Publicada em: 04/08/2021 às 17:47
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Durante pandemia da Covid-19, diagnóstico da hanseníase diminui
Jornalismo

Em alusão ao Dia Estadual de Conscientização, Mobilização e Combate à Hanseníase especialistas chamam atenção para o agravo e reforçam eficácia do tratamento

No Dia Estadual de Conscientização, Mobilização e Combate à Hanseníase, celebrado em 5 de agosto, pesquisadoras da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) destacam que a doença tem cura, e um novo estudo confirma a eficácia do tratamento. Baseada no acompanhamento de 713 pacientes atendidos ao longo de 20 anos, a pesquisa mostra que o retorno da infecção após a conclusão da terapia em 12 meses é extremamente raro, atingindo apenas uma a cada mil pessoas tratadas por ano. Maior e mais longo levantamento sobre o tema, o estudo foi realizado no Ambulatório Souza Araújo, mantido pelo Laboratório de Hanseníase do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), que atua como serviço de referência nacional para a doença junto ao Ministério da Saúde.

“Esse resultado ressalta que a poliquimioterapia [tratamento baseado na combinação de antibióticos] por 12 meses é suficiente para curar a hanseníase multibacilar”, afirma a pesquisadora do Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde (CDTS/Fiocruz) e colaboradora do Ambulatório Souza Araújo, Ximena Illarramendi, autora da pesquisa.

“A volta da doença após o tratamento enfraquece todos os esforços para o controle da hanseníase, por isso a análise das recidivas é a forma mais importante de avaliação da eficácia da terapia”, completa a pesquisadora do Ambulatório Souza Araújo, Anna Maria Sales, também autora do estudo.

O artigo foi publicado na revista científica internacional de acesso aberto ‘Plos Neglected Tropical Diseases’. Os dados do estudo estão disponíveis no repositório Arca, da Fiocruz.

Gutemberg Brito

O Ambulatório Souza Araújo atua no diagnóstico, tratamento e prevenção da hanseníase, com atendimento mediante encaminhamento médico. Na foto, atendimento realizado antes da pandemia. Atualmente, são seguidos protocolos para a Covid-19, incluindo uso de máscaras.


Apesar da boa notícia, as especialistas fazem um alerta: em meio à pandemia de Covid-19, os diagnósticos da hanseníase caíram cerca de 40% no Rio de Janeiro. Em 2020, apenas 637 casos do agravo foram registrados no estado, contra 1.133 de 2019, segundo dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação do Ministério da Saúde (Sinan/MS). A queda é atribuída ao medo da população de procurar as unidades de saúde e à sobrecarga dos serviços de atendimento e vigilância. Por isso, mais que nunca, a conscientização e a mobilização para o combate à doença são fundamentais.

Entre os sintomas que alertam para a possibilidade da hanseníase, estão manchas na pele, com perda de sensibilidade ao frio, calor ou dor, caroços no corpo, dormência e formigamento. “Toda pessoa que apresentar esses sintomas deve procurar o posto de saúde mais próximo da sua residência. Se souber de um familiar ou amigo com algum desses problemas, deve orientar, dizer que a hanseníase tem cura e é importante se tratar”, enfatiza Ximena.

“O diagnóstico precoce da hanseníase traz muitos benefícios. Impede o desenvolvimento de lesões cutâneas disseminadas e mais graves e o aparecimento ou a piora de incapacidades físicas. Também quebra da cadeia de transmissão da doença”, destaca Anna.

Assim como a população, os profissionais de saúde precisam estar atentos para o diagnóstico precoce da hanseníase, que, muitas vezes, é confundida com outras doenças da pele. Foi o que aconteceu com um jovem de 24 anos, morador de Itaguaí. Com manchas avermelhadas e caroços na pele, o assistente administrativo passou por um posto de saúde, um hospital público e uma clínica particular antes de obter o diagnóstico de hanseníase no Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz), em novembro de 2020.

