Histórico
Páginas: 1 | 2 | 3 | 4 | 5 | 6

MEMÓRIA E HISTÓRIA

"A imaginação histórica reconstituirá, por certo, [...] o cenário onde se localizou um fato econômico, seguido de uma tragédia política. Mas esta será apenas ponto de partida para a imaginação literária, de pungente meditação sobre a poesia das ruínas. Descanse o leitor: nós não a faremos.

Passei apenas alguns momentos por esses ermos frios, de uma tristeza severa. Aqui as ruínas dominam as formas compostas do que lá embaixo, no seu sinuoso, é a cidade. Galgam a escarpa, vão infatigavelmente à procura do céu, e adquirem uma espécie de monumentalidade negra, comburida, que nos oprime. Não têm a doçura um pouco vaporosa das ruínas românticas, de que o começo do século XIX impregnou a visão de velhos jardins, com suas colunas a beira-lago. São ásperas, cruéis, e se não vem seguramente daquele dia de julho de 1720, em que a soldadesca de Conde de Assumar ateou fogo no arraial de Ouro Podre, pois Diogo de Vasconcelos alude a um arraial ali construído posteriormente e que por sua vez se converteu nesses escombros, não são por isso menos acerbas.

Alguma coisa selvagem, própria da natureza, se incorporou aos pedaços de paredes, muros e corredores de pedra, remanescentes de técnicas primitivas de mineração, e que se estendem por um espaço não suspeitado a primeira vista. Sucessivas plataformas e dobras do morro ostentam restos de construções, aparentemente sem outro qualquer vestígio de presença humana. Em vão o olhar procura descobrir um desses humildes objetos que assinalam a vida de todos os dias, mediadores entre o homem e a natureza."

Carlos Drummond de Andrade. Passeios na ilha. Rio de Janeiro, José Olympio, 1975.

Páginas: 1 | 2 | 3 | 4 | 5 | 6