Atenção especial ao portador da doença de Chagas Jornalismo
Em sua quinta edição, Ciclo Carlos Chagas de Palestras discutiu avanços na pesquisa e na assistência, enfatizando a busca por melhoria nas condições de vida dos pacientes
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Avanços na pesquisa e na abordagem integral da assistência, educação e comunicação, com foco na melhoria das condições de vida dos pacientes, estiveram no centro das discussões da quinta edição do Ciclo Carlos Chagas de Palestras. Realizado nos dias 6 e 7 de abril, o encontro reuniu pesquisadores, estudantes e portadores do agravo. A atividade foi organizada pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) em parceria com o Pronto Socorro Cardiológico Universitário de Pernambuco Professor Luiz Tavares, da Universidade de Pernambuco (Procape/UPE). Em sessão integrada ao Centro de Estudos do IOC, o evento comemorou ainda os 30 anos do Ambulatório de Doença de Chagas e Insuficiência Cardíaca do Procape/UPE e da Associação de Portadores de Doenças de Chagas, Insuficiência Cardíaca e Miocardiopatia de Pernambuco, assim como o primeiro aniversário da Associação Rio Chagas.
Foto: Gutemberg Brito |
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Passado e presente da pesquisa sobre doença de Chagas na Fiocruz foram destacados na mesa abertura do evento |
Na mesa de abertura, a presidente da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Nísia Trindade, lembrou o caráter histórico dos estudos sobre a doença de Chagas na instituição, quando, ainda em 1909, Carlos Chagas descreveu o parasito causador do agravo e nomeou o protozoário como Trypanosoma cruzi, em homenagem a Oswaldo Cruz. “Essa é uma linha de pesquisa que se confunde com a história da Fiocruz, e a presença de jovens estudantes e pesquisadores no Ciclo Carlos Chagas de Palestras mostra que ela mantém o dinamismo e o interesse”, afirmou Nísia. O vice-presidente de Pesquisa e Coleções Biológicas da Fiocruz, Rodrigo Correa de Oliveira, destacou a relevância dos temas debatidos no encontro. “A pesquisa sobre a interação entre o parasito e o hospedeiro continua sendo fundamental para o entendimento da doença, o tratamento e a cura”, disse Rodrigo. O diretor do IOC, Wilson Savino, ressaltou a aproximação entre a pesquisa, a assistência e os portadores da infecção como um dos legados dos cinco anos do evento. “Essa iniciativa é muito importante por unir a academia, a medicina e a sociedade, particularmente as pessoas afetadas pela doença de Chagas, que são a razão de existência e o alvo final dos estudos”, declarou Savino.
Organizadora do Ciclo Carlos Chagas de Palestras desde a primeira edição, a chefe do Laboratório de Biologia das Interações do IOC, Joseli Lannes, chamou atenção para os muitos desafios que permanecem no enfrentamento do agravo. “Esse é um espaço de interação para aqueles que buscam avanços no diagnóstico, no tratamento, na atenção e no cuidado com o paciente, assim como nas questões políticas, econômicas e sociais associadas à doença de Chagas, com o objetivo de trazer melhorias para a vida dos portadores”, enfatizou. “Esse tipo de fórum é muito relevante para que os pesquisadores da academia possam perceber como seus trabalhos impactam na ponta do sistema de saúde, no dia-a-dia da assistência e na vida dos portadores”, completou a médica da Universidade de Pernambuco e assessora técnica da Associação de Portadores de Doença de Chagas do estado, Cristina Carrazzone, também organizadora da quinta edição do Ciclo Carlos Chagas de Palestras.
Foto: Gutemberg Brito |
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Discussões da quinta edição do Ciclo Carlos Chagas de Palestras mobilizaram pesquisadores e estudantes |
Importância da pesquisa científica
O impacto das pesquisas científicas para o atendimento aos portadores crônicos foi destacado por diversos palestrantes. Diretor do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz), Alejandro Hasslocher relatou a experiência do Laboratório de Pesquisa Clínica em Doença de Chagas, baseada no atendimento de mais de dois mil pacientes desde 1986. Ele mostrou como a pesquisa clínica desenvolvida na unidade contribui para a criação de ferramentas que ajudam na avaliação do risco de complicações e na orientação do tratamento dos pacientes com problemas cardíacos. Hasslocher avaliou que o modelo de integração entre assistência, pesquisa e ensino é eficiente para o Sistema Único de Saúde (SUS), mas ponderou que é preciso levar os avanços científicos para todos os pacientes. “Em muitas localidades, o acesso a exames como o ecocardiograma é difícil. Pesquisadores do INI desenvolveram um método que pode ajudar os médicos a avaliar os pacientes nestas condições, com base no eletrocardiograma e na radiografia de tórax. Porém, há dificuldade para a difusão desse conhecimento. Infelizmente, ainda falta um olhar diferenciado para os pacientes com doença de Chagas no SUS”, comentou o pesquisador.
