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Fundação Oswaldo Cruz

José Leite Lopes

Educação é o segredo

A ciência só vai passar a ocupar um espaço maior na sociedade brasileira se houver um investimento maciço na educação, especialmente no ensino médio – afinal, é ali que os alunos têm um contato mais intensivo com disciplinas como física ou química e podem ter seu interesse estimulado de forma decisiva. Para que a divulgação científica dê um salto de qualidade no Brasil, é preciso capacitar melhor os professores, elaborar novos livros didáticos e criar condições para que a escola possa despertar nos alunos a paixão pela ciência.

Quem traça esse diagnóstico é o físico pernambucano José Leite Lopes, com a autoridade de quem batalhou por uma maior dedicação dos pesquisadores à divulgação científica ao longo de uma carreira que se estendeu por mais de meio século. Desde os anos 1930, Leite Lopes redigiu dezenas de artigos para o grande público, em jornais e revistas, nos quais divulgava novidades da física e defendia uma maior participação dos governantes no estímulo à ciência. Leite Lopes é ainda o autor de livros didáticos, de divulgação e sobre história da física. Teve papel fundamental na consolidação da física teórica no Brasil: ajudou, por exemplo, a fundar o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) e a Escola Latino-Americana de Física no Rio de Janeiro.

Em julho de 2004, Leite Lopes recebeu em sua casa Ildeu de Castro Moreira e Bernardo Esteves para a entrevista a seguir, na qual passa em revista momentos importantes de sua carreira na divulgação científica.

Leia aqui a biografia de José Leite Lopes

Quando o senhor publicou seu primeiro artigo de divulgação na imprensa?
Publiquei meu primeiro texto no Diário da Manhã, de Recife, por volta de 1938. Era um artigo sobre mecânica quântica e física atômica. Nessa época, era muito motivado por Luiz Freire, que foi meu professor, um homem de grande cultura. Ele me influenciou muito.

O senhor já era formado?
Eu havia me formado em química industrial, no Recife, em 1939. Já estava decidido a deixar a química industrial e passar para a física. Fiz então um novo vestibular, já no Rio de Janeiro, e, em 1940, entrei na Faculdade Nacional de Filosofia.

O senhor escreveu artigos sobre ciência para quais jornais?
Jornal do Commercio, Diário da Manhã, A Manhã, Jornal do Brasil...

O senhor se lembra de outros artigos que publicou naquela época?
Lembro-me de dar várias entrevistas. Certa vez, antes do surgimento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), propus no Jornal do Commercio do Rio de Janeiro a criação de uma fundação nacional de ciência e tecnologia a ser controlada e custeada, sobretudo, pelos industriais – que não toparam, evidentemente. Santiago Dantas, que era então o diretor do jornal, se interessava por essa questão. Eu achava que a ciência deveria ter um suporte do Estado. Não se falava muito em iniciativa privada naquela época. Introduzi essa idéia: tentamos fazer a fundação com os industriais, mas ninguém deu dinheiro para essa iniciativa.

O senhor procurava escrever textos bem-humorados ou adotar alguma estratégia de linguagem em seus artigos?
Eu não tentava ser engraçadinho. Com os meus textos, procurava, sobretudo, influenciar as pessoas que pudessem tomar decisões, os órgãos financiadores da época. Éramos motivados pela idéia de que, divulgando a ciência, ela se propagaria.

As revistas O Cruzeiro e Manchete também tinham alguma cobertura de ciência nesse período...
O Cruzeiro acompanhou muito Cesar Lattes e a criação do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF). Publicaram fotografias dele e minhas. E houve também algumas entrevistas. Quando Richard Feynman veio ao Brasil, no início dos anos 1950, tomou parte de um baile de carnaval no Copacabana Palace. E O Cruzeiro publicou uma fotografia dele fantasiado de Mefistófeles.

Havia, entre os cientistas, a consciência da importância de se divulgar a ciência?
Havia um grupo pequeno de cientistas fazendo divulgação, como era a equipe que fazia o suplemento Ciência para Todos, no jornal A Manhã. Colaborei para esse suplemento a convite de Oswaldo Frota-Pessoa. Mas éramos uma exceção.

Em que período o senhor foi mais ativo na divulgação científica?
Por volta de 1948, no pós-guerra. Foi meu período de mais ação. Foi nessa época que colaborei para o suplemento Ciência para Todos.

Pode-se dizer que a ciência esteve mais em evidência nesse período?
Esteve sim. Sobretudo a energia nuclear gerou muita discussão, acho que a bomba atômica teve um certo efeito. Havia muitos físicos politizados naquela época – ao contrário dos biólogos. Houve simpósios sobre energia nuclear na Faculdade Nacional de Filosofia, onde falavam nomes como Mario Schenberg ou José Goldemberg. Meu amigo Haity Moussatché [formado em medicina pela Universidade Federal do Rio de Janeiro em 1933] propunha debates sobre o tema nas reuniões da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Havia muito interesse naquela época.

