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Fundação Oswaldo Cruz

Conceição Bongiovanni

Um “empurrãozinho” para os centros e museus de ciência

No início da década de 1980, podia-se contar nos dedos o número de museus e centros de ciência existentes no Brasil. Hoje, são quase 100, dos quais pelo menos 30 foram criados ou consolidados com o apoio da Vitae – associação civil sem fins lucrativos, criada em 1985 para apoiar projetos nas áreas de cultura, educação e promoção social.

Conceição Bongiovanni acompanhou de perto a expansão desses centros e museus de ciência. Na gerência de projetos na área de Educação da Vitae desde 1993, buscou implantar uma política de aperfeiçoamento das organizações, oferecendo apoio financeiro, consultorias internacionais e programas de qualificação de recursos humanos. Para Conceição, a falta de profissionais experientes e a precariedade da estrutura administrativa dos museus são os problemas centrais dessas organizações.

Nessa entrevista, concedida a Luisa Massarani em março de 2004, Conceição fala sobre o papel fundamental da Vitae na divulgação científica brasileira e de sua expectativa em relação ao desdobramento de suas atividades. Ela conta também por que a associação está em vias de encerrar suas atividades.

Leia aqui a biografia de Conceição Bongiovanni

Como se deu a transição do seu trabalho na área de educação para a área de divulgação científica?
No início da minha vida profissional, fui professora de história no ensino médio e professora universitária de ciência política. Nessa época, coordenei um trabalho com comunidades rurais, pelo Projeto Rondon. Trabalhei durante dez anos com as comunidades do Vale de Jequitinhonha, em Minas Gerais. Foi uma grande experiência de vida, profissional e pessoal. Tudo que sou, aprendi lá, com aquele povo. Quando o Projeto Rondon foi extinto, na década de 1980, fui convidada para trabalhar na Secretaria de Educação de São Paulo. Lá, as questões do ensino de ciências e da popularização da ciência estavam sempre presentes, porque são uma área crítica do ensino, sobretudo no segundo grau. As equipes da secretaria buscavam soluções para a sala de aula e faziam propostas curriculares para a rede. Quando fui para a Vitae, em 1993, tive a felicidade de encontrar uma área de financiamento especialmente dirigida para o ensino médio e a divulgação científica. Foi então que, profissionalmente, comecei a me envolver mais diretamente com essa questão.

Em 1993, a divulgação científica já era uma das prioridades da Vitae?
A atuação da Vitae na área de divulgação científica começou com a rede iniciada pelo Centro de Divulgação Científica e Cultural (CDCC), com o professor Dietrich Schiel. Essa rede era muito centrada em um trabalho de apoio ao ensino de ciência em sala de aula. Um pequeno grupo de pessoas, em um pequeno espaço físico, produzia um material todo voltado para a prática e a experimentação na sala de aula e fazia a distribuição desse material e a capacitação de professores para uso da Experimentoteca. Acho que esse foi de fato o berço da maioria dos centros de ciência que temos hoje no país. A partir da Experimentoteca, vários grupos começaram a produzir experimentos e a trabalhar na montagem de pequenas exposições. Eram pequenos núcleos, implantados nas universidades, patrocinados por prefeituras ou por grupos de pesquisa. Alguns desses antigos núcleos são, hoje, centros de ciência muito interessantes, como a Usina de Ciência, de Alagoas, e a Fundação Parque Tecnológico da Paraíba. A partir do crescimento desses centros, começamos a trabalhar mais profundamente na questão, trazendo consultorias internacionais e apoiando alguns grandes projetos. Minha familiaridade com divulgação científica está muito diretamente ligada ao trabalho dos centros de ciência brasileiros.

Por que você decidiu por esse recorte?
Foi uma opção da Vitae. Faz parte de sua filosofia fortalecer instituições, mais do que iniciativas, eventos e ações pontuais. Além disso, uma de nossas prioridades é apoiar a melhoria do ensino de ciências. Vemos os centros de ciência como espaço de divulgação científica para a comunidade e também como espaço de apoio à melhoria da qualidade de ensino. Os centros de ciência unem essas duas competências e tornaram-se alvo prioritário dos esforços e investimentos da Vitae.

