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Sofosbuvir inibe replicação do chikungunya e reduz inflamação articular em camundongos

Em testes, administração precoce do medicamento usado no tratamento da hepatite C diminuiu também mortalidade e sequelas neurológicas

Pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) deram mais um passo na compreensão dos efeitos do sofosbuvir – medicamento usado no tratamento da hepatite C – em infecções causadas pelo chikungunya. Dados obtidos em testes com camundongos mostram que o fármaco é capaz de inibir a replicação do vírus, além de reduzir a mortalidade, a inflamação articular e as sequelas neurológicas da infecção. A pesquisa foi publicada no dia 29 de janeiro na revista científica ‘Antimicrobial Agentes and Chemotehrapy’. “Com esses resultados, o sofosbuvir passa a integrar o pequeno grupo de fármacos que conseguem inibir a replicação do chikungunya in vivo”, comemorou Thiago Moreno Lopes e Souza, pesquisador do Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde (CDTS/Fiocruz) e coordenador do trabalho. “Os novos achados abrem portas para a avaliação do sofosbuvir em ensaios com pacientes uma vez que o medicamento já tem a segurança comprovada”, complementa o pesquisador Fernando Bozza, chefe do Laboratório de Pesquisa Clínica em Medicina Intensiva do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz), autor do artigo.

Considerando a relevância do trabalho, os dados foram divulgados de forma pioneira no site de pré-print Biorxiv – plataforma que divulga estudos antes do processo de submissão às revistas científicas – em julho do ano passado. “Essa pesquisa se beneficia de expertises complementares, que possibilitam maior eficiência e resultados mais completos nos experimentos, além de otimizar a utilização de recursos”, pontua Patrícia Bozza, chefe do Laboratório de Imunofarmacologia do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), autora do estudo.

A pesquisa foi realizada em colaboração por quatro unidades da Fiocruz: CDTS, INI, IOC e Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos/Fiocruz). Também participaram Instituto D’Or de Pesquisa (IDOR), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Consórcio BMK, formado pelas empresas Blanver Farmoquímica, Microbiológica Química e Farmacêutica e Karin Bruning. O trabalho foi financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) e Fiocruz.

Ação comprovada
Apesar de pertencerem a famílias diferentes de microrganismos, os vírus da chikungunya e da hepatite C possuem semelhanças em seu mecanismo de replicação. Essa característica foi a base para que pesquisadores decidissem testar o antiviral. Na primeira etapa da pesquisa, foram realizadas simulações computacionais que indicaram bom potencial de ação do fármaco sobre a enzima RNA polimerase do chikungunya, que atua na replicação do genoma do vírus.

Na sequência, experimentos demonstraram a capacidade do sofosbuvir para inibir a replicação viral tanto em células do fígado como em células do sistema nervoso. O efeito foi mais potente nas células hepáticas. Ainda assim, o medicamento foi três vezes mais eficaz para prevenir a morte das células do sistema nervoso do que a ribavirina, um antiviral de amplo espectro usado como controle em pesquisas. “As duas linhagens celulares contempladas na pesquisa são importantes porque tanto o fígado como o sistema nervoso são alvos da infecção pelo chikungunya”, destacou Thiago.

Janela de oportunidade
Considerando que a dor nas articulações é o sintoma mais frequente e debilitante da febre chikungunya, podendo evoluir para quadros crônicos com duração de mais de três meses, os cientistas avaliaram a ação do sofosbuvir sobre a inflamação causada pelo vírus na pata de camundongos. Os testes mostraram que o tratamento realizado com a primeira dose uma hora antes da infecção inibiu a replicação viral e preveniu a inflamação, minimizando o inchaço e os danos ao tecido. Em outro experimento foi demonstrado que, diante de uma infecção com alta carga viral, a maior dose de sofosbuvir testada triplicou a sobrevivência dos animais e preveniu as sequelas neurológicas. Os melhores resultados foram observados com o pré-tratamento, iniciado um dia antes da infecção, enquanto a terapia tardia, iniciada dois dias após a infecção, apresentou efeito reduzido.

O pesquisador acrescentou que os dados apontam para a necessidade de início precoce da terapia, mas não implicam necessariamente na administração preventiva do medicamento em pacientes. Segundo ele, a avaliação precisa do período recomendado para início do tratamento só poderá ser feita através de ensaios clínicos. “Podemos dizer que, nas análises pré-clínicas, foi observada uma janela curta para o tratamento da chikungunya, com potencial para uso profilático ou no começo da infecção. Esse resultado também foi verificado nos estudos sobre uso do sofosbuvir contra o Zika e é comum em infecções virais agudas. Na gripe, por exemplo, a mortalidade é drasticamente reduzida quando antivirais são administrados nos dois primeiros dias da doença”, esclareceu.

Potencial contra outros vírus
A atuação do sofosbuvir sobre o chikungunya abre portas para que o medicamento seja testado contra outros microrganismos. Isso ocorre porque, enquanto os vírus da febre amarela, Zika e dengue pertencem à mesma família do vírus da hepatite C, chamada de Flaviviridae, o chikungunya integra um grupo diferente de microrganismo, conhecido como Togaviridae. “Considerando a distância evolutiva entre os vírus dessas famílias, podemos sugerir que há potencial de ação do sofosbuvir contra diversos vírus de importância médica”, afirma Thiago, citando como exemplo os microrganismos da família Picornaviridae, que abarca os enterovírus, incluindo vírus da poliomielite, e os rinovírus, causadores do resfriado. O pesquisador ressalta que, em cada caso, serão necessários testes para confirmar a ação do medicamento. “Uma vez que cada vírus apresenta características únicas, essa hipótese terá que ser testada individualmente. No entanto, a atuação já confirmada do sofosbuvir contra doenças que afetam um grande número de pessoas, principalmente em países de menor renda, é um aspecto que deve ser levado em conta nos debates sobre o acesso ao medicamento, que permanece caro no Brasil”, pondera o pesquisador.

Em 2015, a Fiocruz, através de Farmanguinhos, e o Consórcio BMK firmaram uma parceria de desenvolvimento produtivo para fabricação do genérico do sofosbuvir, o que pode reduzir significativamente o custo do medicamento. No entanto, em setembro do ano passado, o Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI) concedeu a patente do fármaco à empresa Gilead, garantindo à farmacêutica norte-americana exclusividade na produção e comercialização no Brasil. Em nota divulgada após a decisão, o Conselho Deliberativo da Fiocruz lembrou que 50 mil pacientes com hepatite C já dependem do acesso ao sofosbuvir para ter direito à vida. O texto afirmou ainda que “cabe ao Ministério da Saúde e ao Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, em articulação com o INPI e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), fornecerem as condições para o acesso da população brasileira ao sofosbuvir, desenvolvido pela Fiocruz e aprovado pela Anvisa com custos muito inferiores ao disponível no mercado e com tecnologia desenvolvida no país”.

Foto de capa: Imagem de microscopia mostra que o tratamento preventivo com sofosbuvir reduziu a inflamação provocada pelo chikungunya na pata de camundongo. Copyright © American Society for Microbiology, Antimicrob. Agents Chemother. 63:e01389-18 doi: 10.1128/AAC.01389-18, 2019

Reportagem: Maíra Menezes
Edição: Vinicius Ferreira e Raquel Aguiar
19/02/2019
Permitida a reprodução sem fins lucrativos do texto desde que citada a fonte (Comunicação / Instituto Oswaldo Cruz)

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