Publicada em: 31/08/2017 às 13:03
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Ceará ganha novos doutores em Medicina Tropical
Jornalismo

Temas relevantes para a saúde pública no estado, como dengue e doença de Chagas, estão entre as teses defendidas por alunos do programa de doutorado interinstitucional promovido pelo IOC

Com dez defesas realizadas em julho e agosto, o Doutorado Interinstitucional (Dinter) em Medicina Tropical, promovido pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) em colaboração com a Universidade Federal do Ceará (UFC), chega ao fim alcançando com sucesso seus principais objetivos. Parceria entre o Programa de Pós-graduação em Medicina Tropical do IOC e o Programa de Pós-graduação em Patologia da UFC, o curso foi iniciado em 2013, com apoio fomento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Em quatro anos, a iniciativa resultou não apenas na titulação de novos doutores, mas também no desenvolvimento de estudos relevantes para a saúde pública no Ceará. “Entre as teses defendidas, estão projetos ligados a dengue, leishmaniose visceral, doença de Chagas, tuberculose e hepatite, que são doenças com alto impacto no estado”, ressalta o coordenador do Dinter e pesquisador do IOC, Filipe Aníbal Carvalho Costa.

De acordo com a Capes, os programas de doutorado interinstitucionais buscam reduzir as desigualdades regionais em pesquisa, pavimentando o caminho para a expansão das pós-graduações fora dos centros científicos já consolidados no país. Coordenadora operacional do Dinter e vice-coordenadora da Pós-graduação em Patologia da UFC, Cristiane Frota, considera que a iniciativa terá efeito multiplicador. “Entre os doutores titulados, seis são professores da UFC. A formação desses profissionais e a troca de conhecimentos promovida pelo Dinter vão contribuir para a criação do curso de doutorado na Pós-graduação em Patologia, que há 26 anos oferece o mestrado”, destaca ela.

As disciplinas do Dinter foram ministradas, em Fortaleza, por docentes da Pós-graduação em Medicina Tropical do IOC, e os projetos de doutorado desenvolvidos foram orientados por pesquisadores do Instituto, com co-orientação de professores da UFC. Além disso, os alunos tiveram a oportunidade de desenvolver parte das suas pesquisas nos laboratórios do IOC no campus de Manguinhos, no Rio de Janeiro. “A inserção nacional é uma marca do Programa de Medicina Tropical, que tem alunos egressos de todos os estados do Brasil. No caso do Dinter, a interação com os pesquisadores e alunos no Ceará foi muito positiva, e o financiamento fornecido pela Capes permitiu o desenvolvimento de um projeto muito interessante”, avalia a coordenadora do Programa de Pós-graduação em Medicina Tropical, Martha Mutis. Ela acrescenta que o programa também atua na formação de pessoal no Piauí e em Moçambique, na África. “A experiência foi valiosa para os alunos e para os programas. Na Pós-graduação em Patologia, já estávamos trabalhando para propor a criação do doutorado, e agora estamos ainda mais preparados. É importante que esse tipo de colaboração seja incentivado”, declara o coordenador da Pós-graduação em Patologia da UFC, Fernando Bezerra.

Divulgação

Dengue e doença de Chagas foram alguns dos temas de relevância para a saúde pública das teses defendidas por alunos do programa de doutorado interinstitucional


Contribuições para a saúde pública

O potencial de transmissão vetorial da doença de Chagas na zona urbana de Sobral, maior cidade do interior do Ceará, foi apontado na tese de doutorado de Cynara Parente. Professora de parasitologia da UFC em Sobral, com formação em veterinária e biologia, ela analisou dados relativos à presença de triatomíneos – insetos transmissores do agravo, popularmente conhecidos como barbeiros – dentro de residências e realizou um levantamento sorológico da infecção em cães. Os dados do Centro de Controle de Zoonoses municipal revelaram que, entre 2010 e 2014, 191 barbeiros foram encontrados por moradores dentro de suas casas sendo que quase 18% estavam infectados pelo Trypanosoma cruzi, parasito causador da doença de Chagas. A investigação em cães, realizada em 2015 e 2016, mostrou alta taxa de infecção: dos 743 animais analisados (5% da população canina de Sobral), 256 apresentaram anticorpos contra o T. cruzi, o que corresponde a um índice de 34,5%. A presença de cães infectados em residências foi identificada em todos os 28 bairros contemplados na pesquisa. Além disso, mais de 200 barbeiros foram encontrados em sete domicílios de três bairros, incluindo um inseto infectado. O trabalho contou com apoio da Secretaria de Saúde de Sobral e do Ministério da Saúde.

