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Descobertas na fronteira da ciência

Com metodologias de ponta, teses vencedoras do Prêmio Alexandre Peixoto 2018 assinalam novas perspectivas em estudos sobre resposta imune na leptospirose, vacinas para malária e câncer de pulmão

:: Conheça outras teses premiadas

A capacidade crescente de geração e análise de dados da ciência foi a base para descobertas em três pesquisas vencedoras do Prêmio Anual IOC de Teses Alexandre Peixoto 2018, entregue nesta terça-feira (11/09), em sessão extraordinária do Centro de Estudos do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz). Criado em 2013 para contemplar, anualmente, as melhores teses desenvolvidas por doutorandos dos Programas de Pós-graduação Stricto sensu do IOC, a premiação é uma homenagem ao pesquisador Alexandre Peixoto, falecido precocemente no mesmo ano.

Utilizando um método de imunoproteômica de alto desempenho, a biomédica Carolina Lessa Aquino realizou uma investigação ampliada sobre a resposta imune de pacientes com leptospirose, detectando variações significativas entre casos graves e brandos, além de possíveis alvos para o desenvolvimento de testes diagnósticos e vacinas. Para encontrar candidatos vacinais contra a malária causada pelo parasito Plasmodium vivax, o biólogo Rodrigo Nunes Rodrigues da Silva aplicou a vacinologia reversa – metodologia que conta com análises em computador para identificar moléculas com características consideradas positivas para a composição de imunizantes. As técnicas de bioinformática também foram a base do estudo da biomédica Natasha Andressa Nogueira Jorge, que analisou dados públicos de sequenciamentos de RNA (moléculas produzidas a partir do DNA) e descobriu variações entre células de casos de câncer de pulmão de pacientes fumantes e não fumantes, assim como entre diferentes tipos de células sanguíneas.

Alto desempenho contra a leptospirose
Por meio de uma análise que contemplou todas as mais de três mil proteínas potencialmente produzidas por uma linhagem da bactéria causadora da leptospirose, a pesquisa da biomédica Carolina Lessa Aquino, que atua no Laboratório de Tecnologia Recombinante do Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos/Fiocruz), conseguiu apontar antígenos que podem contribuir para o desenvolvimento de novos testes diagnósticos e vacinas contra o agravo. Desenvolvido no Programa de Biologia Celular e Molecular do IOC, o estudo também detectou diferenças na resposta imune entre casos graves e brandos da doença. Os dados sugerem que a produção de anticorpos provocada por uma infecção prévia pode ter efeito protetor, evitando as manifestações mais críticas nos contágios posteriores. A tese ‘Estudo do perfil da resposta imune por anticorpos em diferentes formas clínicas de leptospirose a partir de um microarranjo de proteína do genoma codificante completo de Leptospira interrogans sorovar Copenhageni’ foi orientada pelo pesquisador Marco Alberto Medeiros, do Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos/Fiocruz).

Foto: Gutemberg Brito

Segundo Carolina Aquino, a pesquisa mostrou que apenas uma pequena parte das proteínas da bactéria L. interrogans é alvo do sistema imune

A identificação de antígenos é uma etapa importante para produção de testes de diagnóstico e vacinas porque o sistema imune não reconhece todas as proteínas de um patógeno, mas apenas algumas moléculas. Conhecida como microarranjo de proteína recombinante, a técnica de alto desempenho utilizada na pesquisa permite fazer uma triagem de todas as proteínas da bactéria para identificar aquelas capazes de provocar a reação do organismo. Nessa análise, ferramentas de bioinformática são usadas para identificar as sequências do DNA do microrganismo que codificam para a produção de proteínas. Em seguida, essas sequências são clonadas e as proteínas são expressas, compondo uma lâmina de microarranjo, que é, então, colocada em contato com o soro de pacientes e indivíduos saudáveis. Uma vez que os anticorpos presentes no soro se ligam às proteínas, essa ligação pode ser detectada.

