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Perspectivas para o meio ambiente

No Núcleo de Estudos Avançados, especialistas discutiram ameaças e estratégias para proteção das florestas e dos povos indígenas no Brasil em meio à pandemia de Covid-19

Historicamente, os meses de julho a outubro são os mais perigosos para a Amazônia brasileira. Com o clima seco, intensificam-se as queimadas e o desmatamento do bioma. Este ano, em meio à pandemia de Covid-19, dados do Instituo Nacional de Estudos Espaciais (Inpe) reforçaram o alerta: em junho, foram registrados 2.248 focos de incêndio, pior número para o mês desde 2007, e sinais de devastação em 1.034 km2, maior área desmatada no mês desde o início da série histórica, em 2015. O cenário de ameaças e as estratégias para proteção do meio ambiente e dos povos indígenas no Brasil foram discutidos no Núcleo de Estudos Avançados do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz).

Com o tema ‘Fraturas ambientais: consequências para o futuro pós Covid-19’, o debate reuniu o diplomata Rubens Ricupero, ex-ministro do Meio Ambiente e da Amazônia Legal, ex-ministro da Fazenda e presidente do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial; o pesquisador do Inpe Luiz Eduardo Aragão, chefe da Divisão de Sensoreamento Remoto e coordenador do Grupo de Pesquisa de Ecossistemas e Ciências Ambientais nos Trópicos (TREES, na sigla em inglês); e a antropóloga Manuela Carneiro da Cunha, membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e professora titular aposentada das Universidades de Chicago e de São Paulo (USP). Respeitando as medidas de distanciamento social para conter a disseminação do novo coronavírus, a atividade foi realizada através do canal do IOC no Youtube. O evento ocorreu no dia 30 de julho.

Na abertura da sessão, o coordenador do Núcleo de Estudos Avançados e pesquisador emérito da Fiocruz, Renato Cordeiro, lembrou que os recordes de queimadas e desmatamento podem levar investidores estrangeiros a suspender aplicações e importações. Além disso, trazem prejuízos para a saúde da população. “Acabando com biodiversidade, as queimadas exterminam moléculas que ainda não foram estudadas por químicos e farmacólogos. O meio ambiente é importante para o futuro da humanidade. Desmatar é acabar com o futuro, dá lucro para poucos e por pouco tempo”, pontuou o farmacologista.

Repercussão internacional
Diplomata de carreira desde 1961, assessor do presidente eleito Tancredo Neves e ministro no governo Itamar Franco, Rubens Ricupero recordou a longa experiência na vida pública para afirmar que o momento atual representa uma ruptura de políticas construídas ao longo de décadas. “Assisti, nos anos 1970, ao início da construção do arcabouço de instituições e políticas ambientais brasileiras. As primeiras leis de proteção e criação de conselhos datam daquela época”, afirmou.

Foto: Josué Damacena

Ricupero destacou que a degradação ambiental pode levar à perda de investimentos no país

Para divulgar a gravidade dos problemas e sensibilizar o Congresso Nacional, o fórum de ex-ministros do meio ambiente, que reúne todos os ocupantes vivos da pasta desde que esta foi criada, em 1992, publicou uma carta aberta ‘em defesa da democracia e da sustentabilidade’. “Temos mantido constantemente o esforço em Brasília. Mas a frente parlamentar ambiental reúne menos de 10% dos deputados. Se não formos capazes de fazer alianças, nossas reivindicações acabarão afogadas por grupos muito mais numerosos e influentes, como o setor ruralista”, ponderou Ricupero.

O diplomata considerou que, embora a maioria dos brasileiros declare-se favorável à preservação ambiental em pesquisas de opinião, a sociedade não se mobiliza por questões ambientais no país. Nesse contexto, Ricupero destacou a relevância das ações de agentes econômicos estrangeiros. “Infelizmente, nas condições atuais, o que nós podemos esperar para reduzir o prejuízo é o efeito da pressão externa. É uma tristeza e uma vergonha que nós, como brasileiros, tenhamos de admitir isso”, disse.

Potencial para o desenvolvimento
O pesquisador do Inpe Luiz Aragão defendeu que a sustentabilidade é uma oportunidade para o Brasil, já que o país conta com a maior floresta tropical e a maior reserva de água doce do mundo, entre outros ativos. Citando o período de 2005 a 2012, ele apontou que o país já mostrou que é capaz de reduzir o desmatamento. Porém, atualmente, o padrão é o oposto do esperado. “Temos a meta de atingir 3.900 km2 desmatados em 2020, mas estamos atualmente em 10 mil km2. Essa meta é uma lei federal como parte da Política Nacional do Clima. O Brasil precisa seguir o caminho do desenvolvimento sustentável se quiser atingir objetivos como integrar a OCDE [Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico]”, apontou o cientista.

Foto: Josué Damacena

Estudo liderado por Aragão alertou para risco de doenças respiratórias associadas às queimadas em meio à pandemia

Além da emissão de carbono, que contribui para o feito estufa, e da perda da biodiversidade, Aragão enfatizou que o desmatamento altera o regime de chuvas no país e pode causar prejuízo econômico. “A chuva vem da Amazônia e abastece o Centro-Oeste do Brasil, onde se produz grande quantidade de grãos. Em 2050, a redução de chuvas pode chegar a 20% na estação chuvosa e 40% na época seca”, alertou, acrescentando que é possível aumentar a produção agropecuária com tecnologia, sem desmatamento. “Temos 180 milhões de hectares de pastagens com menos de uma cabeça de gado por hectar. Também temos 40% de áreas em estado de degradação avançada, que não produzem nada. Só utilizando essas áreas já abertas, podemos aumentar a produção”, declarou.

