Publicada em: 26/03/2018 às 16:38
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À memória de um idealista da saúde pública
Jornalismo

Estreia de documentário, exposição, doação do arquivo pessoal e depoimentos em sessão solene do Centro de Estudos marcaram as homenagens pelo centenário do cientista Luis Rey, um dos mais renomados parasitologistas do país

Um cientista curioso, metódico e inquieto. Um médico com uma visão integrada da saúde. Um idealista. Estas foram apenas algumas das características ressaltadas no ‘Centenário Luis Rey: 100 anos de nascimento’, evento realizado pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), nos dias 22 e 23 de março, em homenagem a um dos mais renomados parasitologistas do Brasil. A jornada de atividades contou com a assinatura do termo de doação por parte da família do arquivo pessoal de Luis Rey à Fiocruz, a exposição de itens do acervo profissional, incluindo publicações e relatórios, e a estreia do documentário ‘Rey, ciência em defesa da vida’. No segundo dia do evento, depoimentos de familiares, colegas e amigos marcaram a sessão solene do Centro de Estudos do IOC.

Peter Ilicciev/CCS/Fiocruz

A mostra levou ao público parte do acervo de Luis Rey, como o prêmio Jabuti de Literatura e o microscópio de uso particular do cientista


Na cerimônia de abertura, a Presidente da Fiocruz Nísia Trindade Lima destacou o empenho conjunto para a criação do documentário que apresenta diferentes nuances da vida do pesquisador – uma produção do IOC com o apoio da VideoSaúde Distribuidora (Icict/Fiocruz). “Esta atividade celebra a difusão do conhecimento e da trajetória do professor Luis Rey, que expressa a luta e o trabalho de cientistas brasileiros para dispor a ciência em prol dos grandes problemas da sociedade”, destacou Nísia. Já o diretor do IOC José Paulo Gagliardi Leite lembrou aspectos importantes da trajetória do pesquisador, como a atuação singular na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), o exílio, o controle da esquistossomose na Tunísia e a vinda para a Fiocruz. “Este momento é um marco importante de celebração à vida, o que se faz fundamental diante do cenário de violência que atinge o Brasil e o Rio de Janeiro, em especial. Cada Unidade da Fiocruz pelo país guarda uma semente do conhecimento do professor Luis Rey. Que sua visão da Saúde e da Ciência comprometidas com a realidade da população se mantenha sempre viva”, ressaltou José Paulo. “É uma grande satisfação contribuir para mais um projeto que resgata a trajetória de um grande pesquisador brasileiro. Conseguir eternizar essa história e torná-la acessível para a sociedade é um caminho fundamental”, complementou Rodrigo Murtinho, diretor do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz).

Peter Ilicciev/CCS/Fiocruz

"Cada Unidade da Fiocruz pelo país guarda uma semente do conhecimento do professor Luis Rey", destacou José Paulo Gagliardi Leite, diretor do IOC


O encontro marcou a assinatura do acordo do termo de doação, por parte da família, do arquivo pessoal de Luis Rey à Fiocruz. O acervo reúne documentos textuais e iconográficos datados das décadas de 1920 a 2000. “O acervo doado passa a ser um bem de uso público para a sociedade brasileira. Ao preservar e disponibilizar o acesso ao conteúdo para a sociedade, incluindo pesquisadores e cientistas das mais diversas áreas do conhecimento, estamos contribuindo para preservar também uma parte da história do Brasil”, afirmou Paulo Elian, diretor da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz), que irá abrigar o material. Além de Elian, também assinaram o acordo a presidente da Fiocruz, Nísia Trindade, e os filhos do cientista, Clara, Heloísa e Luís Carlos Rey. “A Fiocruz acolheu o meu pai em um momento bastante delicado e permitiu que ele continuasse fazendo o que mais gostava: trabalhar e se relacionar com pessoas que estivessem aplicando o conhecimento científico na luta por melhores condições de vida para a população. Transferir esse acervo para a Fundação é garantir a continuidade da história dele”, ressaltou Clara.

Mariana Nogueira/IOC/Fiocruz

Assinatura da doação do arquivo pessoal de Luis Rey à Fiocruz. O acervo reúne documentos textuais e iconográficos datados das décadas de 1920 a 2000


Olhares atentos, curiosidade, riso: a primeira apresentação pública do documentário despertou diferentes reações na plateia cativada por Luis Rey, a mistura de uma figura simples e espontânea, porém firme e determinada. O filme é resultado de mais de dois anos de pesquisas, entrevistas e de um mergulho profundo no acervo do cientista pelos diretores Marina Saraiva, do Serviço de Jornalismo e Comunicação (Sejor) do IOC, e Wagner de Oliveira, da VideoSaúde. As imagens são do cinegrafista e editor Josué Damacena, também do Sejor. Confira a seguir o trailer da obra, com lançamento simultâneo em DVD e em plataformas digitais previsto para maio.