De acordo com Cynara, a preocupação com a doença de Chagas em Sobral aumentou depois que um caso agudo de infecção foi diagnosticado em 2008, e o trabalho reforça a importância da vigilância do agravo no município. “Os cães podem ser considerados sentinelas, uma vez que a presença da infecção nos animais alerta para a circulação do T. cruzi no local. O mapeamento realizado na pesquisa é uma informação importante para orientar as ações de controle”, afirma a autora da tese. Orientadora do projeto, a chefe do Laboratório de Ecoepidemiologia da Doença de Chagas, Marli Lima, comenta que a doença de Chagas é endêmica em muitas áreas rurais do Ceará, mas a situação observada em Sobral representa uma exceção importante. “A presença de triatomíneos e de cães infectados indica um cenário de risco de transmissão vetorial nas zonas urbanas de Sobral. Considerando que a maioria dos casos agudos de doença de Chagas são assintomáticos, é necessário que novos estudos investiguem a prevalência da infecção na população humana na cidade”, ressalta a pesquisadora. “Esse trabalho apresenta uma contribuição relevante para a compreensão da epidemiologia da doença de Chagas em Sobral. O diagnóstico e o tratamento precoces são fundamentais para evitar as formas crônicas do agravo, como as cardiopatias”, completa Fernando Bezerra, co-orientador da pesquisa.

A dengue também esteve no foco de teses com resultados que podem contribuir para o enfrentamento do agravo. Professora de patologia da UFC em Fortaleza, a médica pneumologista e patologista Fernanda Barroso analisou alterações pulmonares em cerca de 120 casos de óbitos provocados pela doença no Ceará. O acometimento do pulmão foi observado em 98% dos casos. Técnicas de análise histopatológica identificaram sinais de edema, hemorragia, pneumonite (inflamação pulmonar) e infecções secundárias, causadas por outros vírus ou bactérias, entre outras alterações. A presença de proteínas que indicam ocorrência de replicação viral também foi detectada no tecido pulmonar, sendo associada com uma maior taxa de morte celular. Além disso, nas amostras em que foi possível recuperar o genoma do vírus, o estudo avaliou os sorotipos envolvidos na infecção: nos casos de 2011, o vírus dengue 1 foi predominante, enquanto em 2012 e 2013, o dengue 4 foi majoritário. A análise das fichas com informações sobre os casos mostrou ainda que a falta de ar foi um sintoma relatado pelos pacientes ou suas famílias.

Segundo Fernanda, a dengue é uma doença sistêmica, que afeta diversos órgãos, e o estudo ajuda a compreender como a infecção atinge o pulmão. “Entre outras questões, observamos, por exemplo, uma variação no acometimento dependendo da idade dos pacientes, com maior frequência de quadros inflamatórios entre crianças e adolescentes até 15 anos e de edema pulmonar e hemorragia entre idosos”, afirma a médica, acrescentando que o conhecimento pode contribuir para aprimorar o tratamento da doença. A integração de diversas técnicas no estudo é destacada pelas orientadoras do projeto. “A pesquisa contemplou análises histopatológicas, marcadores imunológicos e marcadores virais, permitindo uma descrição aprofundada dos casos”, ressalta a orientadora da tese, Flávia Barreto, pesquisadora do Laboratório de Imunologia Viral do IOC. “Levando em contas as alterações clínicas, histopatológicas e moleculares, a pesquisa traz achados que contribuem para uma melhor compreensão da patogênese da dengue, além de identificar sinais e sintomas associados às alterações mais graves, como o edema pulmonar. Com certeza são importantes contribuições para a saúde pública”, aponta a co-orientadora do projeto, Margarida Pompeu, professora do Departamento de Patologia e Medicina Legal da Faculdade de Medicina da UFC.

Reportagem: Maíra Menezes
Edição: Raquel Aguiar
31/08/2017
Permitida a reprodução sem fins lucrativos do texto desde que citada a fonte (Comunicação / Instituto Oswaldo Cruz)


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