O especialista fez ainda um alerta para os riscos trazidos pela época de maior intensidade de queimadas no país. “A fumaça aumenta a incidência de problemas respiratórios, o que pode sobrecarregar os hospitais que já estão com alta demanda pela Covid-19”, disse Aragão, apontando que o Mato Grosso é o estado da Amazônia Legal com maior número de queimadas e apresenta uma curva crescente de casos da doença.

Papel do Judiciário
De acordo com Manuela Carneiro, assim como os recursos ambientais, os povos tradicionais da floresta representam um trunfo para o Brasil. Pesquisas internacionais indicam que 25% das áreas conservadas no mundo se beneficiam de povos indígenas, quilombolas e outras populações tradicionais. No Brasil, um estudo coordenado pela antropóloga mostra que as unidades de conservação em terras indígenas homologadas sofrem menos desmatamento. “Na Amazônia, o desmatamento é seis vezes maior nas áreas não homologadas. Os povos tradicionais têm agido não só no Brasil, mas no planeta todo. Eles estão conservando de graça, sendo uma barreira para o desmatamento”, destacou a pesquisadora.

Foto: Josué Damacena

Manuela ressaltou a necessidade de medidas para o enfrentamento da Covid-19 nos territórios indígenas

Citando dois processos que chegaram ao Supremo Tribunal Federal (STF), Manuela avaliou que o Judiciário tem desempenhado um papel importante para proteger direitos indígenas. Uma ação proposta pela Articulação dos Povos Indígenas (Apib) visa o estabelecimento de um plano emergencial para enfrentamento da Covid-19 nos territórios indígenas. Em liminar, o ministro Luís Roberto Barroso determinou a implantação de barreiras sanitárias. A decisão foi ratificada pelo plenário da corte no dia 05 de agosto. Outra ação movida por povos indígenas questiona o parecer da Advocacia Geral da União (AGU), emitido em 2017, que estabeleceu o chamado ‘marco temporal’, segundo o qual, os povos indígenas só teriam direito à demarcação das terras que estivessem comprovadamente sob sua posse em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. Neste caso, o ministro Edson Fachim concedeu liminar suspendendo a validade da medida e o julgamento ainda será realizado pelo plenário do STF.

“O STF está tendo um papel relevante de defesa da Constituição Federal. O artigo 231 afirma que o direito dos indígenas às suas terras é originário. É algo que precede e existe independentemente da Constituição. O Estado tem o dever apenas de reconhecer e não de outorgar esse direito”, ressaltou Manuela.

Debate
No debate realizado após as palestras, Renato Cordeiro ponderou sobre o papel de bancos e empresas brasileiros, que recentemente se posicionaram contra a devastação ambiental. O coordenado do Núcleo de Estudos lembrou ainda que a floresta amazônica pode não ser capaz de se manter caso o desmatamento ultrapasse 40% da área. O diretor do IOC, José Paulo Gagliardi Leite, destacou que a derrubada de florestas pode contribuir para a emergência de agentes infecciosos. “Entender essa simbiose não é ser contra o agronegócio. Precisa haver respeito ao meio ambiente e à saúde”, afirmou José Paulo. Já a coordenadora do Núcleo Estudos e pesquisadora do IOC, Maria de Lourdes Aguiar de Oliveira, trouxe as perguntas enviadas pelo público através do chat. As questões abordaram a possibilidade de o Brasil receber recursos por conter emissões de CO2, como aumentar a conscientização da sociedade e as razões para a baixa mobilização em torno das questões ambientais no país.

Rubens Ricupero considerou positiva a ação recente dos empresários brasileiros. “São mais de vinte conglomerados importantes, de setores que dispõem de poder de pressão e podem levar questionamento ao Congresso e ao Executivo”, avaliou o diplomata. Luiz Aragão afirmou que o limite para o desmatamento na Amazônia pode ser ainda menor do que os 40% apontados em algumas modelagens. “Atualmente, temos quase 20% desmatados. Mas eu seria ainda mais cauteloso ao apontar esse limite, porque existem áreas degradadas, que perdem a capacidade de armazenar carbono. Essa degradação é pouco quantificada”, disse o pesquisador do Inpe.

Sobre a possibilidade de remuneração por redução das emissões de carbono, os debatedores afirmaram que esse pode se rum mecanismo importante, mas que ainda depende de regulamentações. “As pessoas que poluem usam a água e o ar puro e não pagam pelo dano que criam. Para que possa haver responsabilização, é preciso fixar um preço por tonelada de CO2, mas ainda não conseguimos um acordo internacional”, disse Ricupero. “O pagamento por serviços ambientais pode incentivar as pessoas a adotarem medidas como reflorestamento. Mas é importante entender que isso é para quem quer melhorar, não para quem está ilegal deixar de cometer um crime. Nesses casos, deve haver punição”, afirmou Aragão.

Os três especialistas consideraram que o acesso à educação e à informação é fundamental para a conscientização e a mobilização da população. “Na Europa, quem enche as praças pelo meio ambiente são jovens de 13 ou 14 anos, que já aprendem isso na escola. Estamos muito atrasados nesse aspecto educacional”, avaliou Ricupero. “O problema educacional leva à desinformação em massa, que não permite que as pessoas tenham a ideia ou vontade de participar. Como legado da pandemia, vejo que os debates em plataformas virtuais vai ser uma maneira de chegar as pessoas”, ponderou Aragão. “A água dos rios amazônicos está extremamente poluída pelo garimpo. Isso acaba também com a alimentação dos povos tradicionais, que comem essencialmente peixes. É algo que deveria suscitar uma mobilização muito maior e espero que ela cresça no futuro”, declarou Manuela.

Reportagem: Maíra Menezes
Edição: Raquel Aguiar e Vinicius Ferreira
25/08/2020
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