Houve um declínio do interesse pela ciência nos anos 1950? A física sumiu dos jornais nessa época?
Só saía nos jornais os escândalos envolvendo os físicos. Falou-se muito de um desvio de dinheiro descoberto nos primeiros anos do CBPF. Naquela época, o CNPq sustentava o CBPF, dava contribuições generosas. O diretor administrativo ia buscar o dinheiro no CNPq e apostava em cavalos, e daí saiu um desfalque grande. Depois desse escândalo, a relação entre CNPq e CBPF ficou frágil, foi uma coisa muito ruim. E isso atrapalhava o progresso da ciência, misturava com polícia.

Num primeiro momento, a Academia Brasileira de Ciências (ABC) promoveu iniciativas para levar a ciência ao público. Isso ainda era o caso naquela época?
Havia também a Associação Brasileira de Educação (ABE). Eles tinham uma ação muito importante, mais talvez do que a ABC. Lembro-me de fazer conferências lá.

O senhor fazia muitas conferências para o grande público?
Fiz conferências principalmente quando voltei de meu doutorado nos Estados Unidos, por volta de 1947. Na Faculdade Nacional de Filosofia, fiz uma conferência sobre os problemas atuais da física atômica. Lembro-me que o auditório estava muito cheio.

O senhor chegou a fazer programas de rádio sobre ciência?
Fiz no período em que morei em Estrasburgo. Falei muito sobre Feynman e das atividades no Brasil. Aqui, devo ter feito um ou outro programa, não me lembro bem.

O senhor desenvolveu também junto à secretaria regional da SBPC do Rio um projeto para levar a ciência às escolas. Como era essa iniciativa?
Fui umas dez ou doze vezes a colégios como Pedro II ou Santo Inácio. A criançada adorava. Tentei continuar, mas precisei abandonar essa iniciativa depois que passei por uma cirurgia.

Como o senhor avalia o papel do ensino para despertar o interesse pela ciência?
O ensino médio é importantíssimo. É lá que você adquire seu conhecimento. É preciso que a ciência seja bem ensinada e, para isso, é importante que os cientistas escrevam livros didáticos. Mas eles não querem, eles só querem se dedicar aos trabalhos científicos. E os órgãos financiadores não dão ajuda para isso, não facilitam.

A que o senhor atribui essa falta de interesse dos cientistas pela divulgação?
O problema é que os cientistas só querem saber do dinheiro do CNPq para comprar aparelhos e desenvolver seus projetos. Tento, há muito tempo, convencer os cientistas, mas eles não querem saber. Ataquei muito alguns colegas quando achei que era preciso... Eles só se interessavam pelos seus próprios trabalhos, não se esforçavam para fazer divulgação e não se interessavam por fazer livros para o grande público ou para o curso secundário. Ninguém ligava para a importância do ensino secundário bem feito.

O senhor tem acompanhado as revistas de divulgação científica atuais?
Ultimamente não, por motivos de saúde eu tenho saído pouco de casa. Mas elas me interessavam muito.

Que paralelos podemos traçar entre as iniciativas de divulgação do pós-guerra e o panorama atual?
Naquela época, era o começo, estávamos forçando a coisa. Agora, as iniciativas se multiplicaram, o que mostra a importância da divulgação científica.

Hoje, temos muitos divulgadores sem formação específica na área de ciências. Como o senhor avalia o trabalho desses profissionais?
É muito importante, desde que eles aprendam a ciência e entrem no caminho certo. O trabalho dos jornalistas é fundamental, mas é preciso que haja uma formação para que eles possam conduzir bem a coisa.

Qual é nosso maior desafio para que a ciência atinja mais pessoas?
Acho fundamental investir no ensino médio. O ensino médio atinge todo mundo e pode passar às pessoas uma idéia boa da ciência – desde que ela seja bem ensinada. A matemática, por exemplo, é ensinada de forma errada, muitas pessoas nunca entenderam matemática. A idéia é que haja bons livros e bons professores. Se você tiver professores ruins, que mal sabem o que estão ensinando, é um desastre. E é isso que ainda está acontecendo no Brasil.

Biografia

José Leite Lopes nasceu em Recife, a 28 de outubro de 1918. Diplomou-se em química industrial pela Escola de Engenharia de Pernambuco, em 1939 e, em 1942, já estabelecido no Rio de Janeiro, fez parte da primeira turma de formandos em física da Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil. Em 1946, tornou-se doutor pela Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, onde havia trabalhado sob a orientação do austríaco Wolfgang Pauli (1900-1958), e retornou ao Brasil, assumindo a cátedra de física teórica da Faculdade Nacional de Filosofia.

Durante a ditadura, Leite Lopes se afastou do Brasil por divergência ideológica com o regime militar. Teve passagens pelas universidades de Pittsburgh, nos Estados Unidos, e de Orsay, na França, e se estabeleceu na Universidade Louis Pasteur, em Estrasburgo, onde ficou até 1985. De volta ao Brasil, assumiu a direção do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), do qual é professor titular. Leite Lopes é, ainda, membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e da American Physical Society.


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