Publicada em: 11/08/2016 às 08:00 |
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Pesquisa busca alternativa contra a leucemia A enzima asparaginase recombinante de leveduras teve bons resultados contra células do câncer durante testes in vitro e pode ser opção com menos efeitos colaterais Duas leveduras – incluindo a espécie Saccharomyces cerevisiae, presente nos fermentos biológicos usados na culinária – estão no foco de uma pesquisa que busca uma terapia alternativa para o tratamento das leucemias, formas de câncer que afetam algumas das células do sangue. Em laboratório, os pesquisadores recorreram a técnicas de clonagem e biologia molecular para produzir a enzima asparaginase encontrada nas leveduras S. cerevisia e em outro tipo de levedura, chamado de Picchia pastoris. Os testes in vitro mostraram que a molécula atua contra as células cancerígenas e apresenta características desejáveis para o desenvolvimento de um potencial novo medicamento. Liderado por pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o trabalho tem colaboração de cientistas do Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos) e do Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos/Fiocruz). Resultados do estudo foram publicados recentemente na revista científica ‘Protein Expression and Purification’.
Reduzir a dependência das importações do produto e o custo do tratamento também são objetivos do projeto. Em 2013, o laboratório norte-americano do qual o Brasil importava o medicamento a base de asparaginase parou de produzi-lo e houve desabastecimento no país. Desde então, o Ministério da Saúde assumiu a compra diretamente de outro fabricante internacional. Só no ano passado, foram gastos R$ 2 milhões no Sistema Único de Saúde (SUS) para aquisição do remédio. “O desenvolvimento de um biofármaco nacional pode baratear a terapia e aumentar a segurança sobre o abastecimento do mercado brasileiro”, ressalta a primeira autora do artigo, Luciana Girão, estudante de doutorado no Instituto de Química da UFRJ, com orientação do pesquisador do IOC Jonas Perales e da professora da UFRJ Elba Bon, além de co-orientação da pesquisadora de Farmanguinhos Maria Antonieta Ferrara, todos coautores da publicação. Busca pela similaridade O sucesso da asparaginase é baseado na sua capacidade de degradar o aminoácido asparagina, que integra proteínas essenciais para a sobrevivência das células. “Diferentemente das células saudáveis, que podem produzir asparagina internamente, as células leucêmicas não conseguem sintetizar esse aminoácido, dependendo da captação das moléculas que circulam na corrente sanguínea. Quando a enzima degrada a asparagina no sangue, as células cancerígenas não podem produzir uma série de proteínas e morrem”, explica Perales.
Análise da molécula Uma vez que a levedura S. cerevisiae sintetiza pouca asparaginase, a primeira fase do trabalho envolveu técnicas de engenharia genética para produção da enzima em maior quantidade. O gene que orienta a produção da asparaginase na S. cerevisiae foi clonado e inserido em leveduras da espécie P. pastoris, que podem ser induzidas a produzir grande quantidade de proteínas. Reconhecidamente seguras, essas leveduras já são empregadas na fabricação de outros medicamentos, o que facilita a sua utilização e a aprovação dos produtos pelos órgãos reguladores. No caso da asparaginase, os cientistas conseguiram obter sete vezes mais enzima utilizando essa técnica em comparação com a produção em S. cerevisiae diretamente. A partir dessa metodologia, os pesquisadores avançaram para a etapa seguinte: avaliar as características da asparaginase recombinante de leveduras e sua ação contra células de leucemia. Conforme esperado, foi identificado que a enzima produzida pelas leveduras apresenta carboidratos na sua composição, ao contrário do que ocorre nas asparaginases extraídas de bactérias. Essa característica é um dos pontos a favor da nova molécula, na medida em que a torna mais parecida com as enzimas humanas. “A glicosilação [adição de carboidratos às proteínas] não acontece em bactérias, mas é uma característica no processo de produção de enzimas tanto em leveduras, como em seres humanos. Essa é uma grande vantagem”, diz Perales.
Considerando que o pH e a temperatura podem alterar a forma tridimensional da enzima, modificando seu desempenho, os pesquisadores investigaram a estabilidade da molécula nas condições do sangue. As análises apontaram atividade ótima em pH 7,2, valor próximo ao pH sanguíneo, que fica em torno de 7,4. A atividade máxima da asparaginase de levedura foi identificada em 46ºC, e na temperatura de 37ºC, encontrada no sangue, ela manteve 92% do seu desempenho. “Esses valores são bastante positivos. Além de apresentar atuação nas condições fisiológicas, a enzima se mantém estável na faixa de pH de 6 a 10 e em temperaturas até 45ºC. Isso facilita a manipulação e o armazenamento da molécula, que não precisa, por exemplo, ser mantida na geladeira durante os processos de purificação”, comenta Perales. Os testes para avaliar o efeito da molécula contra as células cancerígenas foram feitos com culturas de células de leucemia mielóide aguda. Os experimentos mostraram que a asparaginase de levedura inibe a proliferação dessas células, sendo que quanto maior a dose da enzima, maior a inibição. “Esse resultado é fundamental para a continuidade da pesquisa”, declara Luciana, que nesse momento investiga formulações para melhorar o desempenho da enzima durante o doutorado sanduíche na Universidade de Lisboa, em Portugal. “Queremos reduzir ainda mais a imunogenicidade e ampliar o tempo de circulação da asparaginase no organismo, o que permitiria o uso de doses menores”, conta ela. As próximas etapas da pesquisa pretendem envolver novos testes em culturas de células e em modelos animais para avaliar a eficácia e a segurança do biofármaco. “Esse é um projeto de longo prazo, que não seria possível sem a colaboração científica. As competências complementares dos grupos da UFRJ, IOC, Farmanguinhos, Bio-Manguinhos e Universidade de Lisboa são fundamentais para avançarmos no desenvolvimento desse novo medicamento”, destaca Perales. Reportagem: Maíra Menezes 11/08/2016 Permitida a reprodução sem fins lucrativos do texto desde que citada a fonte (Comunicação / Instituto Oswaldo Cruz) |
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