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Um lugar seguro e justo para a humanidade

No Núcleo de Estudos Avançados, Paulo Artaxo, professor da USP e pesquisador do IPCC, afirmou que a academia precisa liderar o debate sobre as mudanças climáticas com foco na sustentabilidade e na equidade

Enquanto a temperatura aumenta, o nível do mar se eleva e as evidências científicas sobre as mudanças climáticas se acumulam, o mundo parece caminhar na contramão das medidas necessárias para enfrentar o problema. No ano passado, o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) apontou a necessidade de reduzir as emissões de gases do efeito estufa em 5% ao ano, por 30 anos, a partir de 2020, para conter o aquecimento global em 1,5ºC até o final do século. No entanto, o volume de gás carbônico liberado na atmosfera segue crescendo, com previsão de 2,4% de alta em 2019.

Os dados foram destacados pelo físico Paulo Eduardo Artaxo Netto, no Núcleo de Estudos Avançados do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), no dia 06 de novembro. Professor da Universidade de São Paulo (USP) e integrante do IPCC, ele afirmou que a academia precisa assumir a liderança no tema. “Para construir um lugar justo e seguro para a humanidade, o papel de liderança é da academia. Não podemos esperar que a iniciativa seja de quem está ganhando dinheiro [com o atual modelo econômico] ou de quem não tem acesso a esse tipo de conhecimento. Somos nós que temos de trabalhar por isso”, declarou o cientista.

Foto: Gutemberg Brito

Paulo Artaxo, os cientistas precisam buscar soluções para as demandas sociais que respeitem os limites do planeta: "Se não fizermos isso, vai ser um fracasso monumental da nossa atividade científica"

A palestra ‘Meio ambiente no Brasil: os difíceis compromissos entre as mudanças climáticas e o uso do solo’ integrou o Ciclo Fraturas Ambientais do Núcleo de Estudos. Na abertura da sessão, o pesquisador Renato Cordeiro, coordenador da atividade, ressaltou a relevância do debate sobre o meio ambiente na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). “Continuamos a vivenciar uma crise ambiental, com queimadas e atuação de mineradores ilegais. Dados do Deter [Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real] apontaram 11% de aumento nas áreas degradas por mineração em 2019. A degradação do planeta incrementa doenças e mortalidade dos seres humanos e de outros animais”, afirmou Renato.

Produção de alimentos em risco
Um dos autores do Relatório Especial sobre Mudanças Climáticas e Solo, publicado em agosto pelo IPCC, Artaxo afirmou que a segurança alimentar é um aspecto crítico para a sobrevivência da humanidade. “As próximas gerações podem ter sérias dificuldades de manter a produtividade agrícola atual devido à mudança na composição do solo. Em áreas da Europa, Índia e China, ou mesmo no Sudeste do Brasil, a perda do carbono orgânico do solo chega a 80%. É fundamental recompor esse carbono, que está sendo perdido pelo manejo inadequado e superexploração do solo na agricultura”, disse.

O pesquisador notou que o manejo do solo pode contribuir tanto para agravar como para mitigar o aquecimento global. Sozinho, o desmatamento responde por 13% das emissões de gás carbônico no planeta, enquanto os 87% restantes derivam da queima de combustíveis fósseis. Brasil, República Democrática do Congo e Indonésia são responsáveis por 80% do desmatamento global. “Estamos no sexto lugar entre os maiores emissores de gás carbônico. Nosso papel é importante e estratégico para o planeta”, salientou Artaxo.

Interromper o desmatamento, promover o reflorestamento e criar novas florestas – medida chamada de aflorestamento – são consideradas estratégias-chaves para conter o aquecimento global. Segundo o pesquisador, o Brasil teve a maior história de sucesso do planeta em preservação, reduzindo o desmatamento da Amazônia em cerca de 80% entre 2004 e 2011. Porém, desde 2012, o índice vem aumentando. “Em 2019, o crescimento foi brutal: a área desmatada entre janeiro e setembro foi 93% maior do que no mesmo período do ano passado. Nossa experiência mostra que é possível e barato preservar”, apontou.

Previsão crítica para o Nordeste
Segundo a Organização Meteorológica Mundial (OMM), o mundo já está 1,1ºC mais quente do que no período pré-industrial, de 1850 a 1900. No entanto, a elevação da temperatura não é homogênea. Na bacia do Rio São Francisco, no Nordeste, a média registrada subiu 2,5ºC. Artaxo ressaltou que as variações da temperatura impactam nos regimes de chuva, modificando significativamente as condições climáticas. “A bacia do São Francisco teve queda na taxa de precipitação de 30% a 40%. Um estudo recente mostrou expansão da área semiárida e surgimento de áreas áridas”, disse o cientista, considerando que a região deve se tornar inabitável no futuro. “Não consigo ver outra solução: teremos que deslocar a população”, opinou.

Foto: Gutemberg Brito

Segundo o pesquisador, nas áreas terrestres, que aquecem mais do que os oceanos, a temperatura já está 1,5ºC mais quente, em média

As previsões apontam ainda redução do volume de chuvas no Centro-Oeste do Brasil, com impactos para a saúde da população e a produção agrícola. “As simulações do Inpe [Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais] indicam aumento de temperatura de 4ºC, 5ºC e 6ºC, em média. Em Brasília, onde o clima já é seco, vai haver redução da umidade do ar. Na principal área do agronegócio do país, vai ocorrer também diminuição da umidade do solo. Como a agricultura do Centro-Oeste vai sobreviver?”, questionou o pesquisador.

