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O Clone

A novela de Glória Perez, transmitida pela TV Globo entre outubro de 2001 e junho de 2002, é um bom exemplo de entretenimento aliado a discussões sobre ciência, mais especificamente sobre questões relacionadas à clonagem humana.

Na trama, o primeiro clone humano é criado por um cientista brasileiro, Dr. Albieri. O ponto de partida é a morte prematura de Diogo, um dos filhos gêmeos de Leônidas, homem muito rico. Albieri, amigo de Leônidas, decide clonar Lucas, o outro gêmeo, argumentando que a cópia seria igual a Diogo. Desaparecido após o nascimento, Leo, o clone, reaparece 18 anos depois. Quando descobre ser um clone, Leo passa a viver diversos dilemas, como os ligados a paternidade e maternidade. Ele se considera apenas uma cópia e procura definir sua identidade. Mais adiante, como referência ao envelhecimento prematuro da ovelha Dolly – primeiro mamífero clonado na vida real –, Leo começa a questionar quanto tempo de vida ele ainda tem.

Para explicar o conteúdo científico presente na trama, como a clonagem, a autora adotou em muitos momentos uma abordagem didática: houve uma cena em que um professor, em sala de aula, apresenta às crianças temas científicos. A novela discutiu temas como a influência dos genes no comportamento das pessoas. A memória genética foi igualmente abordada, na maioria das vezes de forma ingênua, como em cenas em que o clone e a pessoa clonada coçavam os olhos ao mesmo tempo e da mesma forma. A novela introduziu ainda a discussão sobre terapia genética como algo útil e positivo.

Os aspectos éticos da clonagem humana também foram discutidos desde o primeiro capítulo. Num sonho, Dr. Albieri imagina cientistas o aplaudindo por ter consigo clonar um ser humano. Mais tarde, acordado, ele se questiona sobre a alma da pessoa criada e conclui que o experimento não seria ético. Albieri acaba criando o clone em segredo, e se torna um homem atormentado por isso. Os dilemas apresentados na novela, no entanto, eram todos individuais, relacionados a Albieri, não havia uma perspectiva coletiva do problema. E as discussões sobre os riscos da aplicação da técnica eram limitadas ao fato de se o clone teria ou não defeitos físicos.

Apesar de ter tentado mostrar a presença de tentativas e erros na ciência, o cientista conseguiu sucesso na clonagem humana em apenas algumas horas. De acordo com Lygia da Veiga Pereira, geneticista da USP, isso induz as pessoas a acreditarem que a clonagem é algo simples.

A novela levantou pontos de vista conflitantes no meio científico. Márcia Margis, geneticista da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a considerou uma “ferramenta interessante para evocar a curiosidade das pessoas quanto à clonagem, estimulando-as a buscar novas informações”. Mayana Zatz, geneticista da USP, achou que a novela poderia despertar nas pessoas o desejo de serem clonadas, gerando uma aceitação social do processo. Ela critica erros como o fato de os gêmeos e o clone, por exemplo, terem um sinal hereditário na pele, herdado da mãe, completamente idêntico e na mesma posição do corpo.

A ciência e o processo científico são, na novela, muitas vezes apresentados de forma simplificada e individualizada; cientistas são estereotipados e os aspectos coletivos, econômicos e sociais da ciência não são considerados.

Não se deve esquecer, no entanto, que “O Clone” foi uma novela de entretenimento, e não um programa educativo, voltada para uma audiência ampla e diversificada num país em que a ciência não é um tema popular.

Fonte:

MASSARANI, Luisa; MOREIRA, Ildeu de Castro. “Human cloning: A soap opera as a science communication tool”. Artigo apresentado na 7a Conferência de Comunicação Pública da Ciência e da Tecnologia, Cape Town, África do Sul, 4-7 dezembro, 2002.


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