Foto: Gutemberg Brito |
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Diretor do INI mostrou exemplos de pesquisas científicas com impacto no tratamento dos pacientes |
As conclusões do maior ensaio clínico sobre doença de Chagas crônica foram discutidas por dois pesquisadores da Fiocruz que participaram do estudo ‘Avaliação do Benzonidazol para Interrupção da Tripanossomíase’ – conhecido como Benefit, na sigla em inglês. O trabalho acompanhou cerca de três mil pacientes com problemas cardíacos causados pela infecção crônica em cinco países, sendo quase a metade deles no Brasil. Após cinco anos de acompanhamento, a pesquisa apontou que o tratamento com benzonidazol – medicamento que ataca os parasitos T. cruzi – não é capaz de interromper o agravamento da cardiopatia, indicado pela ocorrência de complicações como isquemia, taquicardia ou necessidade de implantação de marca-passo.
Pesquisador do Laboratório de Biologia Molecular e Doenças Endêmicas do IOC, Otacílio Moreira comentou os testes de PCR, que identificam o material genético do T. cruzi em amostras de sangue. Na pesquisa, os pacientes tratados com benzonidazol apresentaram maior frequência de resultados negativos nas avaliações após a terapia do que aqueles que receberam o placebo – uma substância neutra. No entanto, Otacílio ressaltou que esse resultado não é suficiente para confirmar a cura parasitológica após a administração do medicamento. “Os pacientes com doença de Chagas crônica costumam apresentar uma quantidade muito pequena de parasitos na circulação sanguínea. O resultado negativo pode ocorrer devido à ausência do T. cruzi na amostra analisada, mesmo com o parasito ainda alojado no coração e circulando no sangue em baixos níveis”, esclareceu ele. O pesquisador ponderou que o estudo Benefit não deve fechar portas para a busca de novas terapias ou esquemas terapêuticos mais eficientes no combate ao T. cruzi na fase crônica da doença de Chagas e acrescentou que desdobramentos da pesquisa estão em andamento, com análises da carga parasitária e do genótipo dos parasitos nas amostras.
Foto: Gutemberg Brito |
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Otacílio Moreira e Andrea Silvestre debateram os resultados do maior ensaio clínico realizado sobre doença de Chagas crônica |
A cardiologista Andrea Silvestre, do Laboratório de Pesquisa Clínica em Doença de Chagas do INI, ressaltou que o estudo Benefit foi um ensaio clínico muito bem planejado. Segundo ela, a faixa etária média dos pacientes incluídos na pesquisa – de 55 anos – é aproximadamente a mesma observada entre os portadores de cardiopatia chagásica no Brasil. Além disso, ao contrário do que afirmam os críticos do trabalho, a grande maioria dos casos era de comprometimento cardíaco leve a moderado, com menos de 3% avaliados na classe funcional III, que indica dano acentuado. “O estudo acompanhou quase três mil pacientes, o que é muito difícil em um agravo negligenciado como a doença de Chagas. O trabalho mostrou que, em pacientes com problemas cardíacos estabelecidos, o impacto do benzonidazol foi neutro. O mesmo empenho dedicado a essa discussão poderia ser aplicado para garantir o tratamento sintomático da cardiopatia, que inegavelmente melhora a sobrevida”, ponderou Andrea.
Experiências na assistência integral
A necessidade de abordagem integral da doença de Chagas também foi enfatizada no evento. Pesquisadora do Conselho Nacional de Investigações Científicas e Técnicas (Conicet) e da Universidade Nacional de La Plata, na Argentina, Mariana Sanmartino comentou a experiência do projeto ‘De que falamos quando falamos de Chagas?’, que utiliza a arte como plataforma para estimular a reflexão sobre o agravo. Ela ressaltou que os desafios da doença de Chagas não estão apenas no campo biomédico, mas também em questões epidemiológicas, socioculturais e político-econômicas. “A melhor metáfora para a visão integral da doença de Chagas é a de um quebra-cabeças caleidoscópico, no qual as diversas peças estão constantemente misturadas e, ao olhar, cada pessoa percebe uma imagem diferente”, disse Mariana.
Foto: Gutemberg Brito |
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Importância da educação e da comunicação na abordagem da problemática da doença de Chagas foi enfatizada por Mariana Sanmarino |
Os 30 anos de experiência do Ambulatório de Doença de Chagas e Insuficiência Cardíaca do Procape/UPE no atendimento integral aos portadores crônicos do agravo foram discutidos pelo cardiologista Wilson Oliveira, fundador e coordenador da unidade. De acordo com ele, a criação do serviço foi fruto da percepção de que as internações frequentes dos pacientes eram resultado da carência no tratamento continuado dos problemas cardíacos. “A doença de Chagas não é uma doença democrática, que afeta igualmente todas as pessoas. A maioria dos pacientes tem uma história de marginalidade e exclusão pela pobreza, que se agrava com o adoecimento”, ressaltou o cardiologista. A atuação da equipe multiprofissional, com participação de médicos, nutricionistas, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais e farmacêuticos, é considerada um dos diferenciais destacados, ao lado da parceria com a Associação de Portadores da Doença de Chagas de Pernambuco. Desde 2010, a ‘Casa de Chagas’, imóvel adquirido por meio de doações e do apoio da UPE, abriga as sedes do ambulatório e da entidade civil. “Com esse modelo, buscamos estimular a participação ativa dos pacientes no processo terapêutico, melhorando a adesão ao tratamento e reduzindo as internações hospitalares. Também visamos permitir ações educativas, oferecer suporte psicossocial e melhorar a qualidade de vida, além de otimizar a custo-efetividade do atendimento”, afirmou Wilson.
