Publicada em: 16/08/2010 às 11:58
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Infecção hospitalar: prevenção é a principal forma de combate
Jornalismo

Nos últimos dias, a descoberta de uma mutação multi-resistente da bactéria Escherichia coli deixou as autoridades de saúde em alerta no mundo todo. Surgida na Ásia, a superbactéria já fez uma vitima fatal, um belga que contraiu o micro-organismo em um hospital no Paquistão. As bactérias são as principais causadoras de infecções hospitalares, quarta causa de mortes no mundo segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), atrás apenas das doenças cardiovasculares, câncer e violência. No Brasil, a taxa de infecção hospitalar é de 15% segundo o Ministério da Saúde, mais alta do que em países da Europa e nos Estados Unidos, onde o mesmo índice é de 10%.

No Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), o Laboratório de Pesquisa em Infecção Hospitalar investiga as causas e formas de evitar as infecções hospitalares bacterianas. A pesquisadora Marise Dutra esclarece que o mecanismo básico por trás da infecção hospitalar bacteriana é a resistência destes patógenos a medicamentos. Segundo a pesquisadora, a condição clínica do paciente, a falta de vigilância epidemiológica adequada e o uso indevido de antibióticos são alguns dos pontos centrais envolvidos na questão.


O que define as infecções hospitalares?
As infecções hospitalares podem ser adquiridas durante a internação ou mesmo após a alta do paciente, se sua causa estiver associada à internação ou a procedimentos hospitalares. As infecções podem ser causadas por fungos, vírus e bactérias, entre outros micro-organismos. Neste conjunto, as bactérias são os agentes causadores mais frequentes.

Por que existe tanta preocupação quanto à presença de bactérias no ambiente hospitalar?
As bactérias fazem parte da nossa flora normal, estão presentes em nosso corpo e em todos os ambientes do planeta. No hospital não é diferente: existem bactérias no ambiente, nos equipamentos e nas pessoas que circulam naquele espaço. É natural que as bactérias passem por mutações e, quando este processo ocorre no ambiente hospitalar, elas podem adquirir genes resistentes a partir da interação com outras bactérias presentes no mesmo espaço. Quando um antibiótico é administrado para tratar uma infecção bacteriana, essas bactérias mutantes sofrem uma pressão seletiva. Com isso, as bactérias que são sensíveis aos princípios ativos dos antibióticos empregados serão combatidas e as resistentes permanecerão. As bactérias resistentes, que não foram afetadas pelos antibióticos, vão se multiplicar e se sobrepor à população de bactérias menos resistentes e que foram sensíveis ao medicamento, gerando uma grande dificuldade para o controle da infecção.

Como combater as bactérias resistentes?
Em algumas situações, a bactéria resistente pode se sobrepor e superar totalmente a população de bactérias em um determinado ambiente. Além disso, ela pode transferir os genes associados à resistência para outras bactérias da mesma ou de outra espécie. Com isso, há necessidade de utilizar antibióticos cada vez mais potentes na tentativa de combater a infecção causada por bactérias resistentes, que não são afetadas por várias classes de antimicrobianos.

De que forma a transmissão de genes associados à resistência ocorre entre as bactérias?
Este processo pode ocorrer de quatro formas, sendo duas mais comuns: conjugação, quando os genes de resistência são transferidos para outra bactéria por meio de estruturas chamadas fimbrias, que formam canalículos que permitem a passagem para outra bactéria; e transformação, quando a bactéria é destruída e os genes permanecem no fluído.


Existem alternativas para o tratamento de bactérias resistentes?
Pelo menos em curto prazo, a indústria farmacêutica não dispõe de muitas alternativas. É preciso estar sempre à frente dessas bactérias, buscando desenvolver medicamentos cada vez mais potentes, capazes de agir sobre as bactérias resistentes. O desenvolvimento de novos recursos terapêuticos é importante, mas a prevenção é certamente a melhor forma de ação, prevenindo o surgimento de formas resistentes.

Quais precauções devem ser tomadas para a prevenção?
Uma medida simples e eficaz é a lavagem das mãos. Desde o século 19, sabemos que as mãos podem atuar na transmissão de bactérias no ambiente hospitalar. Por isso, é preciso adotar  rígidas rotinas de assepsia das mãos entre profissionais de saúde e visitantes.


Sobre o controle da resistência das bactérias a antibióticos, o que pode ser feito na comunidade?
Há ainda a necessidade da educação da população em geral que é a usuária do hospital, quanto aos modos de aquisição e transmissão de microrganismos, medidas de prevenção e também para evitar-se a automedicação de antibióticos, uma vez que o uso elevado de antibióticos mesmo no ambiente comunitário traz risco de infecções por bactérias multirresistentes. Essa educação deve ser realizada desde a infância, principalmente nas escolas, mas os meios de comunicação tem um papel decisivo para o controle de bactérias multirresistentes. O controle das infecções associadas aos serviços de saúde e de bactérias multirresistentes se tornou um problema mundial, de saúde pública, e portanto é necessário o envolvimento conjunto de toda a sociedade. Já existem casos de infecções bacterianas resistentes a todos os antimicrobianos disponíveis no mercado internacional e o desenvolvimento de novos antibióticos são demorados. Portanto, é fundamental a ação de todos para a prevenção e controle das infecções causadas por estes microrganismos.   

Existem pacientes mais suscetíveis a infecções bacterianas?
O estado imunológico e a idade do paciente podem estar associados à ocorrência de infecções deste tipo. A utilização de métodos invasivos, como a colocação de caracteres e a realização de cirurgias, também podem ser determinantes para o surgimento de infecções.

Como a automedicação pode contribuir para o problema?
A automedicação é uma das maneiras da bactéria adquirir resistência na própria comunidade. No ambiente hospitalar, estas bactérias resistentes encontram ambiente propício para aflorar. Muitas pessoas tomam antibióticos por conta própria ou, quando o médico receita, interrompem o tratamento antecipadamente por notarem alguma melhora. Outra fonte de disseminação é o uso abusivo de antimicrobianos na veterinária, principalmente na criação de frangos para consumo humano.


 

Renata Fontoura

16/08/2010 

Permitida a reprodução sem fins lucrativos do texto desde que citada a fonte (Comunicação / Instituto Oswaldo Cruz).


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