O estudo mostrou que das mais de três mil proteínas produzidas pela bactéria L. interrogans, apenas 191 são reconhecidas pelo sistema imune. Neste grupo, 36 permitem distinguir indivíduos infectados de pessoas saudáveis que vivem em locais com circulação do patógeno, sendo consideradas potenciais candidatas para o desenvolvimento de testes de diagnóstico e vacinas. “A carência de testes rápidos que permitam identificar a leptospirose na fase inicial é a atualmente a principal barreira para o controle dos desfechos graves da doença. Ao mesmo tempo, as vacinas disponíveis conferem apenas imunidade de curta duração, contra sorovares específicos da bactéria. Por isso, é importante identificar bons candidatos diagnósticos e vacinais”, enfatiza Carolina.

O orientador do trabalho destaca que a pesquisa apontou ainda que pacientes com doença grave apresentam um perfil de produção de anticorpos característico de um primeiro contato com a bactéria, enquanto aqueles com manifestações brandas revelam um padrão de resposta que indica infecção secundária. “A tese permitiu um estudo bastante abrangente sobre a resposta imune de pacientes com leptospirose. Observamos que os pacientes desenvolvem uma resposta por anticorpos intensa e que o perfil desses anticorpos é bastante distinto em indivíduos com diferentes manifestações clínicas, indicando uma possível correlação entre a presença prévia de anticorpos e proteção contra as formas graves da doença”, completa Medeiros.

Busca de vacina contra malária mais frequente no Brasil
Causador de mais de 80% dos casos de malária no Brasil, o Plasmodium vivax é um parasito que não pode ser cultivado em laboratório, o que dificulta as pesquisas científicas, inclusive em busca por vacinas. Considerando este cenário, o biólogo Rodrigo Nunes Rodrigues da Silva, que atua no Laboratório de Tecnologia de Anticorpos Monoclonais do Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos/Fiocruz), aplicou, em sua tese, a vacinologia reversa. Combinando os estudos digitais com testes em amostras de pacientes e experimentos em modelos animais, o trabalho desenvolvido na Pós-graduação em Biologia Parasitária do IOC conseguiu, entre outros resultados, identificar um segmento de uma proteína que pode ser considerado um potencial candidato vacinal. O estudo ‘Identificação e avaliação da imunogenicidade de epítopos de células B de proteínas de esporozoítos (PvCelTOS) e merozoítos (PvMSP-9) de Plasmodium vivax’ foi orientado pelo pesquisador Josué da Costa Lima Junior, do Laboratório de Imunoparasitologia do IOC.

Foto: Gutemberg Brito

Para Rodrigo, o estudo confirma o potencial da vacinologia reversa em pesquisas com parasitos que não podem ser cultivados em laboratório

Para chegar aos resultados, a pesquisa analisou duas proteínas do P. vivax conhecidas pela capacidade de desencadear a produção de anticorpos, buscando identificar os epítopos – regiões específicas das proteínas – responsáveis por essa ação. No computador, uma combinação de algoritmos foi utilizada para selecionar os segmentos com maior potencial imunogênico. Em seguida, testes realizados com amostras de soro de mais de 500 pacientes expostos à malária foram realizados para avaliar a acurácia das predições virtuais. Confirmado o sucesso da abordagem, foi sintetizada uma molécula com a sequência do epítopo mais promissor. Os ensaios realizados com camundongos, considerados modelos para esse tipo de estudo, demonstraram a capacidade da molécula sintética para induzir a produção de anticorpos, sendo que esses anticorpos foram eficazes para reconhecer não apenas o epítopo isoladamente, mas a proteína nativa do parasito.

De acordo com Rodrigo, a identificação de epítopos imunogênicos pode ser um passo importante para a composição de vacinas sintéticas, produzidas a partir de moléculas sintetizadas em laboratório, que são uma alternativa de baixo custo em comparação com outras plataformas. “A pesquisa corrobora trabalhos que utilizam ferramentas de bioinformática para seleção de pequenas sequências alvos do sistema imune, desenvolvendo um desenho experimental para identificação e validação desses alvos. A partir desses resultados, os epítopos identificados poderão ser inseridos em novos trabalhos, visando o desenvolvimento de formulações vacinais para ensaios pré-clinicos”, afirma o autor do estudo.