Foto: Gutemberg Brito |
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"Cada paciente é único, e os aspectos biológicos da doença de Chagas são apenas a ponta do iceberg", disse Wilson Oliveira |
A descentralização do atendimento aos portadores da doença de Chagas crônica é um dos frutos recentes do projeto. De 2013 a 2017, por meio da parceria entre o Ambulatório e a Secretaria estadual de Saúde de Pernambuco, 925 profissionais de Unidades Básicas de Saúde foram treinados para atender casos de cardiopatia branda e da forma crônica indeterminada do agravo – quando a infecção pelo T. cruzi é diagnosticada, mas não há comprometimento cardíaco ou visceral. Segundo Wilson, a ação teve como base o mapeamento da origem dos pacientes atendidos no Ambulatório, realizado durante a pesquisa de doutorado da bióloga Lucia Arnez, desenvolvida no Programa de Pós-graduação em Biologia Celular e Molecular do IOC, sob orientação da pesquisadora Joseli Lannes. “O levantamento confirmou que a maioria dos pacientes ainda reside no interior e alguns se deslocam até 800 km para as consultas. A descentralização é o grande objetivo do SUS e deve aumentar a qualidade de vida dessas pessoas”, disse o médico, acrescentando que o suporte aos profissionais de saúde que atuam no interior é oferecido em reuniões mensais por vídeo-conferência e através de canais online permanentemente abertos.
Mobilização dos pacientes
Pioneira na mobilização de pacientes e afetados pela doença de Chagas no mundo, a Associação de Portadores de Pernambuco tinha seis associados no dia da sua fundação em 1987. Atualmente, contando com 550 participantes, tem seu trabalho reconhecido como entidade de utilidade pública municipal e estadual. Além da divulgação de informações sobre o agravo, com o objetivo de promover a educação e chamar atenção das autoridades para a doença de Chagas, a presidente da Associação, Maria José de Queiroz, ressaltou que o trabalho dos voluntários no apoio aos pacientes atendidos na ‘Casa de Chagas’. “Muitas pessoas vêm do interior e saem das primeiras consultas ainda sem saber o que fazer. Nossa equipe ajuda na marcação de exames, no acesso a medicamentos e no esclarecimento sobre a doença. Também fornecemos lanches para todos os pacientes e cestas básicas para os mais carentes”, enumerou ela, explicando que os recursos para as ações são obtidos através de um bazar mantido pelos voluntários e de doações.
Foto: Gutemberg Brito |
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Cristina Carrazzone, Maria José de Queiroz, Nancy Costa e Tania Araújo-Jorge avaliaram que as associações de portadores são importante para a oferta de apoio e o aumento da visibilidade dos pacientes |
No Rio de Janeiro, a Associação Rio Chagas foi criada em 8 de abril do ano passado e funciona com reuniões mensais nas quais os pacientes discutem temas e ações relevantes para o seu dia-a-dia. A presidente do grupo, Nancy Costa, destacou que o desconhecimento e o desinteresse em relação à enfermidade são problemas enfrentados cotidianamente, em situações que vão da discriminação no mercado de trabalho à dificuldade no acesso ao tratamento. “Estou aqui [no Ciclo Carlos Chagas de Palestras], falando sobre a minha situação e reivindicando meus direitos. Outras pessoas da minha família, que foram afetadas por essa doença, não tiveram essa oportunidade”, afirmou Nancy.
Foto: Gutemberg Brito |
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Pesquisas de estudantes de pós-graduação do IOC selecionadas para sessões de apresentação oral mostraram diversidade de linhas de pesquisa relacionadas ao agravo |
Além das mesas de discussões, a quinta edição do Ciclo Carlos Chagas de Palestras contou com apresentações orais de oito estudantes de pós-graduação do IOC, que tiveram as suas pesquisas selecionadas entre os resumos submetidos para o evento. Os trabalhos refletiram a diversidade de linhas de estudo relacionadas à doença de Chagas no Instituto, abordando temas como a busca por marcadores de gravidade, investigações sobre novas terapias e desenvolvimento de metodologias para a educação. No encerramento, Joseli avaliou que a atividade vem contribuindo para que o agravo continue em evidência no ambiente científico, especialmente no IOC. “Mais uma vez, o evento cumpriu seu propósito de dar visibilidade ao tema na semana que antecede o Dia Mundial de Combate à Doença de Chagas, celebrado em 14 de abril. O objetivo fundamental da pesquisa é dar respostas à sociedade e, neste caso, temos um compromisso especial com as pessoas afetadas pela infecção”, comentou a pesquisadora.
Reportagem: Maíra Menezes Edição: Vinícius Ferreira 11/04/2017 Permitida a reprodução sem fins lucrativos do texto desde que citada a fonte (Comunicação / Instituto Oswaldo Cruz)
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