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No caminho para o desenvolvimento de novos larvicidas

Pesquisa mostra que inibição de enzima digestiva das larvas do Aedes bloqueia o desenvolvimento do mosquito. Molécula pode ser a peça-chave para novas estratégias de controle

Uma pesquisa realizada pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) desvenda detalhes de um aspecto pouco conhecido da biologia do Aedes, que pode contribuir para novas estratégias de controle do vetor da dengue, Zika e chikungunya. Publicado na revista científica ‘Frontiers in Physiology’, o estudo aponta que a inibição de uma enzima que atua no processo digestivo das larvas do mosquito pode bloquear o desenvolvimento do inseto, impedindo que o Aedes chegue à fase de mosquito adulto, momento em que é capaz de transmitir os vírus.

Foto: Gutemberg Brito

Segundo Raquel Souza, o método de silenciamento genético padronizado na pesquisa pode contribuir para desenvolver um biolarvicida

Segundo Fernando Genta, pesquisador do Laboratório de Bioquímica e Fisiologia de Insetos do IOC e coordenador do trabalho, os achados abrem portas para a produção de novos larvicidas. “Os dados indicam que a ação da enzima β-1,3-glucanase no intestino das larvas é crítica para a aquisição de nutrientes. Nossos testes mostraram que a inibição dessa molécula foi capaz tanto de reduzir o avanço do ciclo para o estágio de pupa, no qual ocorre a transformação em mosquito adulto, quanto de provocar a morte das larvas. Considerando que essa enzima não está presente em mamíferos, pode ser um bom alvo para o desenvolvimento de novos larvicidas, com baixo risco para a saúde humana”, afirma o pesquisador.

Além do Laboratório de Bioquímica e Fisiologia de Insetos, a pesquisa contou com a participação dos Laboratórios de Biologia Computacional e Sistemas e de Fisiologia e Controle de Artrópodes Vetores do IOC. O estudo foi financiado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj).

Das baratas aos Aedes
À frente de pesquisas que identificaram enzimas β-1,3-glucanases em baratas, gafanhotos e besouros, além de larvas de flebotomíneos (vetores das leishmanioses) e Aedes, o coordenador do estudo explica que essas moléculas podem atuar no aparelho digestivo e no sistema imune dos insetos. Na digestão, as enzimas agem para quebrar um tipo de açúcar – chamado de β-1,3-glucana – que compõe a parede celular dos fungos e das plantas, liberando os nutrientes mais ricos, que se encontram no interior das células. Já na resposta imune, participam do reconhecimento e degradação de microrganismos invasores.

Foto: Gutemberg Brito

"Quando inibimos a enzima digestiva, as larvas se desenvolvem menos, podendo chegar ao colapso metabólico", explica Fernando Genta

Nos Aedes, cinco variedades da enzima β-1,3-glucanase foram encontradas, sendo três delas com atividade significativa nas larvas. Entre estas, o estudo conseguiu identificar a principal β-1,3-glucanase digestiva e apontou que as outras moléculas devem participar do sistema de defesa dos insetos. Para chegar aos resultados, os pesquisadores examinaram o DNA do Aedes, identificando os genes que orientam a produção de β-1,3-glucanases. Em seguida, mediram a ativação desses genes no intestino e em outras partes do organismo das larvas. Além disso, foram realizados testes de silenciamento, no qual a ativação dos genes é inibida através de uma metodologia chamada de RNA de interferência (RNAi). “Quando inibimos a enzima digestiva, as larvas se desenvolvem menos, podendo chegar ao colapso metabólico. Já a inibição de enzimas relacionadas ao sistema imune, torna as larvas mais frágeis em situações de estresse, como a restrição de alimento”, pontua Genta.

Alternativas inovadoras
O conhecimento aprofundado sobre a digestão das larvas pode ser o primeiro passo na busca de estratégias de controle do Aedes mais eficazes e seletivas, com menor risco para as pessoas e o meio ambiente. Doutora pelo Programa de Pós-graduação em Biologia Celular e Molecular do IOC e pós-doutoranda do Laboratório de Bioquímica e Fisiologia de Insetos, Raquel Souza aponta que a metodologia de silenciamento genético padronizada na pesquisa pode contribuir para o desenvolvimento de um biolarvicida. “No estudo, as moléculas para o RNAi foram sintetizadas em laboratório. Porém, utilizando técnicas de engenharia genética, é possível programar leveduras [um tipo de fungo que não causa doença] para produzir esses compostos. Ao serem ingeridas pelas larvas, elas liberariam o RNAi, interrompendo a produção da β-1,3-glucanase”, explica a primeira autora do artigo. A especificidade seria a principal vantagem do método, que já é testado em pesquisas para controle do mosquito Anopheles gambiae, vetor da malária, e de pragas agrícolas. “Se a molécula de RNAi tiver como alvo o gene da enzima digestiva do Aedes, não haverá impacto sobre outros insetos, reduzindo o dano ambiental”, completa Raquel.

Foto: Gutemberg Brito

Os fungos são um alimento de alto valor nutricional para as larvas do Aedes, como apontou uma pesquisa anterior dos mesmos cientistas

A produção de inibidores de β-1,3-glucanase a partir de compostos naturais é outra alternativa. Em parceria com a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), pesquisadores do Laboratório de Bioquímica e Fisiologia de Insetos do IOC já isolaram três compostos de algas marinhas capazes de inibir enzimas desse grupo. Considerando os dados da pesquisa recém-publicada, os cientistas avaliam que será possível encontrar inibidores mais potentes ou aprimorar as moléculas já identificadas.

Considerando o papel do Aedes na transmissão de doenças com alto impacto sobre a população, os autores do estudo ressaltam que a possibilidade de desenvolvimento de novos larvicidas pode contribuir para as ações de controle, mas não reduz a necessidade de combater os criadouros do vetor. “É importante lembrar que, assim como a aplicação de inseticidas, o uso de larvicidas deve ser uma medida complementar. O uso excessivo desses produtos leva ao desenvolvimento da resistência pelos mosquitos, reduzindo sua eficácia. Eliminar os criadouros, impedindo o acúmulo de água parada, é fundamental para evitar a reprodução do Aedes e a transmissão de doenças como dengue, Zika e chikungunya”, enfatiza Genta.

Artigo: Souza RS, Gama MdVF, Schama R, Lima JBP, Diaz-Albiter HM and Genta FA (2019) Biochemical and Functional Characterization of Glycoside Hydrolase Family 16 Genes in Aedes aegypti Larvae: Identification of the Major Digestive β-1,3-Glucanase. Front. Physiol. 10:122. doi: 10.3389/fphys.2019.00122

Reportagem: Maíra Menezes
Edição: Vinicius Ferreira
11/06/2019
Permitida a reprodução sem fins lucrativos do texto desde que citada a fonte (Comunicação / Instituto Oswaldo Cruz)

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