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Pesquisa recomenda inclusão da febre Q em diagnóstico diferencial da dengue

Estudo inédito desenvolvido no Instituto Oswaldo Cruz observou a presença da bactéria Coxiella burnetii durante um surto de dengue entre 2013 e 2014

Dores no corpo, febre, náusea, vômito, cansaço e dor de cabeça. Estas manifestações, muito comuns no quadro clínico de dengue e de outras viroses de grande circulação no Brasil, também podem estar associadas a uma doença ainda pouco conhecida no país: a febre Q. Causada pela bactéria Coxiella burnetii, a doença é transmitida ao homem pela inalação de partículas contaminadas do ar ou pelo contato com o leite, fezes, urina, muco vaginal ou sêmen de gado, ovelhas, cabras e outros mamíferos domésticos, incluindo cães e gatos, quando infectados, o que associa sua ocorrência sobretudo a ambientes com características rurais.

A ausência de dados epidemiológicos sobre o agravo e a possibilidade de seus sintomas serem confundidos com diversas outras doenças acenderam o alerta para os pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz). Conduzido por Elba Lemos, chefe do Laboratório de Hantaviroses e Rickettsioses, e Maria Angélica Mares-Guia, que concluiu o doutorado em Medicina Tropical no Instituto, um estudo publicado na American Journal of Tropical Medicine and Hygiene observou a presença de C. burnetii em nove pacientes durante um surto da doença em Itaboraí, município do Rio de Janeiro que possui atividades econômicas relacionadas à agricultura e à pecuária. Foi lá que o Laboratório detectou, em 2008, o primeiro caso confirmado por meio de analise molecular no país. Além do Rio de Janeiro, casos de febre Q já foram confirmados em Minas Gerais e São Paulo.

Foto: Peter Ilicciev

Maria Angélica, primeira autora do artigo, em trabalho de campo: "A bactéria pode permanecer em uma pessoa por anos, até o início dos sintomas de uma infecção crônica."


Sinal de alerta
Em parceria com um hospital local, foram analisadas as amostras de todos os pacientes que deram entrada na unidade de saúde com suspeita de dengue, entre março de 2013 e outubro de 2014. No hospital, foram realizados exames para identificar dengue (teste sorológico para detecção do anticorpo IgM e teste rápido com antígeno NS1). Os testes para febre Q foram desenvolvidos no IOC, utilizando as mesmas amostras. “Usamos a técnica de PCR convencional para investigar a presença de infecção por Coxiella burnetti”, explica Maria Angélica, primeira autora do artigo. No total, 272 pacientes foram analisados. Destes, 166 tiveram a confirmação para dengue, nove foram diagnosticados com febre Q. Um dos pacientes apresentou infecção pelos dois patógenos. “Embora a quantidade de amostras positivas para febre Q pareça inexpressiva, chama atenção a correlação que os profissionais de saúde fizeram com a dengue no momento do diagnóstico clínico”, pontua. “Por ser uma zoonose complexa e ter poucos casos registrados, a febre Q ainda é muito negligenciada. Embora não exista em grande número, ela nos preocupa devido à resistência do patógeno e sua perpetuação no ambiente, podendo causar surtos”, completa Elba.

As especialistas alertam para a necessidade do diagnóstico diferencial. “Estamos em uma área endêmica para dengue e agora também temos a circulação dos vírus Zika, chikungunya e influenza. Já que sabemos da existência de um foco de febre Q na região de Itaboraí, os profissionais de saúde da localidade precisam questionar a possibilidade de haver pessoas afetadas por essa zoonose e que possam ter diagnósticos confundidos”, ressalta Elba, defendendo que, nessa situação, o critério clínico-epidemiológico seja complementado por testes laboratoriais.

Segundo Elba, quando houver suspeita de febre Q, o paciente precisa ser imediatamente medicado para uma melhora significativa. “Simples e de baixo custo, o tratamento adequado consiste na utilização de um antibiótico específico por aproximadamente 3 semanas. No caso crônico da doença, esse período pode se estender por meses”, explica. Com o tratamento correto realizado nos primeiros três dias da doença, as manifestações clínicas, como a febre, podem cessar em 72 horas. Porém, caso não receba a medicação apropriada, o paciente pode ter a doença agravada.

Resistência que perpetua a transmissão
De acordo com Elba, a forma humana de infecção mais comum é por inalação de partículas da C. burnetii presentes no ar, uma vez que é uma bactéria extremamente resistente ao calor, à seca e a vários produtos químicos, podendo sobreviver por longos períodos no ambiente. A especialista destaca ainda que, embora carrapatos não transmitam a bactéria para humanos através da picada, eles são significativos na manutenção da bactéria no ambiente, pois são capazes de transmiti-la entre os animais. “A febre Q envolve as saúdes humana, animal e ambiental. Desta forma, é necessário evitar ou controlar a circulação da bactéria no ambiente, ao invés de apenas tratar do paciente infectado. Por isso, recomenda-se utilizar botas e equipamentos de proteção para o manejo com os animais e separá-los dos outros, caso apresentem alguma doença. Leite e produtos lácteos sempre devem ser pasteurizados”, comenta Elba.

“Esperamos que os profissionais de saúde não desconsiderem a circulação de outras doenças em meio a surtos de dengue, Zika, chikungunya e, também, Influenza. Evidentemente teremos mais casos de dengue do que de febre Q, por exemplo, porém é fundamental o suporte laboratorial no diagnóstico para que se possa fazer um tratamento correto”, salienta Elba. “Vamos continuar levando mais informação sobre a bactéria e a zoonose e realizar mais trabalhos de vigilância, para que possamos localizar regiões onde a C. burnetii é circulante”, conclui Maria Angélica.

Investigação na Amazônia
O alerta para a necessidade de investigar possíveis casos de febre Q também foi feito recentemente para a região amazônica. Um artigo publicado na revista Plos Neglected Tropical Diseases destaca que a Guiana Francesa tem notificações da doença desde 1955, e estudos feitos entre 1996 e 2011 apontam que a incidência anual da infecção no país varia entre 17 e 150 casos para cada cem mil habitantes. Escrito por cientistas da Guiana Francesa, França, Suriname e Brasil – incluindo a pesquisadora Elba Lemos –, o trabalho pondera que o problema pode ser um evento isolado no continente. No entanto, segundo os autores, as bactérias geralmente não costumam se prender às fronteiras. Dessa forma, considerando os dados da Guiana Francesa, é possível que o número de casos de febre Q não diagnosticados na região amazônica (incluindo Guiana, Suriname, e a região Norte do Brasil) varie entre quase três mil e mais de 26 mil por ano. Para esclarecer essa questão, os pesquisadores ressaltam que é preciso investigar os casos de febres de origem desconhecida na região amazônica, com foco especial nas pneumonias, além de realizar testes moleculares para avaliar se animais selvagens podem atuar como reservatórios da doença.


Reportagem: Max Gomes
16/05/2016
Permitida a reprodução sem fins lucrativos do texto desde que citada a fonte (Comunicação/Instituto Oswaldo Cruz)

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