Publicada em: 05/06/2018 às 10:29 |
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Artigo de revisão sobre vetores da doença de Chagas Trabalho discute evolução, classificação e distribuição geográfica de barbeiros, à luz das contribuições mais relevantes de estudos genéticos desenvolvidos nos últimos 20 anos Os triatomíneos – popularmente conhecidos como barbeiros – são vetores da doença de Chagas, infecção que afeta oito milhões de pessoas no mundo, de acordo com estimativa da Organização Mundial da Saúde (OMS). Liderado por pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) e do Instituto René Rachou (Fiocruz-Minas), um artigo de revisão publicado no periódico ‘Advances in Parasitology’ apresenta uma nova síntese acerca do conhecimento sobre esses insetos. A publicação expõe e discute questões centrais frequentemente debatidas entre os especialistas da área cujo foco é a evolução, classificação e biogeografia dos barbeiros. Coordenador do trabalho, o pesquisador Fernando Monteiro, chefe do Laboratório de Epidemiologia e Sistemática Molecular do IOC, ressalta que, nos últimos 20 anos, as pesquisas genéticas vêm revelando informações preciosas contidas no DNA desses insetos. “Os primeiros estudos sobre variações genéticas em triatomíneos foram publicados em 1998. Desde então, análises moleculares diversas contribuíram para esclarecer temas polêmicos relacionados à evolução e classificação de representantes da subfamília Triatominae”, afirma o especialista em genética. O artigo conta ainda com a colaboração de pesquisadores do Laboratório de Biodiversidade Entomológica do IOC, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos.
A subfamília Triatominae constitui um grupo particular dentro da família de insetos Reduviidae. Os triatomíneos são caracterizados pelo hábito alimentar hematofágico, ou seja, baseado na ingestão de sangue de animais vertebrados. Já as demais espécies de reduviídeos são predadores – que se alimentam da hemolinfa de outros insetos – ou fitófagos – que sugam seiva de plantas. A literatura científica aponta que os triatomíneos surgiram de um grupo ancestral de reduvídeos predadores, que se adaptou à alimentação sanguínea. No artigo, os pesquisadores destacam que diversos estudos investigaram a relação evolutiva entre reduvídeos predadores e triatomíneos. Comparando sequências do DNA desses insetos, os estudos avançaram na construção de árvores filogenéticas, que retratam relações de ascendência e descendência entre espécies de forma semelhante às árvores genealógicas. A maioria das análises indica que a subfamília Triatominae inclui todos os descendentes de um ancestral comum, o que caracteriza um grupo monofilético. “Isso sugere que a hematofagia provavelmente surgiu uma única vez na evolução do grupo. As pesquisas estimam que o comportamento hematófago surgiu entre 35 a 40 milhões de anos atrás”, comenta Fernando. Entretanto, duas pesquisas sugerem uma possibilidade diferente: de acordo com esses trabalhos, insetos predadores do gênero Opisthacidius compartilham o mesmo ancestral de alguns triatomíneos. “Neste caso, a hematofagia não seria uma característica transmitida de um ancestral comum para todos os seus descendentes triatomíneos, mas sim um comportamento desenvolvido em diferentes momentos da evolução e de maneira independente por mais de um grupo de ancestrais predadores”, explica Fernando. “Embora a maior parte das evidências aponte no sentido do monofiletismo, ainda serão necessários novos trabalhos para esclarecer definitivamente a questão”, avalia o pesquisador. Controvérsias e descobertas Ao todo, 152 espécies de triatomíneos já foram descritas, sendo duas delas extintas. Essas espécies são classificadas em 16 gêneros, que, por sua vez, são agrupados em cinco tribos. No artigo, os autores apontam que o avanço das pesquisas moleculares revelou falhas nas classificações baseadas apenas nas características físicas dos vetores. “A morfologia pode ser enganosa porque insetos que vivem em um mesmo ambiente tendem a desenvolver características físicas semelhantes, em um processo conhecido como convergência evolutiva. É por isso que os estudos mais recentes buscam a taxonomia integrativa, que reúne dados de diversos campos, como morfologia, genética, biogeografia, ecologia e comportamento”, esclarece o geneticista.
No que diz respeito às relações entre diferentes espécies, as pesquisas moleculares têm revelado que triatomíneos aparentemente muito diferentes podem ter um ancestral comum próximo na árvore filogenética, enquanto outros com alto grau de semelhança física podem ser apenas ‘parentes distantes’. “Os estudos apontam que cada uma das cinco tribos reúne os triatomíneos descendentes de um ancestral comum. Porém, as classificações por gênero e grupos de espécies, muitas vezes, não respeitam o critério de ascendência e descendência”, comenta o especialista. Com base em análises filogenéticas robustas e nos padrões de distribuição geográfica das espécies, os autores apresentam uma nova proposta para a classificação dos vetores. Assim, dentro de cada tribo, os insetos são classificados em linhagens, considerando sua origem evolutiva; clados, definidos a partir da ancestralidade e da distribuição geográfica comuns; e grupos de espécies, reunindo animais com alto grau de semelhança morfológica e genética, incluindo os complexos de espécies. Do ponto de vista da saúde pública, os pesquisadores ressaltam que a capacidade de infestar residências humanas não parece ser um traço comum de nenhum grupo particular de barbeiros. Insetos que conseguem colonizar domicílios humanos eficientemente são os vetores mais importantes da doença de Chagas, pois picam as pessoas com mais frequência, aumentando a chance de transmissão do parasito causador do agravo. “Os principais vetores domésticos da doença de Chagas estão espalhados por clados e gêneros dentro das tribos Triatomini e Rhodniini. Isso sugere que o conjunto de características que conferem ‘capacidade de domiciliação’ surgiu mais de uma vez na evolução do grupo. Provavelmente, algumas espécies ou populações de barbeiros expressaram a combinação de traços para colonizar com sucesso o habitat humano. Aqueles que, além disso, eram propensos a ser infectados e transmitir o Trypanosoma cruzi se tornaram os principais vetores do agravo”, afirma o autor. Reportagem: Maíra Menezes Edição: Vinícius Ferreira e Raquel Aguiar 05/06/2018 Permitida a reprodução sem fins lucrativos do texto desde que citada a fonte (Comunicação / Instituto Oswaldo Cruz) |
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