Entendendo a dispersão do novo coronavírus
Especialistas da Fiocruz integram rede de pesquisa, sequenciamento viral e acompanhamento das mutações genéticas do SARS-CoV-2.Cerca de 3,6 mil amostras brasileiras já foram sequenciadas
Cientistas da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) lideram um esforço nacional de pesquisa que busca decodificar o genoma do SARS-CoV-2, causador da Covid-19, e acompanhar suas linhagens e mutações genéticas. Por meio da Rede Genômica Fiocruz, especialistas de todas as unidades da Fundação no país e de institutos parceiros se empenham diariamente em gerar dados mais robustos sobre o comportamento do vírus e contribuir para um melhor preparo do país no enfrentamento da pandemia em termos de diagnóstico mais precisos e vacinas eficazes.
O grupo participa da iniciativa internacional de acesso aberto a informações sobre genomas de vírus influenza e coronavírus, o GISAID. Desde o início da pandemia, mais de 524 mil sequências genômicas do novo coronavírus já foram compartilhadas por pesquisadores de todo o mundo.
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Pesquisadores já conseguiram sequenciar quase 3,6 mil amostras brasileiras |
Com foco na situação do Brasil, a Rede Genômica Fiocruz passou a disponibilizar dados exclusivos do país no website da iniciativa. “Para o rápido progresso no entendimento da Covid-19 e suas complicações é fundamental estreitar a colaboração científica. Por meio dos dados genômicos é possível avançar em pesquisa e desenvolvimento de possíveis vacinas e medicamentos, além de manter os kits de diagnóstico sempre atualizados com os genomas circulantes e a vigilância da dispersão dos vírus sempre alerta, ainda mais em um momento em que está sendo observado o surgimento de variantes do novo coronavírus", frisa a chefe do Laboratório de Vírus Respiratórios e do Sarampo do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), Marilda Siqueira, que atua como Centro de Referência Nacional em vírus respiratórios junto ao Ministério da Saúde e como referência para a Organização Mundial da Saúde em Covid-19 nas Américas.
De acordo com os dados disponíveis no site da Rede Genômica Fiocruz, já foram realizados cerca de 3,6 mil sequenciamentos do genoma do SARS-CoV-2 no Brasil, sendo São Paulo o estado com o maior número de amostras sequenciadas, com um total de 1.035, seguido por Rio de Janeiro, com 726, Amazonas, 340, Rio Grande do Sul, 306, Paraíba, 167, e Pernambuco, com 150.
“Quanto maior for o investimento na ciência, mais rápidas serão as respostas ao atual e a futuros problemas de saúde pública”, salienta a coordenadora da curadoria da plataforma genômica GISAID no Brasil, a pesquisadora Paola Cristina Resende, do mesmo Laboratório.
Segundo a iniciativa, mais de 60 linhagens do novo coronavírus já foram identificadas no país. No entanto, os especialistas destacam o predomínio das linhagens B.1.1.33 e B.1.1.28, que apresentam circulação nacional desde março de 2020. A linhagem B.1.1.28 deu origem a duas linhagens que passaram a circular mais recentemente no país, a P.1 e a P.2, denominadas cientificamente de “variantes de preocupação”, ou variant of concern (VOC), na expressão em inglês.
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O sequenciamento permite identificar todas as características genéticas do vírus, conhecimento fundamental para a formulação de vacinas e fármacos |
“A identificação da circulação de linhagens não tem ligação direta com gravidade da doença, aumento da transmissibilidade do patógeno ou impacto na eficácia das vacinas. No caso dos vírus, por exemplo, a maioria das mutações não causa mudanças na capacidade de dispersão ou infecção. O SARS-CoV-2 muda mais rapidamente que outros microrganismos, como bactérias e fungos. Na maior parte dos casos, as linhagens são distintas por pequenas diferenças em seu material genético, que podem não ser associadas a novas características virais”, explica Marilda.
No estado mais populoso do país, São Paulo, as variantes B.1.1.28 e B.1.1.33 são, até o momento, as que apresentam maior número de identificação. Já no Rio de Janeiro, a B.1.1.33 apresentou maior prevalência por um período. No entanto, nos últimos meses, a cepa P.2 tem demonstrado crescimento no estado, assim como em todo o país.
Em relação ao Amazonas, que enfrenta sérios problemas em seu sistema de saúde, os dados indicam o avanço acelerado da linhagem P.1. A recente variante, derivada de uma das linhagens que predominava no país, a B.1.1.28, é responsável atualmente por mais de 91% das infecções no estado. Estudos indicam que a variante contém pelo menos três mutações (K417N, E484K e N501Y), que afetam a proteína Spike, associada à entrada do vírus nas células humanas. A P.1 também foi identificada no Pará, Roraima, Paraíba, São Paulo e Santa Catarina. Confira o artigo sobre
a relação filogenética de sequências de SARS-CoV-2 do Amazonas com as variantes emergentes brasileiras que abrigam mutações.
“Com o objetivo de detectar a circulação desta linhagem entre a população do Amazonas e outros estados do país, estamos recebendo de 30 a 40 amostras positivas de diferentes localidades para realizarmos o sequenciamento e entendermos a possível dispersão dessa e de outras cepas”, explica Fernando Motta, pesquisador do mesmo Laboratório. “Estão sendo conduzidos estudos com amostras isoladas das diferentes linhagens a fim de identificar como as mutações recém descritas podem afetar ou não a reposta induzida pelas vacinas em uso”, completa o virologista.
“É importante lembrar que as linhagens P.1 e P.2 já foram associadas a casos de reinfecção no país. Por isso, é fundamental a continuidade das medidas de prevenção, como a utilização de máscara de proteção, a higienização frequente das mãos e evitar aglomerações”, ressalta Paola. Confira detalhes
aqui e
aqui.
“Assim como há décadas existe uma rede de vigilância nacional muito bem estruturada para acompanhamento dos vírus influenza, causadores da gripe, que circulam em todo o mundo e sofrem mutações frequentes, nossa rede permanecerá igualmente empenhada nas vigilâncias epidemiológica e laboratorial do novo coronavírus, fundamentais para a formulação de vacinas sempre atualizadas e eficazes, por exemplo”, ressalta Marilda.
A Rede Genômica Fiocruz integra pesquisadores de todas as unidades da Fundação no país: Instituto Aggeu Magalhães (Fiocruz-PE), Instituto Gonçalo Moniz (Fiocruz-BA), Instituto René Rachou (Fiocruz-MG), Instituto Carlos Chagas (Fiocruz-PR), Instituto Leonidas e Maria Deane (Fiocruz-AM), assim como as unidades no Mato Grosso do Sul, Rondônia, Piauí e Ceará. Também participam especialistas do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS/Fiocruz), Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz), além do Instituto Adolfo Lutz, de São Paulo, e Instituto Evandro Chagas, do Pará.
Reportagem: Vinicius Ferreira
12/02/2021
Permitida a reprodução sem fins lucrativos do texto desde que citada a fonte (Comunicação / Instituto Oswaldo Cruz)
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