À frente do Instituto Nacional de Saúde (INS), ministrou aulas de parasitologia, fundou a Revista Médica de Moçambique e abriu portas para o intercâmbio científico com o Brasil.

“Eu mudei muito e nunca tive medo de mudar. Me entreguei a várias atividades sucessivamente. Variar as experiências enriquece o conhecimento, e isso é muito importante”, disse em entrevista concedida, em 2013, publicada no site do IOC. Ao se formar pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), em 1944, ele já tinha abandonado a especialização em esquizofrenia, pela cardiologia. Mas a vontade de promover mudanças contundentes na sociedade não cabia em um consultório na capital paulista. Dois anos depois, por sugestão do professor e amigo Samuel Pessoa, chegava ao interior do Pará para assumir os atendimentos no posto do Serviço Especial de Saúde Pública (Sesp), no coração da floresta amazônica. Mas a sensação de impotência diante do ciclo de reinfecção dos seus pacientes o levou de volta à USP para estudar Saúde Pública e, em seguida, para a École Nationale de Santé Publique, em Paris, graças a uma bolsa do governo francês. Lá, conheceu Dora, que se tornaria a companheira de uma vida inteira.

Membro do Partido Comunista Brasileiro (PCB) por 12 anos, teve suas ideologias esmagadas e o emprego tomado pelo golpe militar de 1964. Foi demitido da USP, junto a outros colegas, com base no Ato Institucional nº 1, que cassou os direitos políticos de cidadãos vistos como opositores ao regime. Era o início do exílio, que o levaria a viver em cinco países diferentes em 18 anos.

Encarou o desafio de uma epidemia de esquistossomose na África. Como consultor da OMS, sua primeira missão foi acabar com a doença na Tunísia, que se propagava rapidamente pelos oásis do deserto do Saara. Foram quatro anos vivendo no deserto, trabalhando no combate aos caramujos transmissores e no tratamento dos casos de infecção. O resultado foi a erradicação da doença. Rey tinha, finalmente, transformado a vida de milhares de pessoas como sempre sonhara. “Sonho muito, mas sonho para produzir, criar e encontrar soluções para os problemas”, disse, na entrevista concedida em 2013.

Com o sucesso da missão, em 1974, Rey levou a família para Genebra, na Suíça, onde foi responsável pela criação de programas internacionais de saúde e assumiu um posto na Divisão de Malária e Doenças Parasitárias. Nos anos 80, voltaria à África, desta vez, para Maputo, em meio à Guerra Civil Moçambicana. À frente do Instituto Nacional de Saúde (INS), ministrou aulas de parasitologia, fundou a Revista Médica de Moçambique e abriu portas para o intercâmbio científico com o Brasil. No ano de 2008, foi inaugurado o Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde, capitaneado pelo IOC e realizado em parceira com o INS.

Em 1985, após 15 anos de luta junto ao Supremo Tribunal Federal, o médico ganhou o processo contra sua demissão da USP. Era hora de retornar ao Brasil ao lado de Dora, sua ‘pátria em tempos de exílio’, conforme a dedicatória no ‘Dicionário de Termos Técnicos de Medicina e Saúde’ (Guanabara Koogan, 1999). Convidado inicialmente para assumir a chefia do Departamento de Helmintologia do IOC, Rey criou o Laboratório de Biologia e Controle da Esquistossomose (hoje chamado de Laboratório de Biologia e Parasitologia de Mamíferos Silvestres Reservatórios), que liderou até 2005. Realizou atividades no Departamento de Medicina Tropical e aceitou o convite do sanitarista Sérgio Arouca, então presidente da Fiocruz, para dirigir o Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS/Fiocruz).

Sobre a perda de Rey, um de seus discípulos resumiu: “Ficará a lembrança de alguém que amou a vida, a viveu com muito bom humor, sempre dedicado à Ciência”, disse o pesquisador Paulo Sergio D’Andrea, parceiro de publicações. Como legado de Rey, ficam contribuições de peso, no Brasil e no exterior, e um ensinamento valioso sobre a saúde que, nas suas palavras, se traduz na frase: “Sem prevenção, a saúde é areia movediça.”

05/03/2016
Permitida a reprodução sem fins lucrativos do texto desde que citada a fonte (Comunicação / Instituto Oswaldo Cruz)

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