Qual a relação entre educação científica e divulgação científica?
Acho que são duas vertentes, que têm pré-requisitos distintos e diferentes especificidades. A vertente de apoio ao ensino nos centros de ciência requer o cuidado com a preparação do antes, durante e depois da visitação, mais do que a articulação com a comunidade em geral. Trabalhar com o ensino requer uma proposta pedagógica mais fina, no sentido de que se deve estabelecer um diálogo mais constante e duradouro com essa clientela. Notamos com satisfação que os centros de ciência no Brasil, talvez mais que em outros países, têm um comprometimento muito forte com a comunidade escolar, que é, de longe, o visitante mais freqüente. Há a preocupação de oferecer cursos, de preparar material, de apoiar o professor. O diálogo com a comunidade é uma atividade menos formal. Embora o apoio ao ensino nesses centros seja uma prática de educação não-formal, ainda é mais formal que a comunicação com a comunidade.

Em linhas gerais, quais as principais características dos centros de ciência apoiados pela Vitae?
Fazemos uma distinção de ordem meramente programática. Os museus de ciência clássicos – que trabalham com coleções de antropologia, arqueologia, mais voltados para a pesquisa acadêmica – não estão incluídos na nossa área de apoio a centros de ciência. Eles são contemplados pela Vitae no Programa de Apoio a Museus. Tratamos os centros de ciência como instituições diferenciadas, sobretudo pelo fato de terem exposições não calcadas em coleções de objetos históricos, mas sim em objetos de divulgação científica, portanto renováveis, interativos, dinâmicos, com um vínculo maior com a inovação e os avanços da ciência.

Por quais procedimentos passaram os projetos apoiados pela Vitae?
Quando recebemos um projeto, fazemos, junto à instituição proponente, um trabalho de qualificação da proposta. Há todo um diálogo para que sejam feitas as melhores opções. Nos projetos de maior envergadura, trazemos consultores internacionais, como aconteceu no Museu de Ciência e Tecnologia (MCT PUC-RS) em Porto Alegre, no Espaço Ciência de Recife e no Planetário do Rio de Janeiro.

Em 1999, a Vitae fez, junto com a Universidade de São Paulo (USP), um diagnóstico dos centros e museus de ciência brasileiros. Como foi esse trabalho?
Ao mesmo tempo em que buscamos dar apoio financeiro e consultoria aos centros, estudamos essas organizações com cuidado e interesse. Formulamos uma política de receber, estimular e orientar projetos dessas organizações. Até onde sei, é o primeiro e o único trabalho feito até hoje com o objetivo de mapear a realidade dessas instituições em termos de quadro de pessoal, programas educacionais, atividades de divulgação, planos estratégicos, planos diretores, vínculo institucional etc. Procuramos identificar quais eram as principais necessidades dos centros e tentar extrair daí uma prioridade para uma ação mais estratégica.

Quais foram os principais resultados?
A estrutura dos centros de ciência brasileiros é muito precária e a profissionalização dos agentes que atuam neles é um pouco improvisada. O que se vê, na maioria das vezes, são profissionais de outras áreas, que se envolvem e se dedicam porque gostam disso, mas não têm uma formação profissional específica para a área. Traçamos, então, como prioridade, a qualificação e a formação dos recursos humanos. Uma das respostas que demos a essa demanda foi um ciclo de seminários que realizamos em parceria com o British Council e com consultoria do Techniquest. O primeiro foi sobre programas educacionais em centros de ciência, realizado na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). O segundo foi sobre planejamento e produção de experimentos e exibits. O terceiro tocou no ponto crítico, que é a gestão e a administração de centros de ciência.

Há algum indício de que o trabalho dos museus e centros de ciência tenha impacto real na educação?
Acho que esse ainda é um dos pontos em que estamos aquém do necessário. Ainda faltam muitos estudos, avaliações e acompanhamentos. Sabemos que há uma grande receptividade, por parte do público escolar, de acordo com depoimentos de professores e alunos. Os nossos centros têm agenda fechada já no início do semestre. Se a procura é um indício de interesse, esse é o indicador que temos. Mas não conheço estudos mais científicos, mais precisos, sobre o impacto disso e quanto o trabalho dos centros de ciência efetivamente contribui para despertar vocações para ciência, atrair alunos que são mais resistentes a temas da ciência, quanto contribui para facilitar o aprendizado...

