Publicada em: 20/09/2018 às 10:00 |
|||||||||
Mapeamento genético traça a evolução da hanseníase Colaboração internacional chegou à mais abrangente análise já realizada sobre o tema. No Brasil, microrganismo foi introduzido há mais de 500 anos
A partir de registros documentais, já era sabido que as evidências da existência da hanseníase são milenares – até a Bíblia traz referências que são associadas à doença. Usando técnicas da genômica (capaz de analisar e comparar dados do código genético), um estudo envolvendo mais de 30 pesquisadores de 13 países conseguiu mapear a evolução do bacilo Mycobacterium leprae, causador da doença. No Brasil, participaram o Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) e mais três instituições parceiras. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) estimam que mais de 200 mil novos casos são detectados no mundo a cada ano. Somente no Brasil, segundo país com maior número de registros, foram aproximadamente 152 mil novas notificações no período de 2012 a 2016. No topo do ranking, a Índia conta mais de 100 mil novos infectados anualmente. Nature Communications
Distribuição geográfica das amostras de M. leprae utilizadas no estudo. O mapa mundial mostra o número de casos registrados de hanseníase por 10 mil habitantes (taxas de prevalência) em 2015, conforme relatado pela Organização Mundial da Saúde Após comparação dos genomas obtidos a partir das amostras, foi possível estudar as associações geográficas entre elas e delinear possíveis rotas de disseminação da hanseníase. Com isso, chegou-se a uma árvore filogenética (algo parecido com uma árvore genealógica, capaz de indicar derivações ao longo do tempo), resultando em 13 linhagens em circulação no mundo. O achado inclui a identificação de uma linhagem inédita, chamada de 3K-1, de origem asiática. No Brasil, foi identificada a circulação de cinco linhagens, com predomínio de cepas – algo como variações internas das linhagens – originárias da Europa e da África. Também há registro da circulação de uma linhagem proveniente da Ásia. “Este resultado está em sintonia com a história do nosso país. Vimos que linhagens da micobactéria foram introduzidas em território nacional há mais de 500 anos”, comenta Milton Ozório Moraes, chefe do Laboratório de Hanseníase e integrante do estudo. Na pesquisa, uma curiosidade: uma das variações em circulação no Brasil deriva diretamente de cepas que circularam na Europa na Idade Média. Com isso, é a variação do bacilo atualmente em circulação nas Américas com origem mais antiga.
Mutações à vista Com tratamento bem estabelecido desde a década de 1980, o bacilo causador da hanseníase é, na maioria dos casos, combatido com um coquetel de medicamentos. Se realizada precocemente, a terapia é capaz de prevenir tanto as lesões irreversíveis da doença e, no momento em que a medicação é iniciada, a transmissão do agravo é interrompida. No entanto, o aumento da resistência do M. leprae aos fármacos tradicionalmente utilizados é um desafio em ascensão. “Não existem dados que permitam precisar exatamente qual o índice de resistência a medicamentos no Brasil ou no mundo. Com base em artigos científicos publicados e informações enviadas por centros de referência de diversos países, foi estimada uma taxa de 8% de resistência aos antibióticos nos casos de recidiva da infecção, ou seja, quando a doença retorna após o fim do tratamento. Porém, esse percentual é calculado com base em um número pequeno de casos, investigados apenas em alguns países, incluindo o Brasil”, pondera Milton. Há, ainda, situações de multirresistência, em que o M. leprae apresenta resistência a mais de um dos compostos usados na terapia.
No Brasil, uma rede de vigilância está atenta aos casos de hanseníase resistente aos antibióticos. Formada por centros de referência, essa rede analisa amostras de pacientes na busca de genes que já são conhecidos por sua associação com a falta de sensibilidade aos medicamentos. O IOC é um desses centros, numa ação conjunta dos Laboratórios de Hanseníase e de Biologia Molecular Aplicada a Micobactérias. Philip conta que, além de aperfeiçoar o conhecimento sobre a filogeografia de M. leprae, o estudo ampliou o conhecimento sobre os mecanismos de resistência a antibióticos, descrevendo mutações que podem se tornar possíveis alvos para métodos de detecção rápida da resistência. “Ao mesmo tempo em que abre caminho para desenvolvimento de novas tecnologias para detecção de genótipos e resistência, o estudo também mostra a existência de cepas de M. leprae chamadas de extensivamente resistentes a drogas, situação já amplamente descrita na tuberculose”, conta o pesquisador. Uma vez que seja possível detectar precocemente a resistência a medicamentos convencionalmente utilizados para tratamento da hanseníase, podem ser prescritos esquemas de tratamento mais adequados e reduzindo a disseminação de cepas resistentes. Estudos continuam O grupo de especialistas brasileiros e estrangeiros permanece a todo vapor com novas análises, que procuram ampliar ainda mais o estudo que acaba de ter seus resultados publicados. A intenção é desbravar a Ásia Central, área não estudada por falta de amostras, para testar a hipótese de que a linhagem 3K, considerada a mais antiga, se originou no Leste Asiático e se dispersou para o oeste por meio de civilizações como os persas, há cerca de três a cinco milênios atrás. Reportagem: Vinicius Ferreira Edição: Raquel Aguiar 20/09/2018 Permitida a reprodução sem fins lucrativos do texto desde que citada a fonte (Comunicação / Instituto Oswaldo Cruz) |
|||||||||