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Rádio Sociedade

As preferências dos ouvintes

A preferência entre música erudita e popular dividiu o público da Rádio Sociedade. A rivalidade entre os partidários dos dois gêneros era uma típica manifestação da disputa que opôs a “alta cultura” à “cultura popular” com o advento da indústria cultural no século 20. As cartas dos ouvintes da RS oferecem uma perspectiva única sobre como esse debate se colocou no Brasil nos anos 1920 e 1930.

Este ouvinte exalta a “beleza sentimental” do samba-canção, defende que 90% da população prefere música popular e parodia um samba da época para fazer um apelo pessoal a Roquette-Pinto: “Desiste disso, meu nêgo!”.

Já outro defende que, ao menos na hora do almoço, a rádio prefira a irradiação de músicas ligeiras, para não comprometer a digestão da feijoada! Para este, “muita música [orquestral] torna-se cacete”.

A maior parte das cartas que tratavam dessa questão, no entanto, manifesta um ponto de vista hostil à RS por abrir suas ondas à música popular. O remetente que assina como “Um ex-ouvinte” qualifica os sambas e maxixes irradiados como “lixo sonoro” e “porcaria audi-vomitiva”.

Este ouvinte acusa a Rádio Sociedade de se omitir diante do dever de educar o gosto musical do seu público – no caso, afastando-o da “immundice” de artistas populares como Carmen Miranda. Já este outro, também anônimo, incomodou-se com a afeição especial de um determinado speaker pelo disco “Cigana”, de Vicente Celestino, reproduzido à exaustão em seu programa.

Mas era difícil satisfazer mesmo os apreciadores de música erudita, como mostra a crítica deste ouvinte, que recrimina os compositores das obras irradiadas pela RS e sugere o nome de autores clássicos.

Já o anônimo que se identifica como “um ouvinte ranzinza”, embora despreze os “sambas idiotas e tangos mellosos” transmitidos pela RS, tampouco aprecia a programação erudita. Segundo ele, a rádio privilegia, em detrimento dos concertos sinfônicos, a música de câmara, caracterizada por “uma série de esfregações de violino, acompanhado a piano.”

A mesma queixa é reverberada por um ouvinte que assina como Serapião Xumbrégas (seria o mesmo?), que manifesta seu mau-humor com peças para piano e violino e com composições modernas como as de Fauré. Mas era difícil agradar a gregos e troianos: este ouvinte se queixava justamente da ausência de compositores modernos na programação da RS...

Havia ainda, felizmente, ouvintes de espírito tolerante. Este, por exemplo, embora fosse apreciador da música erudita, defendia que a hora do almoço fosse dividida entre este gênero e a música popular – “para satisfazer os gostos adulterados de (grande maioria, bem sei) uma educação musical quase nulla, ou nulla de todo”.

E como se posicionava a rádio em relação a essa disputa? Em um trecho do relatório de atividades de 1930, a emissora adota uma postura conciliatória: ela reconhece as numerosas críticas à transmissão de música popular, mas defende que isso não corrompe o bom gosto do público.

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