O orientador do trabalho salienta que as metodologias desenvolvidas na tese podem contribuir para a busca de vacinas contra outros agravos. “Diante da escassez de recursos, desenvolver linhas de pesquisa que possam reduzir custos e melhorar descobertas de antígenos é um ganho importante. Para chegar aos mesmos resultados da tese sem as ferramentas de bioinformática, seria necessário dispor de muito mais recursos e tempo”, pontua Josué.

Achados inéditos a partir de dados públicos
Desde a primeira publicação do genoma humano completo, em 2003, o avanço das técnicas de sequenciamento genético vem permitindo a decodificação cada vez mais acelerada e com menor custo das sequências genéticas dos seres vivos. Ao lado de inúmeras descobertas, um resultado desse processo tem sido o acúmulo crescente de informações genéticas, que são depositadas em bancos de dados públicos e podem ser exploradas por cientistas para investigar diversas questões biológicas. Neste cenário, a pesquisa da biomédica Natasha Andressa Nogueira Jorge utilizou estratégias inovadoras de bioinformática para obter resultados inéditos a partir das informações publicadas por dois consórcios internacionais de cientistas – um com foco em casos de câncer de pulmão e outro em linhagens de células sanguíneas. Desenvolvido na Pós-graduação em Biologia Computacional e Sistemas, o trabalho ‘Utilização de dados de sequenciamento de alta vazão de pequenos RNAs não codificadores na distinção de amostras humanas’ foi orientado pelo pesquisador Fabio Passetti, do Instituto Carlos Chagas (Fiocruz-Paraná).

Foto: Gutemberg Brito

A tese de Natasha Nogueira Jorge apontou que a expressão de moléculas que atuam na manutenção do metabolismo celular é alterada pelo fumo

A tese teve como alvo moléculas chamadas de pequenos RNAs não codificadores. Produzidas a partir do DNA, elas atuam na manutenção do metabolismo celular, participando, por exemplo, da manutenção da integridade do DNA, do processo de regulação de expressão de genes e da síntese de proteínas. Na primeira etapa do trabalho, foi investigado o perfil de duas moléculas desse grupo (snoRNAs e piRNAs) em células normais e tumorais de pacientes fumantes e não fumantes com câncer de pulmão. As análises apontaram diferenças no padrão de expressão das moléculas entre os dois grupos de pacientes. Entre os tabagistas, foi observada inibição de snoRNAs e piRNAs necessários para a manutenção celular, tanto nas células tumorais como nas células normais. Da mesma forma, foi verificado aumento da expressão de snoRNAs conhecidos pela associação com diferentes tipos de tumores, o que indica que o uso de tabaco altera o perfil de expressão de pequenos RNAs não codificadores das células de forma semelhante ao encontrado em casos de câncer. De forma inédita, a pesquisa também apontou que o perfil de expressão de snoRNA em casos de câncer de pulmão é diferente para tabagistas e não tabagistas. Dedicada à avaliação de células sanguíneas, a segunda parte do estudo apontou que a expressão de outra variedade de pequenos RNAs não codificadores, chamada de miRNA, contribui para a diferenciação e a ativação celular.

“É sabido que o fumo altera diversas vias metabólicas nas células, e o achado com relação aos snoRNAs e piRNAs vem se somar a esse conjunto de informações. A pesquisa aponta a necessidade de novas análises para identificar de que forma as alterações observadas podem contribuir para o desenvolvimento de neoplasias”, afirma Natasha. O orientador da tese destaca que algumas moléculas analisadas podem se tornar biomarcadores, apontando alterações iniciais no metabolismo celular provocadas pelo tabagismo. “A análise de dados públicos sob uma nova ótica é fundamental para que novas informações possam ser extraídas de dados que já foram produzidos”, complementa Fabio.

Reportagem: Maíra Menezes
Edição: Vinicius Ferreira
11/09/2018
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