Você afirmou que é crítica a gestão e a administração em centros de ciência. O que acontece de errado?
Os nossos centros de ciência apresentam uma diversidade muito grande de padrão organizacional. Há centros vinculados a universidades, ligados ao poder público municipal e estadual, alguns poucos ligados à iniciativa privada e outros a instituições filantrópico-culturais. E o que acontece? Eles têm o mesmo viés organizacional das suas instituições de origem. Se você tem um centro ligado ao poder público municipal, então ele tem que enfrentar leis de licitações, orçamento público, quadro de pessoal. E o centro não tem tempo para isso, é uma instituição onde flexibilidade, autonomia e rapidez são essenciais. Surge um problema importante, por exemplo, um derramamento de óleo na Bahia da Guanabara. O centro deve explorar esse tema e tem que trabalhar rapidamente, transformar esses acontecimentos em fonte de informação e de esclarecimento científico para a população. Não pode ficar esperando a assembléia aprovar orçamento. Isso é um entrave muito grande. O próprio recebimento de recursos de patrocínio, como é o caso da Vitae, é, muitas vezes, extremamente difícil e complicado para os centros de ciência. Contornar isso tudo depende de muita habilidade da direção. Alguns diretores são extremamente hábeis e conseguem encontrar caminhos mais curtos, mas outros não... Os centros de ciência precisam ter uma estrutura administrativa e institucional capaz de dar mais mobilidade, independência e autonomia.

Na sua avaliação, os materiais, equipamentos e objetos usados nos centros de ciência são apropriados e eficientes na divulgação da ciência para o grande público?
Quase todos os centros de ciência são liderados por profissionais das áreas de química física ou biologia – em geral física – que têm paixão pela produção de exibits e gostam de transformar seu domínio sobre uma área do conhecimento em objeto de demonstração e experimentação. Isso faz com que cada um desses centros seja produtor de seus próprios experimentos. E, de uma forma geral, a maioria desses experimentos não recebe o devido tratamento de produção que um exibit requer. Produzir objeto de exposição científica é quase tão ou mais complicado do que produzir uma obra de arte para uma exposição cultural. Há uma série de questões embutidas no processo, que exige um diálogo muito competente entre muitas áreas profissionais. É preciso considerar o conteúdo científico que você quer demonstrar, a “tratividade” do objeto, a segurança, a integração do objeto no contexto museológico e muitas outras questões que, muitas vezes, são ignoradas. Outro ponto é que são raros os profissionais preparados para produzir esse tipo de material. Não há, no Brasil, um mercado de produção de experimentos como em outros países. Calculo que não mais do que meia dúzia de instituições em nosso país tenha capacidade de aceitar encomendas de um centro de ciência e produzir um experimento com qualidade. Isso deveria ser uma norma. O idealizador de uma exposição no centro de ciência deveria desenvolver o projeto, mas não necessariamente sua construção, o que requer uma série de especialidades. Uma vez pensamos, em parceria com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), na possibilidade de criar uma central de produção de experimentos que atendesse a todos os centros, uma espécie de cooperativa que fizesse esse trabalho, formando profissionais, atendendo às demandas, com uma visão empresarial mesmo. Isso não foi adiante. Acho que ainda é algo muito arrojado para o atual momento das demandas. Talvez algum dia...

Qual tem sido o papel da Vitae no fortalecimento da divulgação científica brasileira?
Acho que a diferença que a Vitae fez nesse contexto, ao longo de dez anos, foi o fato de ter, permanentemente, estimulado as instituições a apresentarem projetos, dado um retorno qualificado. A continuidade do apoio é que possibilitou que, em um período de dez anos, saíssemos de um cenário de um ou dois centros de ciência para um cenário de 30, só no banco de dados da Vitae, e outros tantos que ainda não chegaram até nós. Acho que esse crescimento, em um período historicamente pequeno, deveu-se, sobretudo, ao trabalho contínuo da Vitae, que investiu até hoje um total de 7,5 milhões de dólares.

Por que a fundação decidiu encerrar suas atividades em dezembro de 2005?
Foi uma decisão estratégica tomada há alguns anos. Diante da desvalorização da rentabilidade financeira do fundo da mantenedora no mercado internacional, havia duas possibilidades: diminuir drasticamente os investimentos em projetos ou diminuir a durabilidade das atividades. Para garantir um período de investimentos mais profícuos, a decisão foi ampliar as atividades por um período mais curto.

