Publicada em: 31/01/2019 às 08:30 |
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Azedou para o parasito Testes em laboratório apontam que substância de frutas cítricas é eficaz contra agente causador da leishmaniose cutânea, incluindo cepas resistentes ao tratamento de referência Um estudo liderado pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) aponta que um composto natural presente na casca de frutas cítricas é um potencial candidato para o desenvolvimento de um novo tratamento contra a leishmaniose cutânea. Em testes realizados em laboratório, a substância 2-hidroxiflavanona foi capaz de inibir a proliferação de parasitos Leishmania amazonensis, causadores da infecção, com eficácia semelhante sobre microrganismos sensíveis e resistentes ao principal medicamento usado atualmente no tratamento da doença. O composto também conseguiu controlar a infecção causada por cepas sensíveis e resistentes em camundongos, considerados modelos experimentais para estudo do agravo. Administrada por via oral, a substância se destacou ainda por não apresentar efeitos tóxicos nas análises realizadas. Os achados foram publicados na revista científica ‘Plos Neglected Tropical Diseases’.
De acordo com os pesquisadores, o desenvolvimento de novos tratamentos para a leishmaniose cutânea pode ter um alto impacto na qualidade de vida dos pacientes. Há mais 70 anos, os antimoniais pentavalentes constituem a primeira opção para terapia. Com alta toxicidade, esses medicamentos podem provocar reações adversas que vão de dores articulares, musculares e náusea até alterações cardíacas, pancreáticas e renais. Nos casos de resistência, as alternativas disponíveis são a anfotericina B e a pentadimina, que também apresentam efeitos colaterais importantes. “O tratamento da leishmaniose é longo, e todos esses fármacos precisam ser administrados por via intramuscular ou intravenosa, o que faz com que o paciente tenha que ser internado ou ir diariamente à unidade de saúde durante meses de terapia”, pontua Luiza. Identificada inicialmente na Índia e no continente africano, a resistência aos antimoniais vem sendo relatada também em outros países africanos e é apontada como uma das principais causas de falha terapêutica no tratamento da leishmaniose cutânea. “Até hoje, não houve casos de resistência reportados no Brasil, mas esse é um problema emergente no mundo. Demonstrar a capacidade de uma molécula natural, administrada por via oral, para tratar cepas sensíveis e resistentes é especialmente importante neste contexto”, avalia Elmo. Eficácia em testes Nos experimentos, a 2-hidroxiflavanona apresentou ação contra as duas formas do parasito Leishmania: a promastigota, encontrada nos insetos transmissores da doença, e a amastigota, identificada nos hospedeiros vertebrados, incluindo o homem. Nos dois casos, os pesquisadores verificaram efeitos similares sobre parasitos sensíveis e resistentes. Considerando a forma amastigota, que está presente nos pacientes e, portanto, no alvo dos tratamentos do agravo, a maior dose do composto aplicada conseguiu reduzir em mais de 99% o índice de infecção celular, sem apresentar sinais de toxicidade.
Produzida pelo metabolismo de plantas, a 2-hidroxiflavanona faz parte de um grupo de substâncias chamadas de flavonóides. Encontradas em frutas, vegetais, vinho e café, essas moléculas têm sido cada vez mais estudadas pelo potencial terapêutico, com trabalhos que apontam para ação antiviral, anti-inflamatória, anticancerígena e contra parasitos como Trypanosoma e Leishmania. “Nosso grupo vem investigando a ação antileishmania de moléculas flavonóides há alguns anos, analisando compostos de diferentes classes, com resultados animadores. O resultado do novo trabalho é importante porque demonstra, pela primeira vez, a ação de um composto desse grupo em parasitos resistentes”, afirma Elmo. Os pesquisadores destacam que, apesar da origem natural, a 2-hidroxiflavanona analisada no trabalho é um composto sintetizado industrialmente, o que garante a pureza da molécula e pode facilitar sua produção em grande quantidade para fabricação de medicamentos. “A natureza é uma fonte milenar de terapias, e o avanço da ciência tem permitido o isolamento de componentes ativos para o desenvolvimento de fármacos. Um grande exemplo do sucesso dessa combinação é a descoberta da artemisinina, substância isolada da planta Artemisia annua, que se tornou a base do tratamento da malária e foi reconhecida com o Prêmio Nobel em 2015 para a chinesa YouYou Tu”, cita Luiza. Já em andamento, a próxima etapa da pesquisa contempla estudos pré-clínicos sobre a faixa de segurança para uso da 2-hidroxiflavanona e a farmacocinética do composto, que avalia como ele é absorvido e metabolizado no organismo. As análises são realizadas como parte do projeto de doutorado de Luiza, desenvolvido no Programa de Pós-graduação em Biologia Parasitária do IOC, com orientação de Elmo. Sobre a leishmaniose Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a leishmaniose é endêmica em 98 países, atingindo aproximadamente 12 milhões de pessoas globalmente. No Brasil, país que está entre os sete mais afetados pela doença no mundo, foram registrados 19 mil novos casos de leishmaniose cutânea e três mil de leishmaniose visceral em 2015, de acordo com o Ministério da Saúde. A infecção é transmitida por insetos flebotomíneos, popularmente conhecidos como mosquitos-palha, que se infectam ao sugar o sangue de animais considerados reservatórios dos parasitos Leishmania. Ao todo, mais de 20 espécies do microrganismo podem causar a doença, sendo que algumas provocam a forma cutânea do agravo – com lesões na pele e, nos casos mais graves, nas mucosas da boca e do nariz – enquanto outras levam à infecção visceral – que atinge órgãos como fígado e baço. Classificadas pela OMS como doenças tropicais negligenciadas, as leishmanioses atingem principalmente populações pobres, que vivem em áreas rurais e em condições precárias de moradia. Reportagem: Maíra Menezes Edição: Vinicius Ferreira 31/01/2019 Permitida a reprodução sem fins lucrativos do texto desde que citada a fonte (Comunicação / Instituto Oswaldo Cruz) |
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