Assista ao trailer:

Legado
Parte das comemorações do ‘Centenário Luis Rey: 100 anos de nascimento’, a sessão solene do Centro de Estudos do IOC do dia 23 de março recebeu a pesquisadora Nilcea Freire, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), que apresentou o tema ‘Luis Rey: legado e interação para a interface entre ciência e sociedade’. A atividade também contou com depoimentos de familiares, colegas e amigos do cientista. A mesa de abertura contou com a presença da Presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima, do diretor do IOC, José Paulo Gagliardi Leite, e da filha do cientista Heloísa Rey. “Meu pai era uma pessoa extremamente aberta, com uma cabeça muito adiante do seu tempo. Ele era muito dedicado e tinha uma visão da saúde voltada para o coletivo. Tanto eu como meus irmãos somos médicos e sempre fomos estimulados a trabalhar com Saúde Pública”, ressaltou Heloísa.

Gutemberg Brito/IOC/Fiocruz

Heloísa Rey (à dir.) ressaltou o estímulo do pai para que os filhos médicos atuassem em prol da Saúde Pública


Ainda na década de 1980, no Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS/Fiocruz), Nilcea foi orientada por Luis Rey no curso de doutorado, no estudo do parasito Schistosoma mansoni, causador da esquistossomose. A pesquisadora destacou a importância da autonomia para o desenvolvimento científico na época. “Ele nos orientava com ausência de qualquer traço de autoritarismo, sem querer dirigir a nossa carreira ou a forma como pensávamos. Ele foi, no maior sentido da expressão, um grande mestre”, ressaltou. Para ela, o legado do pesquisador ultrapassa a fronteira das ciências biológicas. “O professor Rey transitou com desenvoltura e muita humildade tanto pela carreira científica como pela atividade administrativa, deixando também sua marca de gestor. Era um político que se forjou na luta cotidiana, capaz de intervir em cada lugar onde esteve, de tal maneira que aquele ambiente pudesse ter mais espaço para as pessoas e para a democracia”, pontuou.

Gutemberg Brito/IOC/Fiocruz

A pesquisadora Nilcea Freire destacou o empenho do cientista Luis Rey em transformar a realidade dos locais por onde passava


Relatos
Os depoimentos de pessoas que conviveram com Luis Rey convergem para a descrição de um profissional dedicado, simples e ponderado. As viagens em família foram destaque do depoimento do médico Luís Carlos Rey, filho do pesquisador. “O exílio para o meu pai era uma janela de oportunidades, nunca ouvi reclamações sobre saudade ou sobre a condição de exilado. Ele era um exemplo de tenacidade ao transformar situações adversas em produtividade”, afirmou o médico. Secretária do parasitologista durante parte do período em que atuou na Fiocruz, Lenira Lopes Gomes de Souza destacou a relação de confiança com o cientista. “O Dr. Rey estará para sempre no meu coração, minha saudade é muito grande. Fui privilegiada por ter conhecido uma pessoa tão brilhante e humana”, ressaltou.

Gutemberg Brito/IOC/Fiocruz

A secretária Lenira Lopes Gomes de Souza ficou carinhosamente conhecida pela Fiocruz como 'Lenira do Rey'


O pesquisador da Uerj Jose Roberto Machado e Silva destacou o perfil didático de Rey. “O primeiro contato que tive com ele foi uma banca de defesa de doutorado em Belo Horizonte, que se tornou mais do que uma avaliação, mas uma aula sobre moluscos”, contou. Chefe do Laboratório de Biologia e Parasitologia de Mamíferos Silvestres Reservatórios do IOC, Arnaldo Maldonado, orientando de mestrado e doutorado de Rey, lembrou a facilidade com que o cientista redigia artigos. Já o professor da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo Pedro Paulo Chieffi lembrou a contribuição de Rey como editor da Revista ‘Pesquisa Fapesp’.

Para conhecer mais sobre a vida e obra de Luis Rey, confira:

:: Seu depoimento pelos 110 anos do IOC e da Fiocruz

:: Matéria especial sobre seus 95 anos de missões cumpridas

:: Reportagem sobre o dia em que a Ciência se despediu do mestre

Reportagem: Lucas Rocha
Edição: Raquel Aguiar
27/03/2018
Permitida a reprodução sem fins lucrativos do texto desde que citada a fonte (Comunicação / Instituto Oswaldo Cruz)


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