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Os mosquitos e as variações de seu relógio biológico

Pesquisa aponta que mosquitos Aedes e Culex reagem de formas diferentes aos estímulos de luz e calor, o que pode impactar na transmissão de doenças

Um estudo liderado pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) aponta que mosquitos Aedes aegypti e Culex quinquefasciatus apresentam reações diferentes aos estímulos de luz e calor, fatores fundamentais na regulação do relógio biológico dos seres vivos. Enquanto o Culex – popularmente conhecido pernilongo ou muriçoca – guia seus ciclos de atividade e repouso principalmente pelas variações de luminosidade, o vetor da dengue, Zika e chikungunya sofre maior influência da temperatura. Publicado na revista científica ‘Journal of Biological Rhythms’, o achado pode ter impacto na disseminação de doenças, uma vez que os padrões de locomoção interferem em aspectos importantes da biologia dos insetos, incluindo metabolismo, gasto energético, bem-estar e eficiência para transmissão de patógenos.

Foto: Gutemberg Brito

Utilizando sensores de infravermelho, o estudo detectou variações no padrão de locomoção dos mosquitos

À frente de um grupo de cientistas dedicados a estudar os ritmos circadianos de insetos vetores de doenças, a pesquisadora Rafaela Vieira Bruno, chefe do Laboratório de Biologia Molecular de Insetos do IOC e coordenadora do estudo, afirma que comportamento do C. quinquefasciatus mostra-se semelhante ao de outros insetos já estudados. Já a reação do A. aegypti é inesperada. “A maioria das pesquisas relacionada ao ritmo circadiano dos mosquitos é realizada com ciclos de claro e escuro, para simular o dia e a noite, e temperatura constante de 25°C. Porém, na natureza, a temperatura varia juntamente com a luminosidade e esse é um fator importante para o ajuste do relógio biológico. No trabalho, simulamos diferentes condições de luz e calor. Observamos que os Culex mantêm seu padrão noturno de locomoção, independentemente das mudanças de temperatura. Por outro lado, os Aedes – que normalmente são diurnos – trocam o dia pela noite quando confrontados com um ‘dia frio’ e uma ‘noite quente’”, relata a bióloga.

A pesquisa contou com a colaboração dos Laboratórios de Biologia Molecular de Insetos, de Mosquitos Transmissores de Hematozoários e de Fisiologia e Controle de Artrópodes Vetores do IOC, além do Instituto de Biologia do Exército (Ibex) e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Entomologia Molecular (INCT-EM).

Foto: Gutemberg Brito

Rafaela Bruno explica que as condições ambientais atuam para ajustar o relógio biológico, sincronizando os ritmos circadianos

Ritmos diários
Todos os seres vivos contam com mecanismos para ajustar seus comportamentos aos ciclos diários de 24 horas. A alternância entre vigília e sono é o exemplo clássico do ritmo circadiano, mas diversos outros comportamentos são regulados pelo relógio biológico. Nos mosquitos, os mais importantes são atividade locomotora, reprodução, busca pelo criadouro, postura de ovos e busca pelo hospedeiro – ou seja, fonte de sangue para alimentação. Esses comportamentos são orientados por genes, conhecidos como genes de relógio, que atuam no cérebro e nos diferentes tecidos dos insetos. “O relógio biológico é ajustado pelas condições ambientais. Os ciclos de claro e escuro e de temperatura são, geralmente, os fatores mais importantes para regular a expressão dos genes de relógio, que, por sua vez, orientam o comportamento dos insetos. Na presença das variações ambientais os ritmos circadianos são sincronizados”, esclarece Rafaela.

Simulações
Para avaliar a regulação do relógio biológico dos mosquitos, os pesquisadores fizeram uma série de simulações. Em uma incubadora, os insetos foram submetidos a condições variadas de luz e calor. A locomoção foi monitorada por sensores de infravermelho, capazes de detectar o movimento dos insetos no interior de tubos de ensaio. Já a ativação dos genes de relógio foi analisada em intervalos regulares de duas em duas horas.

Foto: Gutemberg Brito

Na incubadora, os mosquitos foram submetidos a variações de luminosidade e temperatura

O primeiro experimento contou com condições semelhantes às da natureza. Os registros da estação meteorológica da Vila Militar, na Zona Norte do Rio de Janeiro, foram considerados para estabelecer as temperaturas médias do dia, em 30ºC, e da noite, em 20ºC. Nesse cenário, os Aedes se movimentaram mais durante o dia e os Culex, durante a noite. As duas espécies apresentaram pico de atividade logo após o anoitecer. De acordo com Rafaela, o padrão de locomoção dos Aedes foi diferente do verificado nos experimentos com temperatura constante de 25ºC. “Em ciclos de claro e escuro sem variação de temperatura, os Aedes apresentam dois picos de atividade: ao anoitecer e ao amanhecer. Curiosamente, observamos que o pico matutino foi suprimido quando a temperatura atuou como fator adicional para ajuste do relógio biológico”, comenta a pesquisadora.

A influência da temperatura isoladamente foi avaliada em duas simulações: uma sem qualquer claridade e outra com iluminação constante. Nas duas condições, a alternância entre calor e frio foi suficiente para a manutenção do padrão geral de atividade dos insetos, com pequenas alterações. Na ausência da luz, houve redução do pico de movimentação das duas espécies. A tendência dos Aedes de se locomover mais nas horas quentes, que correspondem normalmente ao período diurno, foi acentuada. Os Culex – que mantiveram o hábito de maior movimentação no período frio, associado à noite – tiveram o pico de locomoção antecipado em algumas horas.

Arte: Jefferson Mendes

Por fim, para investigar qual estímulo seria predominante para o comportamento dos mosquitos, os pesquisadores utilizaram condições conflitantes de luz e calor. Diante de ciclos de claridade a 20ºC e escuridão a 30ºC, os Aedes ajustaram seus relógios biológicos pela temperatura e passaram a se movimentar mais à noite. Seguindo a luminosidade, os Culex mantiveram a atividade noturna, apesar do calor. Assim, os picos de locomoção dos insetos se dissociaram: enquanto os Culex continuaram com auge de atividade ao anoitecer, os Aedes passaram a apresentar máximo de locomoção poucas horas antes do amanhecer.

Expressão de genes
Como esperado, o padrão de ativação da maioria dos genes de relógio variou em função dos diferentes estímulos. Nas duas espécies, a presença de condições conflitantes de luz e temperatura alterou o perfil de expressão genética, sendo que, em alguns casos, as mudanças ocorreram em sentidos opostos – por exemplo, com antecipação do horário de ativação de determinado gene em uma espécie e atraso na outra. Para os cientistas, essa divergência pode ser uma das explicações para as diferentes reações dos insetos aos estímulos. “Nosso trabalho confirma que, assim como os ciclos de claro e escuro, as variações de temperatura são importantes para o desenvolvimento dos ritmos circadianos dos mosquitos, especialmente dos Aedes. A grande sensibilidade desse vetor ao calor é um fator que pode ter impacto epidemiológico, uma vez que comportamentos como atividade locomotora e busca pelo hospedeiro podem influenciar na transmissão de doenças”, pondera Rafaela.

Reportagem: Maíra Menezes
Edição: Vinícius Ferreira
28/01/2019
Permitida a reprodução sem fins lucrativos do texto desde que citada a fonte (Comunicação / Instituto Oswaldo Cruz)

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