Assista ao vídeo "Ambulatório de hanseníase: compromisso permanente com a qualidade"

“Os primeiros médicos me disseram que era alergia. Fui para a consulta achando que poderia ter um câncer de pele. O infectologista e o dermatologista do INI me disseram que era hanseníase. Eu já tinha ouvido falar da doença, mas nunca tinha me passado pela cabeça essa possibilidade”, conta o jovem.

Encaminhado para o Ambulatório Souza Araújo, ele iniciou a poliquimioterapia. Com inflamação em um nervo do braço, causando dormência na lateral da mão e perda de força, foi direcionado ainda para o Hospital Pedro Ernesto, onde realizou o tratamento da neurite.

“Está correndo tudo bem no tratamento e minha mão está melhorando. Acho que é muito importante se informar. Às vezes, a gente pensa que um problema de pele não é nada demais e pode ser uma coisa séria. Com a tecnologia que temos hoje em dia, é possível tratar as doenças”, ressalta.

Causada pelo Mycobacterium leprae, a hanseníase pode atingir a pele, as mucosas e os nervos. Se não for tratada a tempo, a doença pode deixar sequelas, como deformidades, perda de movimentos das mãos e dificuldade de caminhar. A terapia também é importante para interromper a transmissão do agravo, porque, logo após o começo do tratamento, os pacientes param de eliminar as bactérias em secreções nasais, gotículas da fala, tosse, espirro (Clique aqui para saber mais sobre a doença).

Risco de reinfecção
As chamadas recidivas ocorrem quando pacientes que concluíram o tratamento da hanseníase apresentam novas lesões ou agravamento de lesões antigas, com aumento da quantidade de bactérias no organismo. “A volta das lesões pode ocorrer por bactérias latentes, que ficaram no organismo. Porém, o mais provável é por reinfecção, já que os pacientes são pessoas suscetíveis, que vivem em áreas com transmissão da doença, uma vez que o controle da hanseníase ainda não foi atingido”, esclarece Ximena.

Nos últimos anos, a Organização Mundial da Saúde (OMS) tem relatado aumento nas recidivas, que passaram de 2,8 mil em 2016 para 3,8 mil em 2019. Os dados incluem casos registrados após diferentes regimes de tratamento, contemplando tanto pacientes tratados com esquema multibacilar (indicado para pessoas que apresentam muitas lesões e grande número de bactérias no organismo) como com esquema paucibacilar (recomendado para pessoas que apresentam poucas lesões e baixo número de bactérias no organismo).

Para os pesquisadores, o aumento dos registros pode ser resultado de falhas em esquemas terapêuticos mais antigos, como a monoterapia, que aplicava apenas um antibiótico. Também pode ser atribuído a erros no diagnóstico, com pacientes com muitas lesões e alta carga bacilar recebendo esquema paucibacilar. Por fim, considerando o risco de reinfecção, é natural que o número de recidivas aumente com o passar do tempo, já que o número de pacientes acompanhados cresce.

A poliquimioterapia multibacilar de dose fixa em 12 meses é indicada desde 1998. O esquema terapêutico é baseado na administração mensal supervisionada de três antibióticos mais doses diárias autoadministradas de dois deles. A adoção desse esquema significou um avanço em relação ao regime anterior, que durava 24 meses, já queoo tempo de terapia mais curto melhora a adesão ao tratamento.

Confirmar a eficácia do esquema atual é considerado um passo importante para avançar em estudos sobre a possibilidade de redução do tempo de terapia. “Em ensaios clínicos randomizados, já foram observados bons resultados da terapia de 6 meses para infecções multibacilares. É uma mudança que simplificaria o tratamento e permitiria unificar os esquemas terapêuticos para todos os casos de hanseníase”, pondera a médica, lembrando que, desde julho deste ano, as pessoas com indicação de esquema paucibacilar passaram a ser tratadas com os mesmos antibióticos indicados para as infecções multibacilares, mantendo a duração de 6 meses.

Reportagem: Maíra Menezes
Edição: Vinicius Ferreira
04/08/2021
Permitida a reprodução sem fins lucrativos do texto desde que citada a fonte (Comunicação / Instituto Oswaldo Cruz)


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