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Mapeando a diversidade genética da tuberculose

Pesquisas usam análise do DNA para detalhar diferenças regionais na distribuição de microrganismos causadores da doença, em um processo influenciado por fatores biológicos e sociais

Novas descobertas relacionadas à variedade genética das bactérias causadoras da tuberculose vêm contribuindo para desvendar diferenças regionais na distribuição geográfica desses microrganismos, que podem estar ligadas tanto a aspectos biológicos do hospedeiro e do parasito, como sociais. Publicado na revista científica ‘Nature Genetics’, um estudo que analisou três mil amostras de pacientes em cem países apontou fatores que podem ter contribuído para a ampla difusão global de uma das linhagens do complexo Mycobacterium tuberculosis – grupo que reúne as espécies de bactérias causadoras da doença. O trabalho foi conduzido por cientistas da Suíça, Alemanha, França e Espanha, com a colaboração de pesquisadores de 56 instituições no mundo. O Laboratório de Biologia Molecular Aplicada a Micobactérias do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) foi o representante do Brasil no grupo.

Entre as sete linhagens do complexo M. tuberculosis conhecidas por infectar os seres humanos, a chamada linhagem 4 é a única encontrada frequentemente nos cinco continentes. Com base em análises do genoma completo de microrganismos desse grupo e na identificação de alterações pontuais do seu DNA, conhecidas como ‘polimorfismos de nucleotídeo único’, os cientistas identificaram dez subtipos geneticamente diversos, com distribuições territoriais distintas. Três subtipos foram classificados como ‘generalistas’, por serem encontrados em quase 50 países de cinco continentes, o que demonstra a sua capacidade para infectar diferentes populações humanas. Em contrapartida, quatro subtipos foram considerados ‘especialistas’, uma vez que circulam em menos de dez países de uma única região geográfica, o que indica adaptação para hospedeiros de grupos populacionais específicos. Os três subtipos restantes apresentaram um padrão de difusão intermediário.

Crédito: Adaptado com permissão de Macmillan Publishers Ltd: NATURE GENETICS, Stucki, D. et al. Mycobacterium tuberculosis lineage 4 comprises globally distributed and geographically restricted sublineages. Nat. Genet. 48, 1535–1543 (2016), copyright (2016)

Subtipos genéticos das bactérias da tuberculose da linhagem 4 apresentam distribuições geográficas distintas: acima, o subtipo 'generalista' L4.3/LAM é detectado em 47 países de cinco continentes; abaixo, o subtipo 'especialista' L4.6.1/Uganda é identificado em apenas sete países africanos

“Essas variações podem ser resultado da coevolução entre as bactérias da tuberculose e o ser humano. Os estudos indicam que algumas cepas estão mais preparadas para interagir com diferentes populações, enquanto outras parecem ter um potencial maior para causar infecção em grupos específicos”, explica o pesquisador Philip Suffys, chefe do Laboratório de Biologia Molecular Aplicada a Micobactérias, que colaborou com o estudo. Segundo ele, conhecer a diversidade e a distribuição geográfica dos microrganismos permite avançar na compreensão da doença e pode ser importante para enfrentar o agravo. “Algumas linhagens do M. tuberculosis são mais associadas a casos de resistência a antibióticos e possuem maior virulência. Além disso, o reconhecimento das cepas circulantes pode contribuir para o desenvolvimento de vacinas, já que elas podem apresentar variações de epítopos”, ressalta. Os epítopos são áreas de moléculas bacterianas que se ligam aos receptores celulares e aos anticorpos. Ao serem detectados pelo sistema imunológico, possibilitam a reação contra os microrganismos.

Investigações no Brasil
Liderado pelo Laboratório de Biologia Molecular Aplicada a Micobactérias do IOC, um estudo anterior baseado na análise de quase duas mil amostras de onze estados das cinco regiões do Brasil já havia traçado o cenário nacional de distribuição das variantes genéticas das bactérias da tuberculose. Publicado na revista científica ‘Infection, Genetics and Evolution’, em 2012, o trabalho foi realizado em parceria com o Laboratório de Microbiologia Celular do IOC; Centro de Referência Professor Helio Fraga (CRPHF) da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz); Centro de Pesquisa Aggeu Magalhães (Fiocruz-Pernambuco); Ministério da Saúde; Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj); Universidade de São Paulo (USP); Universidade Federal de Sergipe (UFSE), Instituto Evandro Chagas (IEC) e Instituto Pasteur de Guadalupe.

Foto: Gutemberg Brito

Philip Suffys destaca que a pesquisa apontou variações regionais internas, como a presença de bactérias do genótipo ‘Leste-Africano-Indiano’ em Belém, no Pará

A pesquisa utilizou uma técnica de investigação genética chamada de ‘spoligotyping’, que caracteriza uma região específica do DNA, importante para a detecção de variantes dos microrganismos. A análise confirmou a forte presença no Brasil de bactérias do grupo conhecido como ‘Latino Americano e Mediterrâneo’ (LAM). Os microrganismos com genótipos classificados neste grupo responderam por quase metade das amostras analisadas. De acordo com Philip, o mesmo padrão é verificado em Portugal e em alguns outros países do sul da Europa. “As pesquisas de genoma confirmam que cepas do tipo LAM, que pertencem à linhagem 4 do complexo M. tuberculosis, são de origem europeia e estão entre as mais disseminadas no mundo. No entanto, existem diferenças regionais importantes na frequência dos subtipos dessa linhagem, que podem estar relacionadas com características das populações de cada região. Por exemplo, países africanos de colonização portuguesa não apresentam índices tão elevados de circulação de bactérias do tipo LAM quanto o Brasil”, relata o pesquisador.

O estudo também revelou uma surpresa: a presença significativa de bactérias classificadas com perfil genético ‘Leste-Africano-Indiano’ em Belém, no Pará. “Em geral, as cepas africanas não se disseminam muito no Brasil ou nas Américas, sendo encontradas em baixa frequência apesar da migração maciça que ocorreu no período da escravidão, principalmente partindo da costa ocidental da África. O resultado observado em Belém pode refletir um tipo de imigração diferenciada, vinda da África oriental. Também pode haver uma relação com a forte interação entre os moradores do Pará e os habitantes da Guiana Francesa, onde as mesmas variedades do M. tuberculosis já foram observadas”, pondera Philip, acrescentando que pesquisas detalhadas para aprofundar as investigações estão em andamento em parceria com o IEC, a UFRJ e instituições de pesquisa internacionais.

Reportagem: Maíra Menezes
Edição: Raquel Aguiar
21/03/2017
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