Responsabilidade frente às desigualdades
As mudanças climáticas vão acentuar as desigualdades e reduzir o abismo entre ricos e pobres é uma estratégia importante para enfrentar o problema. Segundo Artaxo, os maiores emissores per capita de gases do efeito estufa são países de alta renda, enquanto as populações de baixa renda são as mais vulneráveis em um cenário de eventos climáticos extremos e escassez de alimentos. “É justo Gana, Nigéria ou Paraguai pagarem por um dano que não foi causado por eles? Isso sequer está na mesa das negociações”, pontuou.

O pesquisador ressaltou que questões éticas precisam ser consideradas nas estratégias de enfrentamento do aquecimento global. “Não podemos dizer para as pessoas pobres da África, que hoje têm uma dieta com falta de proteína, para não comerem carne quando tiverem renda. Nos países desenvolvidos, precisa haver uma mudança de comportamento, porque o estilo de vida que é completamente insustentável”, opinou, acrescentando que os 10% mais ricos do Brasil têm padrões de consumo semelhantes aos dos países desenvolvidos.

Para o físico, caberá aos cientistas buscar soluções para dois problemas urgentes: o respeito aos limites naturais do sistema terrestre e o atendimento das necessidades básicas sociais. “Se não fizermos isso, vai ser um fracasso monumental da nossa atividade científica, que não é apenas publicar artigos, mas também ajudar a construir um lugar seguro e justo para a humanidade”, enfatizou.

Debate: desafio ambiental, social, econômico e político
Com a presença de pesquisadores e estudantes do IOC, da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (Ensp/Fiocruz), da Universidade Federal da Rio de Janeiro (UFRJ) e de outras instituições, o debate realizado após a palestra abordou os desafios para o enfrentamento das mudanças climáticas no atual contexto global, marcado pelos ataques à ciência e pelo avanço do modelo da sociedade de consumo capitalista.

Foto: Gutemberg Brito

Considerando o impacto para a saúde da populaçao, Renato Cordeiro enfatizou o potencial de contribuição nos debates sobre mudanças climáticas

O coordenador do Núcleo de Estudos, Renato Cordeiro, lembrou que autoridades no Brasil e no exterior têm colocado em dúvida os dados divulgados por instituições científicas, especialmente em relação ao meio ambiente e ao clima. Já pesquisadora Ana Gisele da Costa Neves Ferreira, chefe do Laboratório de Toxinologia do IOC, citou a decisão do presidente americano, Donald Trump, que retirou os Estados Unidos do Acordo de Paris, no qual os países se comprometem com metas voluntárias para redução das emissões de gás carbônico. O impacto das decisões governamentais para pesquisa científica foi questionado ainda pela vice-diretora de Laboratórios de Referência e Coleções Biológicas do IOC, Elisabeth Rangel. “Se o governo não reconhecer o que a ciência faz em prol da população, será difícil avançar”, pontuou ela.

Artaxo avaliou que o negacionismo de governantes não é motivado pelo desconhecimento ou por descrédito das informações científicas, mas sim pela defesa de interesses do seu eleitorado. “Eles conhecem os dados, mas defendem interesses econômicos, sociais, políticos e religiosos de uma parcela de votantes”, declarou, acrescentando que um novo modelo econômico e de governança será necessário para enfrentar o aquecimento global. “Precisamos não depender de crescimento econômico infinito num planeta com recursos naturais finitos. Também precisamos de um sistema governança global, no qual os países terão de abrir mão de políticas internas. A crise das mudanças climáticas assusta a extrema direita porque é incompatível com as políticas nacionais estabilizadas”, analisou.

Citando o potencial de prejuízo econômico devido às mudanças climáticas, a pesquisadora Sandra Hacon, da Ensp, questionou o papel do Fórum Econômico Mundial no debate sobre o tema. A professora Mariana Vale, da UFRJ, ponderou ainda sobre as estratégias para adaptação, considerando que mesmo um aquecimento global de 1,5ºC trará impactos significativos, com maior ocorrência de inundações, secas e elevação do nível do mar.

Artaxo comentou que no relatório do Fórum Econômico Mundial em 2019, entre os cinco maiores riscos globais, três foram associados às mudanças do clima. No entanto, a visão de curto prazo de governantes e empresários dificulta ações concretas. O pesquisador considerou ainda que as medidas de adaptação são urgentes. Segundo ele, populações de países insulares no Pacífico já estão se mudando para a Austrália, e a previsão é de que bilhões se tornem refugiados climáticos no futuro. “O Comissariado para Refugiados da ONU [Organização das Nações Unidas] tem relatórios sobre isso, mas todos se fazem de surdos. No Brasil, temos o Plano Nacional sobre Mudança do Clima, mas apenas com ideias gerais. Ainda não temos soluções para a adaptação, e esse papel é da academia”, apontou.

Próxima edição
No dia 21 de novembro, a próxima edição do Núcleo de Estudos Avançados do IOC terá como tema ‘Ciência, tecnologia, inovação e educação: desmonte ou equívocos’. Os convidados serão Ildeu de Castro Moreira, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC); Soraya Smaili, reitora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), e Ronald Shellard, diretor do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF). A atividade será realizada às 14h, no Auditório Emmanuel Dias, no Pavilhão Arthur Neiva, no campus da Fiocruz em Manguinhos, Rio de Janeiro (Av. Brasil, 4.365).

Reportagem: Maíra Menezes
Edição: Vinicius Ferreira
12/11/2019
Permitida a reprodução sem fins lucrativos do texto desde que citada a fonte (Comunicação / Instituto Oswaldo Cruz)

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