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Pacientes buscam visibilidade e direitos

Portadores, familiares e afetados pela doença de Chagas fundam associação no Rio de Janeiro. Conselho científico conta com pesquisadores do IOC

Há três anos, Nancy Dominga da Costa, de 42 anos, sofreu um acidente vascular cerebral. O caso chamou a atenção dos médicos e a investigação apontou uma causa inesperada para a funcionária pública: doença de Chagas crônica. A enfermidade não era novidade para ela. Nascida na cidade de Grão Mogó, em Minas Gerais, Nancy já tinha sofrido com a morte de um sobrinho de 29 anos, vítima de problemas cardíacos provocados pela infecção. No entanto, nunca tinha sido alertada de que também poderia ser portadora do agravo. “Acompanhei ele no hospital e sempre cuidei de mim. Eu fazia exames todos os anos, mas parece que os médicos não sabiam o que era doença de Chagas. Isso foi um susto”, disse ela que, depois do caso, viu seus dois irmãos serem diagnosticados com a enfermidade.

A negligência com relação ao agravo foi um dos motivos que levaram dezenas de portadores, familiares e pessoas afetadas pela doença de Chagas no Rio de Janeiro a fundar a Associação Rio Chagas. A assembléia de fundação da entidade ocorreu na última sexta-feira, 08/04, no campus da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em Manguinhos, na Zona Norte do Rio. Também participaram do evento, pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz), do Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos/Fiocruz), do Instituo Nacional de Cardiologia (INC) e representantes do Ministério da Saúde e da organização internacional Iniciativa Medicamentos para Doenças Negligenciadas (DNDi).

Foto: Gutemberg Brito

Buscar melhorias na prevenção, diagnóstico e tratamento da doença de Chagas, divulgar informações e combater o preconceito são objetivos da Associação Rio Chagas

Liderada pelos portadores, a entidade conta com um Conselho Científico, que tem por objetivo aproximar pacientes e especialistas dedicados ao estudo da doença. O órgão já conta com a participação de cientistas e estudantes do IOC e do INI e está aberto para novas adesões. Eleita presidente da Associação, Nancy espera que atuação coletiva atraia olhares para a enfermidade e para os problemas enfrentados pelos pacientes e suas famílias. “Hoje, os afetados pela doença de Chagas não são ouvidos e ninguém sabe sobre a nossa situação. Com essa associação, queremos ter voz para mudar essa realidade”, afirmou ela. A Associação Rio Chagas foi apresentada à comunidade acadêmica nesta sexta-feira, 15/04, durante o Centro de Estudos Especial do IOC, que encerrarou a programação do 4º Ciclo Carlos Chagas de Palestras.

Até três milhões de portadores
O Ministério da Saúde estima que dois a três milhões de pessoas sejam portadoras da doença de Chagas no Brasil, sendo que a maioria contraiu a infecção no passado e apresenta a forma crônica do agravo. Considerada emblemática, a família da vice-presidente da Associação Rio Chagas, Luzia Lopes dos Santos, de 73 anos, é um exemplo de como o problema atravessou décadas no país. O irmão dela, Ricardo Lopes dos Santos, e a irmã, Maria Lopes dos Santos, também são portadores da doença de Chagas e integram a Associação. Os três nasceram na cidade mineira de Lassance, onde o médico Carlos Chagas descreveu pela primeira vez, em 1909, a doença que acabou batizada com seu nome. Mesmo assim, Luzia só descobriu a infecção aos 60 anos, depois de dois anos de consultas médicas e exames para investigar as causas de uma constipação crônica. “A associação é uma forma de trazer visibilidade para essa doença, que é desconhecida e tratada como doença de pobre. Acredito que isso pode nos dar poder para termos diagnósticos mais rápidos e sermos atendidos com mais carinho”, avaliou Luzia.

Além de buscar direitos, combater o preconceito é um dos objetivos da entidade. A primeira secretária da Associação Rio Chagas, Cleonice Fernandes Braga, de 40 anos, relata que a discriminação é um problema especialmente no mercado de trabalho. Nascida em Ubaí, Minas Gerais, ela perdeu a mãe aos quatro anos em consequência da doença. No entanto, o diagnóstico de que também era portadora do agravo só veio quase 30 anos depois, quando uma irmã foi internada com problemas cardíacos. “Depois que minha patroa descobriu que eu tinha Chagas, não durei uma semana no emprego”, contou a costureira, que atualmente trabalha em uma fábrica no Rio. “Hoje, não tenho problemas no trabalho. Mas os portadores de Chagas costumam ser deixados de lado nas entrevistas de emprego, porque as pessoas não sabem o que é a doença”, disse, ressaltando que a enfermidade não é contagiosa.

