Publicada em: 01/12/2016 às 09:00 |
||||||
Seguindo os rastros do HIV Análises genéticas reconstroem rotas de dispersão das linhagens caribenhas do vírus da Aids. No Brasil, Roraima, Amazonas e Maranhão concentram os casos relacionados a estas variantes 1º de dezembro, Dia Mundial de Luta Contra a Aids. A data foi criada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 1987, quando a síndrome já era reconhecida como um desafio de amplas proporções. Mas, por quais caminhos o vírus se espalhou silenciosamente nos continentes antes de ser identificado como causador de uma doença que preocupa o mundo? Uma série de estudos liderados pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) vem ajudando a desvendar esse período ainda pouco claro da história do HIV, quando o vírus circulava nas Américas e na Europa, mas os primeiros casos de Aids ainda não haviam sido diagnosticados. O alvo de interesse são as chamadas linhagens caribenhas do subtipo B do HIV-1 (HIV-1 B), variantes genéticas pouco estudadas do vírus. O vírus ancestral que deu origem ao HIV-1 B, o mais prevalente nas Américas e Europa, parece ter saído da África e se estabelecido em ilhas do Caribe nos anos 1960. Do Caribe, o HIV-1 B se disseminou para os Estados Unidos e, a partir do território americano, alcançou outros continentes, estabelecendo a linhagem pandêmica do HIV-1 B. Os estudos liderados pelo IOC apontam que na mesma época, outras linhagens do HIV-1 B foram disseminadas do Caribe para outros países no mundo, mas tiveram baixa propagação. A exceção é um limitado grupo de países da América Latina, incluindo regiões do Norte e Nordeste do Brasil. Situações inesperadas como esta mostram que, da regra à exceção, os múltiplos contextos da epidemia de Aids precisam ser investigados. “Em 2007, um estudo realizado por pesquisadores norte-americanos e europeus demonstrou que a maioria dos vírus HIV-1 B isolados fora do Caribe pertencia a uma única linhagem, que teria sido introduzida nos Estados Unidos, vinda do Haiti, no final dos anos 1960. Considerando esse achado, nosso objetivo foi investigar o que teria ocorrido com as linhagens de HIV-1 B caribenhas, que não alcançaram o mesmo nível de propagação internacional”, explica o coordenador dos estudos, Gonzalo Bello, pesquisador do Laboratório de Aids e Imunologia Molecular do IOC. Ele liderou um esforço de análise do material genético do vírus em dezenas de milhares de casos, permitindo mapear a disseminação das linhagens caribenhas.
A situação é semelhante na maior parte do Brasil, de acordo com dados publicados também recentemente na revista científica ‘Plos One’ em colaboração com pesquisadores da Fiocruz-Amazonas e da Universidade Federal de Goiás (UFG). Analisando mais de 2,5 mil sequências genéticas de HIV-1 B coletadas no país, foi constatado que os vírus caribenhos foram introduzidos pelo menos 14 vezes no território brasileiro, alcançando 16 estados, nas cinco regiões. Porém, na média nacional, mais de 95% das infecções são causadas pela linhagem pandêmica. Segundo Gonzalo, uma situação diferente foi verificada apenas em Roraima, que apresenta 41% de casos provocados por vírus originários do Caribe; além do Amazonas e do Maranhão, que registram 14% de casos desse tipo. “O resultado de Roraima foi surpreendente, apontando para uma situação epidemiológica muito diferente do restante do Brasil e provavelmente ligada à proximidade com países como a Guiana, o Suriname e a Guiana Francesa”, comenta.
De acordo com Gonzalo, não há evidências, até o momento, de que existam diferenças entre as infecções causadas pelas linhagens caribenhas e pela linhagem pandêmica do HIV-1 B no que diz respeito ao desenvolvimento da doença ou à resposta ao tratamento. Os estudos também não indicam qualquer diferença quanto à capacidade de infectar os pacientes. Por isso, a principal hipótese para explicar a distribuição variada desses vírus no planeta passa por fatores históricos e culturais, e não por aspectos biológicos. “Não acreditamos que seja uma questão dos vírus, mas sim dos cenários epidemiológicos nos quais eles foram introduzidos. Os dados históricos mostram que, no início da epidemia, nas décadas de 1970 e 1980, a disseminação do HIV-1 B esteve muito associada com populações de homens que fazem sexo com homens. Essa foi uma característica comum aos países das Américas e da Europa. Uma hipótese possível é de que a linhagem pandêmica tenha sido a primeira a atingir essas populações, e não as linhagens caribenhas”, pondera o pesquisador. Além de ajudar a compreender o passado e mapear o cenário presente, os dados levantados nas pesquisas podem contribuir, no futuro, para a vigilância sobre o HIV. Segundo Gonzalo, é importante considerar que a introdução das diferentes linhagens virais aconteceu décadas atrás e que os cenários epidemiológicos se modificam com o tempo. No entanto, as conexões entre países e regiões, que são evidenciadas nos estudos, tendem a permanecer. “No caso do Brasil, por exemplo, vemos que, para a maioria dos estados, as conexões mais importantes estão relacionadas com áreas onde há circulação da linhagem pandêmica, como a América do Norte e a Europa. Já em Roraima, existe uma situação epidemiológica particular, com introdução importante de variantes caribenhas. Isso aponta suscetibilidades diferenciadas, o que pode direcionar medidas no futuro”, pontua o pesquisador, acrescentando que esse conhecimento pode favorecer também o monitoramento de outros agravos. “As rotas de disseminação que foram reconstruídas nas pesquisas refletem as migrações humanas e, portanto, as potenciais rotas de entrada e disseminação de outros patógenos no Brasil e nas Américas”, ressalta. Reportagem: Maíra Menezes Edição: Raquel Aguiar 01/12/2016 Permitida a reprodução sem fins lucrativos do texto desde que citada a fonte (Comunicação / Instituto Oswaldo Cruz) |
||||||