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Velha doença, novos desafios

A velha doença do barbeiro, descrita como um dos problemas de Jeca Tatu na literatura brasileira, ainda nos desafia. Um século após sua descoberta, a doença de Chagas representa uma questão global de saúde pública: sem cura ou vacina, afeta cerca de 16 milhões de pessoas em todo o mundo, segundo dados da Organização Mundial de Saúde, e exige estratégias de controle cada vez mais elaboradas.

São os indivíduos em sua faixa etária mais produtiva – dos 30 aos 60 anos – os mais atingidos. Assim, a doença de Chagas tem forte impacto na capacidade de trabalho e geração de renda. Um ciclo vicioso perverso em que a pobreza é determinante social da doença e a doença gera mais pobreza. Apenas as diarreias infecciosas e a epidemia de Aids são mais impactantes que a doença de Chagas.

No Brasil, estima-se em dois milhões o número de pacientes crônicos – 600 mil com complicações cardíacas ou digestivas que levam a óbito cinco mil pessoas por ano. Em valores absolutos, o número de brasileiros que morrem por doença de Chagas é similar ao dos que morrem por tuberculose e dez vezes superior às mortes causadas por esquistossomose, malária, hanseníase ou leishmaniose.

Apesar desse quadro crítico, o centenário da descoberta da doença de Chagas, comemorado este ano, é também um momento de celebração dos avanços da ciência. Honrando a grandeza da descoberta de Carlos Chagas, o sucesso da estratégia de interrupção da transmissão da doença pelo seu principal vetor nas Américas é exemplo mundial. Em 2006, o Brasil foi certificado pela OMS por ter controlado a transmissão pelo Triatoma infestans, nosso barbeiro mais comum, em todos os estados do país. Nos restam agora os desafios de dar sustentabilidade ao controle do vetor, prevenir a transmissão por outros insetos e mecanismos, como a via alimentar, redobrar a atenção sobre o impacto de instabilidades ambientais sobre o ciclo silvestre do vetor da doença, o que pode favorecer novas formas de transmissão,
e garantir a atenção aos milhões de pacientes agudos e crônicos.

Não são poucos os desafios que nos cabem, mas a história do enfrentamento da doença nos ensina e inspira. Sua trajetória teve início em 1909, com a descoberta tripla de Carlos Chagas, grande cientista que deixou sua marca na Fiocruz e na ciência mundial – feito único na história da medicina por incluir todo o ciclo da doença: agente etiológico causador, inseto vetor e infecção humana. A descoberta prestigiou internacionalmente a ciência brasileira e, entre outros reconhecimentos acadêmicos nacionais e internacionais, Carlos Chagas foi duas vezes indicado ao Prêmio Nobel.

Um século após a descoberta da doença, permanecem grandes desafios. É consenso que para prevenir e identificar as formas agudas da infecção é necessário aprimorar os métodos de diagnóstico, testar a associação de medicamentos e conhecer mais profundamente a resposta dos pacientes aos protocolos de tratamento. Um desafio epidemiológico importante é a emergência da doença na Amazônia e a maior lacuna que permanece certamente diz respeito ao desenvolvimento de novos fármacos – atualmente há somente dois medicamentos disponíveis para o tratamento da doença.

Considerada tradicionalmente uma doença relacionada à pobreza, endêmica nas Américas, a doença de Chagas passa atualmente por um processo de alteração de seus padrões epidemiológicos clássicos. Casos crônicos e agudos, importados e autóctones, têm sido registrados em todo o mundo, inclusive nos países ricos, que há até pouco tempo não compartilhavam deste problema. Esta complexa transição epidemiológica, da qual emerge a abrangência global da doença de Chagas, sinaliza a necessidade do esforço integrado de diversos países para seu enfrentamento. Neste novo cenário, desempenhar com responsabilidade e comprometimento o papel do Brasil é tão impactante como foram os esforços de Chagas e de seus colaboradores na primeira década do século 20.


Paulo Gadelha e Tania Araújo-Jorge

Artigo publicado no jornal Correio Braziliense, em 11 de de setembro de 2009.

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