Com dezenas de portadores atendidos no Instituto Nacional de Infectologia, a Fiocruz foi o espaço onde a mobilização dos pacientes começou há um ano atrás. No dia 14 de abril de 2015, Dia Mundial de Combate à Doença de Chagas, foi realizado o seminário ‘Falando de Chagas’, promovido pelo IOC em parceria com o INI. O interesse demonstrado pelos pacientes durante o evento estimulou a criação do curso de extensão ‘Falando de Chagas com Ciência e Arte’, no qual foram realizadas oficinas mensais para discussão de questões relativas à doença. Idealizadora das atividades que incentivaram a mobilização dos pacientes, a pesquisadora Tania Araújo-Jorge, chefe do Laboratório de Inovações em Terapias, Ensino e Bioprodutos do IOC, afirma que a atuação dos afetados é fundamental para a melhoria das políticas públicas relacionadas à doença de Chagas. “Não sabemos quantos são os portadores crônicos do agravo no Brasil, porque não existe busca ativa ou notificação compulsória em escala nacional. Com isso, o diagnóstico não é feito ou ocorre tardiamente, reduzindo o acesso ao tratamento”, pontuou ela.

Foto: Gutemberg Brito

Após um ano de mobilização, criação da Associação Rio Chagas foi aprovada em assembleia com participação de portadores, familiares, amigos e pesquisadores envolvidos no estudo da doença

Mobilização internacional
A luta dos afetados pela doença de Chagas por seus direitos é uma realidade em diversos países. Segundo a Federação Internacional das Associações de Pessoas Afetadas pela Doença de Chagas (Findechagas), a primeira entidade desse tipo foi criada em Pernambuco, em 1986. A Findechagas surgiu em 2009. Atualmente, 16 associações são filiadas à Federação, incluindo grupos do Brasil, Bolívia, Venezuela, Colômbia, Argentina, México, Espanha, Itália e Austrália. Recém fundada, a Associação Rio Chagas enviou representantes ao encontro do grupo, realizado de 14 a 16 de abril na Argentina.

Presente na assembléia de fundação da Associação Rio Chagas, Renato Alves, representante da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, declarou que a mobilização dos pacientes deve contribuir para ajustes nas políticas públicas. “Sem dúvida, haverá questões que exigirão debate. Contudo, o mais importante é que as pessoas diretamente afetadas estejam presentes durante as discussões. Através da associação, as demandas desse grupo chegarão com mais força”, considerou ele. A iniciativa também foi elogiada pela representante da organização internacional DNDi, Marcela Dobarro. “Na doença de Chagas, além da necessidade de novas terapias, existe a dificuldade de acesso ao tratamento já existente. Por isso, estamos ao lado das associações de portadores que lutam por esse direito”, comentou ela.

Sobre a doença de Chagas
A doença de Chagas é causada pelo parasito Trypanosoma cruzi. Tradicionalmente, a infecção é transmitida pela picada de insetos triatomíneos, conhecidos como barbeiros. No Brasil, porém, essa forma de contágio é combatida desde os anos 1970, com o uso de inseticidas e melhorias habitacionais, reduzindo significativamente o número de casos. Atualmente, a maior parte das infecções ocorre pela via oral, quando barbeiros são triturados junto com alimentos, por exemplo, na preparação de suco de açaí ou caldo de cana.

Quando diagnosticada na fase aguda, que ocorre logo após a infecção, a doença de Chagas pode ser curada. A terapia com o medicamento benzonidazol, que ataca os parasitos, é fornecida gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O tratamento também é recomendado para os pacientes crônicos que não apresentam sintomas com o objetivo de prevenir o desenvolvimento de complicações. Já nos casos em que os problemas cardíacos ou digestivos já se desenvolveram após anos de infecção, a abordagem deve ser avaliada considerando as necessidades individuais.

Reportagem: Maíra Menezes, com colaboração de Max Gomes
13/04/2016
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