Publicada em: 19/01/2017 às 08:00 |
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Medicamento protege células de danos causados pelo Zika Adotado no tratamento da hepatite C, o sofosbuvir inibiu a replicação do vírus Zika em testes com culturas de células e minicérebros, impedindo a morte celular Um estudo liderado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) mostra que o antiviral sofosbuvir, atualmente utilizado para tratamento da hepatite C, possui ação contra o vírus Zika. O efeito foi observado em testes com diferentes tipos de células, incluindo células neuronais humanas, além de minicérebros, organóides produzidos a partir de células-tronco que reproduzem os estágios iniciais de formação do cérebro e são considerados um modelo para o estudo da microcefalia associada ao Zika. A pesquisa apontou que o medicamento inibe a replicação viral, protegendo as células da morte provocada pela infecção. O estudo foi realizado por pesquisadores do Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde (CDTS/Fiocruz), Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz), Instituto de Tecnologia de Fármacos (Farmanguinhos/Fiocruz), Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Inovação em Doenças Negligenciadas (INCT/IDN) e consórcio BMK, formado pelas empresas Blanver Farmoquímica, Microbiológica Química e Farmacêutica e Karin Brüning. A pesquisa foi apoiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pela Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj). Os resultados foram publicados nesta quarta-feira, 18/01, na revista científica internacional ‘Scientific Reports’. De acordo com Thiago Moreno Lopes Souza, pesquisador do CDTS e coordenador do estudo, mais investigações são necessárias antes da realização de ensaios com pacientes, mas os primeiros resultados apontam que o sofosbuvir tem potencial para se tornar uma opção no tratamento da doença. “Identificar a ação contra o vírus Zika de uma droga que já é clinicamente aprovada é muito importante. Ainda não sabemos quando teremos uma vacina disponível contra o Zika e o uso de um medicamento antiviral pode reduzir os danos provocados pela infecção. Dependendo dos resultados futuros, o tratamento poderia até ser considerado como medida profilática, como ocorre, por exemplo, no uso de certos medicamentos antirretrovirais no caso do HIV”, afirma o pesquisador.
Os experimentos foram realizados com uma linhagem do vírus Zika em circulação no Brasil. A partir dos resultados positivos observados em estudos com diferentes linhagens celulares, os pesquisadores decidiram testar o medicamento em modelos mais semelhantes aos cérebros dos bebês quando são afetados pelo vírus Zika durante a gestação. Os experimentos foram realizados com células-tronco neurais de pluripotência induzida e minicérebros. Produzidas em laboratório a partir de células humanas extraídas da pele, as células-tronco neurais de pluripotência induzida são semelhantes às células precursoras que originam os principais tipos celulares do cérebro no início do desenvolvimento dos embriões. Já os minicérebros, produzidos a partir dessas células, são organóides que reproduzem a estrutura tridimensional do cérebro do feto nos primeiros meses da gestação, com a presença de diferentes tipos celulares.
O potencial de ação do sofosbuvir sobre o vírus Zika foi avaliado de diversas formas. Em um dos testes, a RNA polimerase do vírus Zika foi purificada para verificar se a forma ativa do fármaco seria capaz de bloquear a sua ação, da mesma forma que ocorre com a RNA polimerase do vírus da hepatite C – hipótese confirmada nos ensaios. Os pesquisadores ainda verificaram que o sofosbuvir provoca tantas mutações no genoma do vírus da Zika que a multiplicação viral se torna inviável. Por isso, protege as células de um processo chamado de patogênese viral.
A parceria entre grupos de pesquisa é considerada essencial para os resultados obtidos e para as próximas etapas do estudo. “Esse trabalho envolveu diversos laboratórios, que contribuíram com as suas áreas de experiência, produzindo rapidamente um resultado importante. A colaboração traz mais respostas e mais qualidade para a pesquisa”, afirma Eduardo Volotão, pesquisador do Laboratório de Virologia Comparada e Ambiental do IOC, que realizou a concentração e a purificação das amostras de vírus Zika utilizadas no estudo. No IOC, os Laboratórios de Imunofarmacologia, de Flavivírus e de Vírus Respiratório e do Sarampo também colaboraram com o trabalho. De acordo com os cientistas, o fato de o sofosbuvir ser um medicamento já aprovado para uso em pacientes no caso da hepatite C pode facilitar o avanço da pesquisa. “Geralmente são necessários anos para um fármaco sair da fase de estudos pré-clínicos e chegar aos ensaios com pacientes. Como o sofosbuvir já passou pelos testes de segurança e foi aprovado para uso contra a hepatite C, esse processo pode ser bastante acelerado”, diz Thiago. Sofosbuvir contra hepatite C O sofosbuvir é um fármaco inovador, que foi lançado em 2013 e chegou ao Sistema Único de Saúde (SUS) para tratamento da hepatite C em dezembro de 2015. Como a maioria dos antivirais, o medicamento não está disponível nas farmácias e sua utilização só poder ser feita com acompanhamento médico. No tratamento da hepatite C, o remédio é utilizado em associação com outros antivirais. Entre as vantagens na comparação com as terapias anteriores estão o aumento da chance de cura, a redução dos efeitos colaterais e a possibilidade de administração por via oral.Em maio de 2016, a Fiocruz e o consórcio BMK assinaram um acordo para produzir o remédio no Brasil. Artigo: Sacramento, C. Q. et al. The clinically approved antiviral drug sofosbuvir inhibits Zika virus replication. Sci. Rep. 7, 40920; doi: 10.1038/srep40920 (2017). Reportagem: Maíra Menezes Edição: Raquel Aguiar 19/01/2017 Permitida a reprodução sem fins lucrativos do texto desde que citada a fonte (Comunicação / Instituto Oswaldo Cruz) |
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