Você espera que a iniciativa da Vitae tenha desdobramentos?
Certamente a ação da Vitae não é suficiente para resolver o problema da divulgação e da educação científica brasileiras. Porém é de se esperar que tenha desdobramentos e alguns já começam a aparecer. Estamos discutindo a possibilidade de um programa permanente de estágios, cobrindo vários temas, no Museu de Ciência e Tecnologia (MCT PUC-RS) de Porto Alegre. Estão sendo discutidas, ainda, as possibilidades de se complementar esse programa de estágio com uma etapa final de estudo no Techniquest e, eventualmente, de parcerias internacionais para cursos de especialização, mestrado ou doutorado, na Inglaterra. Também vemos com entusiasmo a retomada de editais para centros e museus de ciência, de iniciativa do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), através da Secretaria de Ciência e Tecnologia para a Inclusão Social e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), bem como a atuação e dinamismo da Associação Brasileira de Centros e Museus de Ciência (ABCMC).

Você vê com preocupação o encerramento das atividades da Vitae, justamente no momento em que os centros e museus de ciência estão se consolidando?
É preocupante porque estamos em um momento extremamente crítico, em que se pode consolidar e realmente avançar em tudo aquilo que foi semeado ou se perder o que foi feito. A questão, por incrível que pareça, nem é tanto o volume de recursos, e sim a regularidade do apoio. Tenho receio que não se consiga, em um curto espaço de tempo, abrir canais que mantenham essa regularidade. Hoje, essa é uma atividade impactante, por causa do esforço fantástico de algumas lideranças que conseguiram colocar o Brasil no cenário mundial de centros e museus de ciência, em um período de tempo curto. Vibramos com o lançamento dos últimos editais do MCT e da Finep e estamos torcendo para que sejam regulares, que não haja um vácuo de dez anos – como aconteceu depois do edital de 1993, o famoso edital Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) número 1 da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e do CNPq, para o qual Vitae contribuiu. De lá para cá, a Vitae ficou praticamente sozinha nessa área de apoio. Gostaríamos muito que a difusão e a educação científica se transformassem em linhas regulares de financiamento de muitas agências, com prioridades e metodologias definidas.

As atividades de divulgação científica acompanharam o crescimento dos centros de ciência?
Sem sombra de dúvida. Fico surpresa com o quanto ela cresceu em um período tão curto. A educação formal tem 500 anos e acho que ela não se renovou, cresceu e se desenvolveu como os centros se desenvolveram nos últimos dez anos. É uma efervescência. As pessoas querem saber, querem fazer, há muitos eventos, debates, seminários, workshops, o desfile de carnaval da Unidos da Tijuca... São iniciativas impensáveis há dez anos. Houve um crescimento muito grande e acho que há imensas possibilidades nessa direção.

Que desafios a divulgação científica no Brasil ainda precisa enfrentar
A difusão científica e a educação científica deveriam ser estimuladas como tema de investigação. Acho que a academia ainda não se debruçou sobre isso. Temos proposto às instituições que apoiamos que desenvolvam projetos de avaliação, de acompanhamento, sob a forma de um projeto de mestrado, doutoramento, para colocar a temática como área de pesquisa e investigação. A bibliografia sobre isso é muito pequena.

Você já sabe o que vai fazer depois que a Vitae encerrar suas atividades?
Penso em ficar na área de divulgação científica, onde identifico que há muito ainda a fazer, ou voltar a um trabalho acadêmico que ficou lá atrás e que me faz falta. Ou, quem sabe, vou ver se aparecem coisas novas por aí!

Biografia

Conceição nasceu em São Caetano do Sul, São Paulo, em 1945. É formada em ciências sociais pela Universidade de São Paulo (1968), com pós-graduação na área de ciências políticas, concluída em 1972, e especialização em planejamento e desenvolvimento regional, e educação.

De 1977 a 1988, coordenou em São Paulo o Projeto Rondon – programa de extensão universitária de âmbito nacional mantido pelo Ministério do Interior, que envolve a participação de estudantes universitários na promoção do desenvolvimento de comunidades rurais, tanto do interior do país como da periferia das grandes cidades brasileiras.

De 1970 a 1985, foi professora titular de ciências políticas no curso superior de Ciências Sociais da Fundação Santo André e, de 1970 a 1988, lecionou história no ensino médio na rede estadual de São Paulo. De 1987 a 1993, foi diretora de supervisão do ensino de segundo grau na Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, trabalhando com programas de reformas do ensino e de capacitação de professores.

Em 1993, foi contratada pela Vitae, onde gerencia até hoje a área de Educação, que tem como uma de suas prioridades o apoio à expansão e ao aperfeiçoamento de museus e centros de ciência.


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